A Indústria Siderúrgica e
o desenvolvimento sustentável

 

A indústria siderúrgica sempre constituiu um dos alicerces das economias industriais.

Mesmo em tempos de "nova economia", os países mais ricos e desenvolvidos da UE mantêm, defendem e modernizam as suas siderúrgias. Não é o que tem acontecido em Portugal.

O PCP sempre acompanhou com preocupação a devastação deste sector, apresentando ao longo do tempo propostas sérias e credíveis para a defesa do sector e da economia nacional.

O presente artigo, da responsabilidade da Comissão de Indústria da CAE (Comissão para os Assuntos Económicos junto do CC), insere-se nessa linha e nele passam-se em revista algumas das questões mais notórias de tal problemática.

Mesmo que o leitor não tenha prestado especial atenção às notícias, comentários, reportagens, “mesas redondas”, etc., veiculados através de diversos meios de informação escrita e televisiva nos últimos meses a propósito do fecho do alto-forno do Seixal, em Março/2001, é provável, não obstante, que tenha colhido a impressão de que, independentemente da profundidade e rigor da análise do caso oferecida por tais meios, se tem deixado escapar a ideia de que, no mínimo, o evento não é motivo para festa.

E dizemos “no mínimo” porque não é forçado afirmar que o que mais tem transpirado dessas “notícias” é mesmo a expressão de que algo de funesto (isto é, de fúnebre, de enterro) está presente. Ou seja, se o leitor colheu a impressão de que, embora lhe estivessem a relatar um facto que, do ponto de vista técnico, podia em princípio ser tratado com razoável trivialidade – o encerramento de um alto-forno passadas cerca de quatro décadas após o seu arranque, em que beneficiou de quatro grandes reparações – se sentiu induzido a pensar que há um “funeral” no caso, o leitor pode crer que está acompanhado por muitas outras pessoas que colheram sensação semelhante.

Com efeito, embora em geral de forma não assumida, a comunicação social dominante tem deixado segregar a ideia de que o fecho do alto-forno do Seixal equivale ao “funeral” da siderurgia em Portugal. Ora, apesar do encerramento do alto-forno do Seixal, manda o rigor dizer que a siderurgia, enquanto actividade tecnológica, ainda não se extinguiu, já que ainda conta com uma “mini-siderurgia” na Maia, com uma laminagem a frio de chapa no Seixal, ao que acresce, próxima do local do alto-forno encerrado, a instalação em curso dum novo forno eléctrico destinado à produção de aço líquido que, ao menos em parte, poderá substituir o aço antes produzido via alto-forno encerrado. E assim será desde que o novo forno eléctrico arranque e seja industrialmente explorado.

As posições do PCP

Quem tem acompanhado o fundamental da linha do nosso Partido em relação à política industrial para a indústria siderúrgica, estabelecida aliás há já muitos anos e que sempre defendeu o estudo de um “plano siderúrgico nacional” (1) e respectiva concretização, poderá aqui sorrir com a situação criada. A comunicação social dominante, embora de forma não frontal, aceita agora veicular a ideia de que há um “funeral” da indústria siderúrgica em Portugal, fazendo quase que tábua-rasa da realidade objectiva ao menos do ponto de vista tecnológico e, mesmo económico, deixando ao “O Militante” a oportunidade de ser rigoroso até do ponto de vista tecnológico. Mas a ironia da situação é óbvia: quantas e quantas não foram as vezes que, em resposta às denúncias via “Avante!” e “O Militante”, intervenções de deputados na A.R., declarações do secretário-geral, etc., de que a política siderúrgica praticada pelos sucessivos Governos era contrária aos interesses dos portugueses, nacionalmente considerados, a comunicação social dominante, quando não silenciou, relatou mal as posições do PCP, não esquecendo, porém, em tais circunstâncias de amiúde sublinhar os supostos exageros das exigências do PCP, que, alegadamente, continuando prisioneiro de uma visão ultrapassada do desenvolvimento económico, sequer valorizava o facto de que a siderurgia não ia fechar em Portugal. Ora, que a siderurgia, enquanto actividade tecnológica, ainda não fechou, é um facto que nada custa reconhecer. Mas nesta oportunidade, o que nos propomos é questionar a manifesta inflexão que o tom usado pela comunicação social dominante revela a propósito do encerramento do alto-forno do Seixal. Está claro que pomos de lado a hipótese de que, evende dar razão ao PCP quando, como acontece tantas vezes, antes de tempo ou em tempo, se revela manifestamente o acerto do seu diagnóstico, a justeza da política que preconiza? Seria interessante, mas não nos iludamos com esta hipótese.

Na inflexão que vimos observando pesa, e pensamos que em muito, a realidade.

Fosse outra a situação do Mundo, fosse outro o “ambiente” europeu e o interno, em Portugal, outro galo cantaria.

Siderurgia em Portugal versus UE

O ponto é que, se o verniz civilizado da ordem europeia “em construção” ainda se mantém, vem sendo cada vez mais difícil disfarçar o mito da igualdade de oportunidades entre os Estados-membros, de resto desde logo desmentido pela continuada política para o sector si derúrgico, que, se vem conferindo, no plano mundial, lugar de destaque à UE - globalmente exportadora de aço -, não impediu que no seu interior se tivessem cavado desigualdades, nisto se destacando Portugal pela negativa, uma vez que, de entre os países medianamente populosos, é o que lidera na escassez de produção de aço (na ordem de metade do que consome).

O ponto é, apesar de Portugal ter sido alegadamente bafejado pela bondade das políticas ditas modernas de desenvolvimento, com desprezo, entre muitas outras importantes questões, pela importância estratégica da indústria, e dos seus sectores estruturantes, como de resto os principais Estados europeus continuam a considerar a fileira metálica, com destaque para o aço, chega-se a 2000/2001, e “descobre-se” que, afinal, pese embora o crescimento económico havido, Portugal, supostamente “desenvolvido”, vem revelando sérias dificuldades para sequer acompanhar o ritmo de crescimento económico médio comunitário.

Ora, a política governamental portuguesa para a siderurgia, para além de exprimir um alinhamento tolo, para não dizer cego, com a cartilha neoliberal, passou no fundamental pela colocação em marcha duma operação ideológica, em alto estilo, anti-indústria e anti-nacionalização, o que terá servido como uma das moedas de troca para a entrada na então CEE. Porque, está claro, o sector siderúrgico passava então por uma profunda crise a nível comunitário. De que se refez em grande parte, entretanto, cabe explicitar, apesar da pressão introduzida ulteriormente pela procurada extensão da UE ao Leste europeu, e das suas enormes capacidades produtivas siderúrgicas agora desnecessárias do ponto de vista dos produtores ocidentais.

Ao contrário do que anticomunistas chegaram a sugerir, jamais foi linha oficial do PCP considerar que o desenvolvimento da siderurgia constituía uma via indispensável para a instauração do socialismo em Portugal. Outra coisa era considerar o Portugal que o 25 de Abril herdou, as necessidades e as potencialidades do seu desenvolvimento, e o respectivo contexto técnico-económico a nível europeu e mundial. E no que à siderurgia respeitava, o Portugal democrático herdou uma empresa com muitos problemas (escala industrial, localização da fábrica e respectivos acessos, etc.), desde logo porque, no contexto europeu, Portugal entrou tarde, muito tarde, na indústria (2), porque a indústria que tinha havia sido criada em regime do famigerado condicionamento industrial. Mas se a siderurgia de que dispunha tinha, no plano europeu, inegáveis problemas que importava ultrapassar, ela não deixava, no plano interno do país, obviamente em expressão do atraso com que o fascismo brindou o povo português, de constituir das mais valiosas realidades industriais que cabia ao regime democrático preservar e desenvolver. Sendo que o PCP nunca escondeu que, surgida a nacionalização, em face do melindre colocado pelos problemas já então sentidos na indústria, essa medida política constituía uma oportunidade histórica para, do mesmo passo, consolidar a siderurgia que havia e, sobretudo, dela fazer o pólo irradiador de desenvolvimento integrado de inúmeras outras actividades económicas. E a oportunidade era histórica porque não era difícil perceber que, à época, já estava prejudicada a oportunidade de desenvolvimento da siderurgia em Portugal em moldes típicos capitalistas, não por qualquer fatalidade, senão porque há muito havia passado o período concorrencial da indústria ao nível europeu ocidental, avançando já então, e em passos largos, o aprofundamento do oligopólio siderúrgico europeu que a chamada reestruturação siderúrgica comunitária tem permitido.

O PSD na destruição da siderurgia nacional

Não pode, pois, causar estranheza observar que a política seguida pelos sucessivos Governos portugueses, bastante distinta da política perfilhada pelo PCP, não tendo por ora extirpado de todo a actividade siderúrgica em Portugal, conduziu a mesma a um papel residual. Conclusão iniludível aliás para qualquer um desde que em 89, Cavaco Silva era então o primeiro-ministro, foi vendido o novo alto-forno, de um milhão de toneladas anuais, que nunca chegou a ser instalado, para ser mantido o velho alto-forno, encerrado em 2001, que jamais chegou a produzir meio milhão de toneladas anuais; ou seja, se o encerramento do alto-forno em 2001 é um símbolo, em boa verdade é apenas mais um símbolo de uma política iniciada muito antes. De passagem, notemos ainda que o papel residual da actual siderurgia pode, mesmo a este nível, terminar, se os actuais donos - estrangeiros e europeus, está bem de ver - da siderurgia em Portugal lograrem melhores condições políticas para moldarem a actividade em total concordância com os seus interesses. Interesses de grupos capitalistas membros de um oligopólio, cabe lembrar.

Daqui que, no quadro da economia mista que preconizamos, há sectores que têm de beneficiar de uma forte intervenção estatal, sob pena de o livre jogo das chamadas forças do mercado lhe criarem grandes entorses ao seu desenvolvimento, quando pura e simplesmente não os extinguem. Não se trata de uma opção ideológica do PCP. Trata-se de um mero problema da dinâmica do sistema capitalista, que convém estudar e entender, mesmo por parte dos que, não querendo contribuir para a superação do sistema, têm preocupações com o bem-estar material e espiritual do povo.

Mais depressa do que muitos admitiram, a realidade parece vir provar quão justa tem sido a linha do PCP em relação à indústria siderúrgica. A aludida inflexão da comunicação social é facilmente entendível não como o anúncio de um funeral que, objectivamente, ainda não se consumou, mas como o reflexo de que falta algo na actual situação da economia portuguesa. Falta obviamente uma siderurgia que, além do aço que devia fornecer a muitos outros sectores, e que esta não fornece, seja um centro nevrálgico de desenvolvimento técnico, económico, científico, afinal social, em favor dos portugueses. Com o papel que lhe cabe no desenvolvimento sustentável da economia portuguesa. Sendo que o que aquela inflexão não deixa de configurar é que já não são só os comunistas a perceber que essa siderurgia perspectivada, não fácil de realizar é certo, pelos contornos exigentes de que se tem de revestir, mas indispensável à satisfação das necessidades de desenvolvimento sustentável dos portugueses, não é susceptível de ser realizada no quadro das chamadas forças livres do mercado. Forças livres que, bem vistas as coisas, há muito deixaram de existir neste mercado.

Não estamos contra o mercado, e não esquecemos os erros cometidos noutras experiências com a menorização do papel que cabe a tão eficaz mecanismo de regulação económica, de resto bem aproveitado pelo capitalismo na sua fase concorrencial. Só que, além de não o sacralizarmos, não acreditamos que seja possível resolver os cada vez mais complexos problemas económicos e sociais sem a adequada intervenção estatal. Como o exemplo da siderurgia o vem mostrando exuberantemente.

(1) Com a expressão "plano siderúrgico nacional" não nos referimos em concreto a esta ou aquela versão dos chamados "planos" de reestruturação siderúrgica que, no papel, foram vendo a luz do dia no período democrático até se cair na actual situação. Com "plano siderúrgico nacional" queremos significar que a componente siderúrgica da estratégia de desenvolvimento económico tinha de merecer planificação no tempo e tinha de revestir carácter nacional, em face das múltiplas ligações que esta actividade produtiva pode (ou devia...) potenciar quer a montante quer a jusante.

(2) Realmente, para não falar em um século, com o atraso de muitas décadas...

 

«O Militante» - N.º 257 - Março/ Abril de 2002