A Comuna de Paris:
130º aniversário do "assalto ao céu"

 

Quando em 28 de Março de 1871, na Praça do Município em Paris, foi proclamada a Comuna, o proletariado francês, com este gesto, escrevia uma das páginas mais gloriosas da história mundial.

“Lançaram-se ao assalto do céu”, foi a imagem encontrada por Marx ao referir-se a esse feito audacioso nascido, segundo expressão de Engels, da Internacional.

Foi breve a existência da Comuna. Durou apenas 72 dias essa epopeia dos operários parisienses. Mas foi tal o alcance dos seus objectivos e das suas realizações, a par, também, é certo, de muitos erros, que Marx e Engels, que a acompanharam de perto e, mais tarde Lénine, não hesitaram em aprofundar a análise tanto dos aspectos positivos como negativos da Comuna e em trazer à luz do dia os seus ensinamentos para o enriquecimento e desenvolvimento do seu trabalho teórico.

Particularmente valorizado por Marx, Engels e Lénine foi o contributo dado pela expeiência da Comuna à questão do poder político, à questão do Estado. A Comuna, segundo eles, pela sua natureza de classe surgiu na história como Estado “de um tipo novo”, como exemplo de uma forma nova e desconhecida de democracia com o seu primeiro governo operário autenticamente popular.

Sobre a Comuna diria Marx, nessa altura:

“A história mundial seria, aliás, muito fácil de fazer se a luta fosse empreendida apenas sob a condição de probabilidades infalivelmente favoráveis”.

“Com a Comuna de Paris, a luta da classe operária com os capitalistas e o seu Estado entou numa nova fase. Corra a coisa como correr no imediato, está ganho um novo ponto de partida de importância histórico-mundial”. (1)

“Porque é que o proletariado, não somente o francês, mas o de todo o mundo, honra nos homens da Comuna de Paris os seus precursores? Qual é a herança da Comuna?”

Respondendo a estas questões, que ele próprio formulara, Lénine, assinalando o 40º aniversário da proclamação da Comuna, publica em Abril de 1911, na “Rabotchaya Gazeta”, um artigo de que transcrevemos alguns extractos: (2)

“A Comuna surgiu espontaneamente, ninguém a preparou consciente e metodicamente” - escreve Lénine. “A guerra infeliz com a Alemanha; os sofrimentos do cerco; o desemprego do proletariado e a ruína da pequena burguesia; a indignação das massas contra as classes superiores e as autoridades que haviam dado provas de uma incapacidade absoluta; uma surda efervescência no seio da classe operária, descontente com a sua situação e ansiosa de um novo regime social; a composição reaccionária da Assembleia Nacional, que fazia temer pelos destinos da República, todos estes factores, e muitos outros, se conjugavam para impelir a população de Paris à revolução do 18 de Março, que pôs inesperadamente o poder nas mãos da Guarda Nacional, da classe operária e da pequena burguesia que se colocara a seu lado”.

“Foi um acontecimento histórico sem precedentes. Até então, o poder estava, geralmente, nas mãos dos latifundiários e dos capitalistas, isto é, dos seus homens de condiança, os quais constituiam o chamado governo.

Depois da revolução do 18 de Março, quando o governo do sr. Thiers fugiu de Paris com as suas tropas, a sua polícia e os seus funcionários, o povo ficou dono da situação e o poder passou para as mãos do proletariado”.

“A princípio foi um movimento extremamente heterogéneo e confuso” - escreve Lénine. “A ele aderiram também os patriotas, na esperança de que a Comuna retomasse a guerra contra os alemães e a levasse a bom termo. Apoiaram-no igualmente os pequenos comerciantes, ameaçados pela ruína se o pagamento das letras vencidas e das rendas não fosse suspenso (o que o governo lhes recusara e a Comuna lhes concedeu). Por último, também os republicanos simpatizaram de início, em parte, com ele, temendo que a reaccionária Assembleia Nacional (os “rurais”, os implacáveis latifundiários) restabelecesse a monarquia. Contudo, o papel fundamental no movimento foi, naturalmente, desempenhado pelos operários (sobretudo pelos artesãos parisienses), entre os quais se tinha realizado, nos últimos anos do Segundo Império, uma intensa propaganda socialista, estando inclusivamente muitos deles filiados na Internacional.”

Referindo-se às medidas que em tão curto espaço de tempo a Comuna adoptou, Lénine, no artigo que estamos a referir, destaca:

“... substituíu o exército permanente, instrumento cego das classes dominantes, pelo armamento geral do povo; proclamou a separação da Igreja do Estado; suprimiu a subvenção do culto (ou seja, a manutenção dos padres pelo Estado) e deu um carácter estritamente laico à instrução pública...”

“No domínio puramente social não conseguiu fazer muito, mas esse pouco mostra com suficiente clareza o seu carácter de governo operário, popular: o trabalho nocturno nas padarias foi abolido; o sistema de multas, esse roubo legalizado dos trabalhadores, foi abolido; finalmente a Comuna promulgou o famoso decreto pelo qual todas as fábricas e oficinas abandonadas ou paralizadas pelos seus proprietários eram entregues às cooperativas operárias, a fim de se renovar a produção. E como para sublinhar o seu carácter de governo autenticamente democrático, proletário, a Comuna decidiu que a remuneração de todos os funcionários da administração e do governo não fosse superior ao salário normal de um operário...”

“Todas estas medidas - sublinha Lénine - mostravam claramente que a Comuna constituía uma ameaça mortal para o velho mundo, fundado na sujeição e na exploração. Essa a razão por que a sociedade burguesa não podia dormir tranquilamente, enquanto a bandeira vermelha do proletariado flutuasse na Câmara Municipal de Paris”.

Sobre a derrota da Comuna pela burguesia reaccionária, Lénine escreve:

“Abandonada pelos seus aliados da véspera e sem contar com nenhum apoio, a Comuna tinha inelutavelmente de sofrer uma derrota. Toda a burguesia francesa, todos os latifundiários, bolsistas e fabricantes, todos os grandes e pequenos ladrões, todos os exploradores se uniram contra ela.”

“Só os operários permaneceram fiéis à Comuna até ao fim. Os republicanos burgueses e a pequena burguesia desligaram-se bem cedo: uns, assustados com o carácter proletário, socialista e revolucionário do movimento; outros, quando a viram condenada a uma derrota certa. Apenas os proletários franceses apoiaram sem medo e sem desânimo o seu governo, só eles combateram e morreram por ele...”

“Cerca de 30.000 parisienses foram massacrados por uma soldadesca desenfreada; perto de 45.000 foram presos, sendo muitos deles depois executados e milhares desterrados ou enviados para trabalhos forçados. No total, Paris perdeu cerca de 100.000 dos seus filhos e entre eles os melhores operários de todas as profissões.”

Referindo-se às várias causas que estiveram na origem da derrota da Comuna, Lénine destaca a falta de preparação e experiência da classe operária e a inexistência de um partido: “... não havia um partido operário...”, “não havia uma séria organização política do proletariado, nem fortes sindicatos, nem grandes cooperativas...”.

A magnífica experiência da Comuna, as suas realizações e o heroísmo dos comunardos não foram em vão.

“Uns seis anos volvidos sobre o esmagamento da Comuna - escreve Lénine já na parte final do seu artigo -, quando muitos dos seus defensores definhavam ainda no presídio ou no exílio, renascia em França o movimento operário”. “E três ou quatro anos mais tarde, um novo partido operário e a agitação que ele desencadeara no país, obrigaram as classes dominantes a pôr em liberdade os comunardos que o governo mantinha presos.”

“... a Comuna é amada onde quer que o proletariado sofre e luta. O quadro da sua vida e da sua morte, a imagem do governo operário que conquistou e reteve durante mais de dois meses a capital do mundo, o espectáculo da luta heróica do proletariado e dos seus sofrimentos após a derrota - tudo isto levantou o moral de milhões de operários, fez renascer as suas esperanças e ganhou para o socialismo as suas simpatias”.

“Por isso a obra da Comuna não morreu; ela continua hoje viva em cada um de nós”. “A causa da Comuna é a causa da revolução social, é a causa da total emancipação política e económica dos trabalhadores, é a causa do proletariado mundial. E neste sentido é imortal.”

Notas:

(1) Carta de K. Marx a L. Kulgelman, 17 de Abril de 1871 - Obras Escolhidas de K. Marx e F. Engels (em três tomos), Tomo II, Edições Avante!, págs. 458 e 459.

(2) Este artigo, intitulado “À memória da Comuna”, está contido no livro “A Comuna de Paris”, de V. I. Lénine, Coleção Pequena Biblioteca Lénine, Edições Avante!, págs. 69 a 74.

«O Militante» - N.º 251 - Março/Abril 2001