&quot;A caixa de Pandora&quot;<br />António Abreu na &quot;Capital&quot;

Nas próximas semanas vereadores e deputados municipais de Lisboa vão ter sobre os ombros uma pesada responsabilidade.Para além da normal revisão do Plano Director Municipal (PDM), já iniciada no anterior mandato e com outra maioria na Câmara, que prossegue com outras perspectivas e com timings que também foram afectados por mudanças de pessoas, estão em curso procedimentos que visam a preparação de uma alteração simplificada do actual PDM, publicado em 1994.Trata-se para a actual maioria, a pretexto da ausência de instrumentos de planeamento que deveriam ter resultado do PDM e que “deixaram grandes áreas da cidade de Lisboa paralisadas no ponto de vista urbanístico”, excepção feita às áreas históricas, e à invocada necessidade de “os instrumentos de planeamento e de gestão urbanística a elaborar após a entrada em vigor PROTAML 1 se deverem adequar às directivas nele contidas” , de desencadear alterações “em regime simplificado ao PDM” previstas no Artº 97º do D.L. 380/99, de 22 de Setembro. E de introduzir um instrumento de intervenção ágil, que o PDM em vigor já previra mas não tinha sido regulamentada (projecto urbano), a que se propõe chamar “projecto urbanístico” para o distinguir do entretanto criado , pelo n.º 2 do Artº 92º do DL 380/99 já referido, “projecto urbano” como modalidade simplificada de plano de pormenor. Aquele projecto urbanístico dispensa o inquérito público, o parecer das entidades, etc. A resolução de situações muito variadas, desde as que são do interesse objectivo da cidade até às respostas a dar a uma série de casos identificados de promotores não satisfeitos com as edificabilidades que actualmente lhe são permitidas e que invocam prejuízos relativamente a outros, que em condições consideradas equivalentes, beneficiaram de valores superiores, constituem pressões (a que não atribuímos necessariamente um sentido global pejorativo) objectivas. Pressões para acelerar “soluções” que se possam anunciar e configurar em perspectivas, maquetas, e artigos apologéticos das suas vantagens até ao final do mandato, porque não só de túneis e outras intervenções, mais ou menos discutíveis, se faz a endurance de uma recandidatura 2.Importa referir que o Presidente da Câmara tem, sobre tais matérias, feito questão de obter largos consensos, em grupos de trabalho e reuniões que garantam composições e dinâmicas qualificadas e pluralistas, a participação da Câmara e da Assembleia Municipal. Importa que essa perspectiva seja consolidada. Particularmente no caso de uma alteração simplificada que, podendo estar condicionada por uma série de reivindicações pontuais, deve, preferencialmente, ter uma estratégia, prioridades dadas a tudo o que sejam resolução de questões gritantes de universidades, de hospitais, de organismos públicos relevantes, e que passem pela consideração, caso a caso, pela opinião e pareceres consultivos de uma comissão de representatividade indiscutível para acautelar os interesses da cidade, evitando o casuísmo, o que não significa evitar a abordagem de situações emblemáticas em que a autarquia não pode limitar-se a que o proprietário deixe ruir à espera de novas e radiosas auroras de oportunidade, encarando negociações que resolvam de forma satisfatória questões como o estacionamento, a forma das compensações pelas mais-valias, permutas, etc. Importa reduzir riscos, garantir que se não progrida em novas situações de direitos que não sejam iguais para todos. Mas, mesmo assim, não nos livramos de que os resultados destas decisões sejam uma caixa de Pandora. Não é este o local, para quem escreve estas linhas, para definir hoje qual o âmbito que devem ter esses projectos urbanísticos, quer no plano geográfico quer no programático, insistir em que o seu uso tem que ser moderado e muito ponderado, ou que neles sejam respeitados elementos quantitativos vigentes com o PDM em vigor, que aumento de uso de área de logradouro é possível, que modas de cérceas poderiam ser aplicáveis, que mudança de usos quartéis e outros edifícios públicos vendidos a particulares pelo governo, podem ter.Sobre como resolver alguns problemas da cidade e o que nela se pode (deva) fazer existem as mais diferentes opiniões, em que a algumas não são alheios interesses especulativos. Acresce que Lisboa é uma cidade muito singular na Europa ou no quadro de cidades e metrópoles que passaram por densificações com crescimento em altura do edificado. Na 6ª feira passada, dos 50 metros de altura do elevador panorâmico ribeirinho de Almada, confirmei o desejo que é da maioria dos lisboetas, de que o perfil, o recorte (o skyline) desta cidade não de descaracterize. Mas de dentro da cidade, muitos são os pontos de onde se vê o rio e mesmo a Serra da Arrábida em dias límpidos. É uma vontade, que creio maioritária, que este sistema de vistas único não seja alterado por mais uma barreira de betão de frente ribeirinha ou por mais uma ou outra torre (a que cada vez mais “legitimamente” se seguiriam novas candidaturas) ou a duplicação da altura dos edifícios fora da zona histórica, particularmente, em alguns eixos centrais como regra.Hoje têm outra capacidade de fazerem curso, visões manhatanizadoras, a coberto de argumentos simploriamente brandidos: “há que trazer mais gente para o centro da cidade e permitir a Lisboa recuperar população expulsa para periferias” , logo upa, upa, em direcção aos céus; “há que agarrar oportunidades de fixar actividades económicas”, logo inventemos mais uma classificação de terrenos: “as áreas de oportunidades”.Hoje, ao contrário de outras épocas, em que o planeamento tinha as normas imediatamente ligadas às formas (Baixa Pombalina, Olivais, etc.), existe uma outra relação, mais arbitrária, com consequências mais imprevisíveis na qualidade do espaço urbano. Em que um promotor recebe um índice, multiplica pela área de que dispõe e constrói em função disso, perdendo os autarcas o controlo de muitos aspectos do impacte na vida urbana. O que implica outra exigência no acompanhamento público destes processos.Matéria tão sensível exige passos seguros e decisões susceptíveis de serem consensualizadas. Se não fôr possível, não será e cada um continuará a assumir as suas responsabilidades. 1. Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa que, entretanto, entrou em vigor em 8 de Abril do ano que passou. 2. Quando há dias visitou Lisboa, Norman Foster, que está a trabalhar para o grupo Espírito Santo no futuro dos quarteirões entre a Av. D.Carlos , R. D. Luís I , Cais do Sodré, Av. 24 de Julho, que pode vir a ser mais uma barreira no sistema de vistas sobre o rio, foi hermético, limitando-se a retomar velhas idéias de outros autores como a relativa a passagens aéreas do futuro empreendimento para o rio, passando por cima da via férrea. Mas foi suficientemente claro quanto ao aumento da densificação.

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