130º Aniversário da Conferência de Haia - 1872

 



Membro do Gabinete de Estudos Sociais (GES)

Entre 2 e 7 de Setembro de 1872, reuniu em Haia o Congresso da Primeira Internacional, aí tendo tomado as - sento 65 delegados em representação de organizações de trabalhadores da Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, EUA, França, Holanda, Inglaterra, Irlanda, Polónia, Portugal e Suíça.

Foi o Congresso mais representativo da história da Associação Internacional dos Trabalhadores (fundada em 1864), e entre os delegados presentes figuravam entre outros: Karl Marx, Friedrich Engels, Johann Ph. Becker, Josef Dietzgen, Leo Frankel, Adolf Hepner, Theodor Cuno, Paul Lafargue (representante, por delegação, das secções portuguesa e espanhola da Primeira Internacional), Charles Longuet, Friedrich Sorge e Édouard Vaillant, confirmando o nível político e ideológico da reunião.

Vivia-se um período particularmente difícil do movimento operário internacional. O esmagamento sangrento da Comuna de Paris (1871), e o sucesso das forças mais reaccionárias na Europa da época, agravaram a complexidade das condições em que os trabalhadores passariam a travar a luta e, na extensão da ofensiva capitalista, era historicamente natural que se manifestassem cepticismos no tocante à realização das grandes finalidades, hesitações no tocante ao ideal, desânimo face às adversidades do processo, e disso se alimentou o oportunismo político reformista, presente desde os alvores do movimento operário.

As debilidades de disciplina orgânica e de formação ideológica no movimento operário propiciavam um campo fértil ao florescimento de concepções contrárias às grandes linhas de rumo da Primeira Internacional e às próprias resoluções dos seus Congressos. Existia um espaço de manobra ideal para grupos de activistas, fora do quadro estatutário da Associação Internacional dos Trabalhadores e à sua margem, numa actuação concertada e impune, promoverem e divulgarem concepções reformistas ou “radicais”, procurando convencer e atrair os trabalhadores para uma acção convergente com os seus objectivos.

Consciente ou inconscientemente, vários elementos pequeno-burgueses, enquanto membros da AIT, procuravam assegurar o seu predomínio no movimento operário, e adaptar à sua vontade, a política e os fins da Primeira Internacional. É evidente que se tratavam de fracções ou tendências que objectivamente procuravam: estruturar-se de forma organizada dentro da Internacional ou à sua margem; alargar-se e tornar-se pólos permanentes de paralisia, de divisão e de confronto, corroendo e destruindo a unidade necessária à luta dos trabalhadores, retirando credibilidade e minando a influência da AIT e a sua ligação às massas populares.

Os seguidores da ideologia pequeno burguesa proudhoniana, adversários da luta de classes, voltavam à carga com as suas teses de transformação do capitalismo por via pacifica, com o Banco Popular e o crédito gratuito, ou com a resolução do problema social à margem do Estado. Os confrades de Mikhail Bakunin esgrimiam teses de “igualitarismo social”, onde se defendia a “destruição imediata do Estado”, e ressurgiam as teses de Ferdinand Lassalle onde era suficiente à classe operária conquistar o sufrágio universal para superar o capitalismo.

O trajecto destas movimentações era acompanhado com preocupação por confundirem muita gente incauta, pois a “revolução social” que se anunciava parecia ir ao encontro de objectivos comuns. Os bakuninistas empenhavam-se, numa primeira fase, em separar as teses de K. Marx da sua prática, questionando as finalidades, os meios e os métodos de luta, promoviam a eficácia imediatista e o praticismo sem peias, como caminho seguro para a obtenção de resultados imediatos.

O pragmatismo destas correntes oportunistas não tinha limites. Desenvolviam uma campanha caluniosa contra a AIT, minavam a sua unidade, desacreditavam a causa da Internacional, e utilizavam um verbalismo eivado de demagogia, substituíam os métodos de discussão leal e franca, por métodos indignos de revolucionários, fazendo o mal e a caramunha, mascarando a sua incontida aspiração à liderança da luta dos trabalhadores, apostados na estratégia da dispersão, da dissidência, da ruptura, numa palavra, numa estratégia de divisão da Primeira Internacional.

Irmanados na concepção social-oportunista do Estado como um mal absoluto, e comungando igual hostilidade à revolução proletária como forma superior da luta de classes, negavam a necessidade dum partido da classe operária teoricamente armado, recusavam a organização política do proletariado e a hegemonia deste no processo revolucionário, esgrimiam argumentos contra a necessária coesão internacional dos trabalhadores, coordenada por uma organização centralizada com uma direcção eleita, apresentando (segundo Jacques Duclos), como novidades, concepções que não eram mais que velharias a que alguns tentavam, em vão, voltar a dar o brilho da juventude.

Organizados na “Aliança Internacional da Democracia Socialista” os bakuninistas tinham por Marx um ódio que igualmente dedicavam à sua concepção de Partido, e perante nada recuaram para injuriar o Conselho Geral da Primeira Internacional sob a capa da “defesa da unidade”. Tentaram assumir-se como tendência organizada na AIT e, graças ao apoio da imprensa liberal, onde o acolhimento das suas teses estava amplamente assegurado, alimentaram longamente a polémica pública contra o seu Conselho Geral, dando justeza ao velho rifão popular quinhentista: «o abade, donde canta, daí janta»

Foi no Congresso de Haia que se apartaram as águas. Pacientemente, a Primeira Internacional tudo tentara para evitar a fractura. Mas a sistemática acção fraccionária dos activistas da “Aliança Internacional da Democracia Socialista” desenvolvida na Suíça, em Espanha, na Itália, em França e na Rússia atingira um tal ponto que o relatório da comissão de inquérito às actividades dos bakuninistas propõe e o Congresso aprova a sua expulsão da AIT.

Contudo, reduzir o Congresso de Haia à tomada de decisões disciplinares seria profundamente incorrecto. Nele foi deliberado aumentar os poderes do Conselho Geral da AIT e transferir a sua sede para os Estados Unidos (destino anual de mais de meio milhão de trabalhadores europeus). E deste evento ficaria ainda para o futuro do movimento operário uma marca indelével - a resolução sobre o parágrafo 7 dos Estatutos da Primeira Internacional:

Art. 7a – Na sua luta contra o poder colectivo das classes possidentes, o proletariado só pode agir como classe constituindo-se a si próprio em partido político distinto, oposto a todos os antigos partidos formados pelas classes possidentes.

Esta constituição do proletariado em partido político é indispensável para assegurar o triunfo da Revolução social e do seu objectivo supremo: a abolição das classes.

A coalizão das forças operárias, já obtida pela luta económica, deve servir também de alavanca nas mãos desta classe, na sua luta contra o poder político dos seus exploradores.

Servindo-se sempre os senhores da terra e do capital dos seus privilégios políticos para defender e perpetuar os seus monopólios económicos e subjugar o trabalho, a conquista do poder político torna-se o grande dever do proletariado.

Um ano mais tarde, em carta endereçada a August Bebel, Engels lançava um precioso alerta: “Não nos podemos deixar enganar pela gritaria em favor da unidade. Aqueles que mais andam com esta palavra na boca são os maiores fomentadores da discórdia”.

A Primeira Internacional fora suficientemente poderosa para esbater os efeitos e os estragos da acção corrosiva do oportunismo no plano ideológico, no plano político, no plano da organização, e no domínio da luta contra o capitalismo.

Havia bolas de sabão na atmosfera política da época. Mas o sopro do vento da História encarregou-se de desfazê-las.

«O Militante» - N.º 260 Setembro/Outubro de 2002