Grandes acontecimentos do século
4. As forças produtivas
transformadas e transformadoras



Doutor em Economia

Com toda a pertinência, o camarada Francisco da Silva, começou, na sua excelente contribuição para esta série sobre “os grandes acontecimentos do século” (1), por clarificar alguns conceitos através de precisões sobre a terminologia. Também sobre as forças produtivas nos parece ser tal metodologia indispensável em nome do rigor.
As forças produtivas sociais são o conjunto de meios, de capacidades de todo o tipo de que dispõe a sociedade para produzir, isto é, para transformar a natureza a fim de a utilizar para a colocar ao serviço da satisfação das necessidades sociais.
Foi Marx que designou por forças produtivas a maneira e os meios empregues pelo ser humano no processo de produção, assim como a própria formação do homem enquanto recurso (humano) para participar nesse processo. Compreendem os meios de trabalho e os seres humanos que, trabalhando, ou seja, empregando a sua força de trabalho, os utilizam graças a uma determinada experiência e competências e a hábitos e métodos de trabalho ligados a um dado estádio da ciência e da técnica.
Os meios de trabalho, os métodos de produção, os níveis da ciência e da técnica formam o que se pode chamar as forças produtivas materiais. Mas é a força de trabalho que possibilita pôr em acção as forças produtivas materiais, pelo que é o elemento activo da produção uma vez que é ela que põe em movimento a componente essencial das forças produtivas materiais cuja acção vai transformar os objectos de trabalho em valores de uso.

O elemento mais móvel da produção

As forças produtivas têm, sempre, um carácter social e esse carácter social tende a aumentar à medida que cresce a so-cialização do trabalho. As forças produtivas estão estreitamente ligadas às relações de produção e, assim, tomam formas específicas em cada um dos seus modos de produção. O par essencial destes modos de produção é o par meios de produção/força de trabalho. Um, os meios de produção, exprimindo as condições de trabalho, o outro, a força de trabalho, o trabalho despendido sob uma forma determinada.
São as forças produtivas o elemento mais móvel da produção, aquele que muda permanentemente, pelo que constituem o factor mais activo do desenvolvimento económico. Num certo estádio do seu desenvolvimento, as forças produtivas entram em contradição com as relações de produção existentes e essa fricção ou conflito leva a modificações nas relações de produção que, em determinados momentos, provoca transformações profundas nas relações de produção concretizando revoluções sociais.
Na fase moderna do capitalismo, a que a designação de ca-pitalismo monopolista de Estado (2) dá expressão, o grau de socialização é tal que torna possível a eliminação da separação do trabalho manual do trabalho intelectual, nascida na época da manufactura.
Trata-se, no entanto, apenas de uma tendência porque esta eliminação, para se tornar efectiva e geral, exige a transformação das relações de produção.

Meios complementares e auxiliares da força de trabalho

Tendo começado por servir-se do seu corpo, da sua força de trabalho, como exclusiva força produtiva, o ser humano foi capaz de prolongar e de fortalecer o seu corpo - com o ramo da árvore a prolongar o braço, com a pedra a chegar onde o punho não alcançava - e os instrumentos ou meios de trabalho foram sendo criados e progressivamente melhorados, formando com a força de trabalho a que serviam de complemento - também ela se valorizando - e com os objectos de trabalho, as forças produtivas.
Não pode o facto dos meios de trabalho terem vindo a ganhar importância crescente no processo produtivo fazer esquecer a sua origem e a sua função: nasceram e existem para complementar e auxiliar a força de trabalho.
A evolução tecnológica, o complexo sociológico C&T, contribuiu decisivamente para essa importância crescente dos meios de produção no processo produtivo mas é evidente, deveria sê-lo ou, pelo menos, não escamoteado, que os meios de produção modernos são os “herdeiros” do tronco e da pedra que prolongam o corpo humano e são produtos do trabalho vivo, isto é, são o resultado do trabalho, do que é produzido pelo homem com as suas mãos e a sua inteligência.
No entanto, o progresso tecnológico é, ele próprio, uma apli-cação do progresso científico, e é condição para o progresso económico e social. Cada descoberta científica, e as suas aplicações na produção, alargam a base sobre que assentam novos e maiores progressos. E se as descobertas ou contribuições científicas são cada vez mais frequentes e rápidas, porque benefiam das descobertas anteriores que lhes abriram caminhos, as suas aplicações - o progresso tecnológico - são cada vez mais directas ou até imediatas (no sentido temporal).

Progresso tecnológico e progresso social

Não existe qualquer incompatibilidade entre progresso tecnológico e progresso social. Bem pelo contrário, embora o modo social como está organizada a produção no capitalismo, e mais concretamente no capitalismo actual, possam induzir essa incompatibilidade. Tal acontece porque, mais do que no passado, a inovação é promovida e apropriada pelos detentores dos meios de produção, sobretudo sob a forma de meios financeiros, e estes colocam-na ao seu serviço, dos seus interesses egoístas e contra os interesses da maioria da Humanidade, contra os trabalhado-res, contrariando a sua característica de património de todos.
Em termos teóricos, eliminando as sujeições do ser humano à natureza, as descobertas da ciência e as suas aplicações na produção aliviam o esforço do trabalho, ao mesmo tempo que satisfazem outras necessidades sociais. Reciprocamente, a satisfação das necessidades, a redução do tempo de trabalho (vivo) necessário para a produção e também os aumentos salariais possíveis, incitariam os homens a procurar os meios que tornariam o processo produtivo mais eficaz - mais produtivo e mais respeitador da natureza -, através do progresso tecnológico.

A segunda Guerra Mundial, arranque, trampolim, empurrão

No período histórico contemporâneo existem condições tecnológicas profundamente influentes no processo produtivo e elas podem encontrar o seu ponto de arranque (ou melhor: o seu trampolim pois vinham de trás e aí “saltaram”) no esforço provocado pela segunda Guerra Mundial, de 1939-45 (3). Se essas condições consubstanciam o que deva ser chamado revolução científica e técnica é questão que não aprofundaremos, embora a ela nos devamos ter de referir mais de uma vez.
Que traços permitem dizer que da guerra (ou do pós-guerra) resultaram condições tecnológicas novas que justifiquem a referência a “salto qualitativo” - que, por sua vez, justificará a terminologia revolucionária... - marcando o desenvolvimento das forças produtivas? Que características comuns e também que características particulares relativamente à “revolução industrial” do começo do século XIX, se podem identificar e como podem elas ajudar-nos no arrolamento dos grandes acontecimentos do século no que respeita à evolução das forças produtivas?
É significativo lembrar (4) que Napoleão se transportava com a mesma lentidão que César mas que Kruchtchev e Kennedy souberam e quiseram decidir a propulsão de objectos e de seres vivos no espaço extra-terrestre e que este “salto” (qualitativo?) teve o seu arranque no início do século XX e o empurrão decisivo durante a segunda Guerra Mundial.

Características essenciais

Antes de referências concretas aos “grandes acontecimentos do século” no que respeita à evolução das forças produtivas, ainda sublinharíamos dois aspectos que se estimam imprescindíveis.
Com o aparecimento e a evolução de novas condições de desenvolvimento tecnológico podem identificar-se três características fundamentais para a definição do que particulariza - em relação à “revolução industrial” do séc. XIX - essas novas condições e o que promoveram, numa relação dialéctica:
i) importância cada vez maior da ciência
ii) diminuição da diferença entre investigação fundamental e investigação aplicada;
iii) transformações no seio do processo de trabalho so-cial e no seio do processo de produção social.

A tendência para maior diferenciação entre processo de trabalho social e processo de produção social, integrando este o primeiro e dele estando dependente, junta-se a outras e motiva aparentes contradições. Por um lado, é exigida uma maior qualificação da força de trabalho a ser integrada no processo de produção social; por outro lado, verifica-se uma maior desvalorização do trabalho enquanto tal.

Qualificação e desvalorização da força de trabalho como força produtiva

A “cientificação” da indústria (5) (e também, nalguns casos, da agricultura), a industrialização da ciência, a colectivização de funções de coordenação e de direcção no processo de produção social, exigem, na verdade, a integração de um número crescente de trabalhadores altamente qualificados e de especialistas, bem como levam ao crescimento acelerado da “investigação-desenvolvimento” (ou C&T) igualmente exigente em trabalho vivo de alta qualificação.
Por outro lado, há como que uma banalização e um parcelamento do processo produtivo - em tarefas de simples execução, de montagem, de acabamentos - de que resulta a procura e utilização de massas de trabalhadores não-qualificados, como se fosse o homem o complemento, e não mais, de “máquinas criadoras”. A concretização desta desqualificação do trabalho (vivo) verifica-se através, primeiro de imigrações maciças para o “centro” e, depois, através da mobilidade predominante dos meios de produção e do capital, com deslocações (e deslocalizações) de “sequências de produção”, só possíveis nas novas condições tecnológicas e vindo ao encontro de condições de emprego da força de trabalho favoráveis aos objectivos do processo de produção.
Por outro lado, as novas condições tecnológicas exigem uma extensão acrescida dos mercados onde se produzam e onde se distribuam as mercadorias, convergindo no que se pode chamar a transnacionalização do capital - sobretudo financeiro - para o que a possibilidade de deslocação de “sequências de produção” é factor determinante.
Desta forma, a C&T contribuíram e contribuem, de forma decisiva - e decisivamente - para a internacionalização da actividade económica e para a necessidade desta ser encarada em termos de sistema e a uma dimensão ou escala mundial.

Trabalhador colectivo e mediatização do saber para força produtiva

A mudança tecnológica, ou as mudanças por via da aplicação tecnológica da ciência, determinam a evolução das forças produtivas e transformam o trabalhador individual, isolado, em trabalhador colectivo, promovendo a divisão so- cial do trabalho em todas as suas expressões no espaço. O aparecimento do trabalhador colectivo (6) deriva dessa(s) evolução(ões).
A importância da ciência, e das suas aplicações tecnológicas, vai sendo cada vez mais influente. O processo de produção social é revolucionado pelas necessidades sociais e pela necessidade de um saber novo, de soluções técnicas novas para os problemas novos levantados pelo desenvolvimento social. É através da prática social que a sociedade é o motor “revolução” científica e técnica, só assim se podendo falar da unidade dialéctica da ciência e da prática, da sua interpenetração e do carácter convencional das fronteiras que as separam: o saber científico materializa-se na produção, através da transformação da ciência em aplicação tecnológica, mediatizada pela força de trabalho, fazendo, como dizia Marx, do processo de trabalho, processo científico.
No entanto, há que, em todo o rigor colocar reservas à interpretação de que a ciência se tenha tornado uma força produtiva imediata (ou directa). Nagels, com base nos textos em alemão, sublinha que em momento algum Marx o tenha afirmado embora algumas traduções o escrevam. Teria, sim, escrito que o saber social se transforma em força produtiva quando se materializa em capital fixo.
Pode parecer questão de pouca relevância, ou até de excessivo e dispensável rigor, mas o facto é que o termo ime-diato, em português, tanto pode ter um sentido temporal como de ausência de mediação e, não obstante a aplicação da ciência, “transformando-a” em força produtiva, ser cada vez mais imediata no sentido temporal, essa aplicação não dispensa uma mediação na materialização do saber, uma mediação entre a ciência e a força produtiva, ou seja, a intervenção (mediatizadora) da força de trabalho. Que, aliás, também só é força produtiva real quando se insere no processo produtivo.

Ao serviço da humanidade ou de quem dispõe de capital...

O homem, nesta fase do processo histórico, entrou na posse de meios e de capacidades que ultrapassam em muito
as suas próprias capacidades físicas e competências enquanto força produtiva. O critério de avaliação social da utilização das descobertas científicas e das aplicações tecnológicas, transformadas em forças produtivas, passa a ter de ter como fronteira o que separa a sua utilização humana, ao serviço da satisfação das necessidades sociais, de hoje e do futuro, e a sua utilização desumanizada, egoísta.
A dimensão humana é substituída, muitas vezes, por uma dimensão “económica”, mais financeira que económica, com expressão na procura de satisfação das necessidades não sociais mas da produção e da acumulação de capital. Então, a tessitura complexa e delicada da existência humana é reduzida à malha grosseira de relações de valores de troca. Assim se foge, através da mistificação da neutralidade do desenvolvimento científico, das suas aplicações tecnológicas, da evolução das forças produtivas, à análise sistemática da correlação entre a investigação e as descobertas científicas e as necessidades humanas, no sentido de colocar as ciências, as “técnicas”, as forças produtivas ao serviço destas não das da produção e acumulação de capital financeiro.
A evolução das forças produtivas verificada ao longo do século XX ilustra, pelo que foi e pelo que se procura esconder, este caminho.

Os grandes acontecimentos - 1

No que respeita à evolução das forças produtivas, como em relação a outros domínios, os grandes acontecimentos do século XX começaram no século XIX... para não se recuar mais e ir até à “revolução industrial”.
Numa discutível divisão temporal, pode marcar-se um período entre 1880 e a segunda Guerra Mundial, em que se releva a expansão do capitalismo monopolista a todo o planeta, por via do colonialismo primeira-maneira, sendo da maior oportunidade a edição e o estudo do livro de Lénine O imperialismo - fase superior do capitalismo (7).
A transformação em forças produtivas do motor a gasolina de Daimler (1883), da turbina a vapor (1884) e do motor a Diesel são grandes acontecimentos, assim como o são, ainda antes da mudança de século, a cinematografia por via dos irmãos Lumière e a telegrafia sem fios por Marconi (1896).
Essas descobertas criam, na sua transformação em forças produtivas, o terceiro motor universal e a aceleração da utilização do vapor, depois, da electricidade, e também originam um salto nas comunicações. Aparecem fábricas de grande dimensão, é o começo do movimento de concentração de empresas formando monopólios e de centralização do capital.
Já depois de 1900 aparecem as ferramentas e os utensí-lios de aço de corte rápido e em 1903 realizam-se os primeiros voos com os irmãos Wright e aparecem as turbinas Kaplan.
A aplicação das novas tecnologias manifesta-se muito particularmente na evolução dos meios de transporte, com grande importância nos ferroviários, quer de passageiros, quer de mercadorias. Os transportes rodoviários e aéreos começam a percorrer o que virá a ser o seu caminho.
No que respeita à organização do trabalho, começa a ensaiar-se a organização científica do trabalho (taylorismo) e, depois, o trabalho em cadeia (fordismo).
A primeira Guerra Mundial (1914-18) e a revolução de Outubro são expressões dessas mudanças e, no caso da revolução soviética, de uma nova etapa na luta de classes.
Na sequência da telegrafia sem fios, os grande acontecimentos assinaláveis no domínio das forças produtivas, após o termo da guerra, são no âmbito das telecomunicações, com a radiodifusão (1920) e a radiotelevisão (1927) e, mais tarde, o radar (1935).
Observa-se um significativo crescimento económico que vai dar lugar à grande crise de 1929-33, manifestação evidente das contradições do capitalismo e da sua financeirização, que Lenine previu e denunciou.
Ainda antes da guerra há a registar o aparecimento das fibras sintéticas que provocaram uma grande transformação no sector com o advento da era do nylon.

Os grandes acontecimentos - 2

A segunda Grande Guerra veio ser o trampolim para grandes transformações, que Francisco da Silva trata no artigo já referido e que se procura não repetir mas tão só acrescentar algumas referências na perspectiva das forças produtivas, sublinhando a importância da fusão nuclear, particularmente no que respeita à produção de energia, factor essencial no processo produtivo, concretizado no aparecimento da primeira central atómica industrial no Reino Unido (1956).
É na sequência dessas descobertas que se observam as primeiras aplicações da automação e da cibernética e, como se salientou, o “salto” para o espaço com o primeiro satélite artificial (URSS-1957), início da era espacial representando o culminar de uma transformação nos transportes não havendo espaço em que não sejam possíveis.
São os primórdios da “revolução científica e técnica”, internacionalização das relações económicas e começo de processos de integração de espaços económicos, aparecimento do fenómeno do multinacionalismo empresarial e estimou-se ser também o início da crise estrutural do capitalismo ou, no mínimo, da sua fase de capitalismo monopolista de Estado.
As duas últimas décadas do século, os anos 80 e 90, foram de recuperação do capitalismo, de resistência e vitórias de certo modo surpreendentes da luta de classes, num quadro de imposição de mecanismos neo e ultraliberais, aproveitando fraquezas, concessões, fragilidades e traições.
Foi, e ainda não teria terminado, o período do refluxo das nacionalizações e da afirmação dos serviços públicos como modo de satisfazer as necessidades sociais aproveitando as forças produtivas em fase de potencial salto qualitativo, num caminho de socialização.
As privatizações representaram, e representam, a venda de empresas públicas e de serviços públicos em que se organizava a utilização e a promoção das forças produtivas. Foi no começo dos anos 80 que as transnacionais, conscientes da gravidade da crise e à beira de um agravamento da guerra concorrencial, colocaram o objectivo da conquista dos sectores e serviços públicos.
A “explosão” das telecomunicações, a sociedade de informação

No que respeita às forças produtivas, o alvo do processo de recuperação e conquista não foi ao acaso. Esse processo apostou particularmente na área das telecomunicações. E se o começo do século - antes mesmo dele ter começado - teve, entre os grandes acontecimentos, as áreas dos transportes e das telecomunicações, o final do século é de grande desenvolvimento na área das telecomunicações construindo... auto-estradas de informação.
Dos três vectores ou direcções estratégicas em que se desenvolveu o complexo C&T - física quântica, biologia nuclear e informática - o cruzamento da informática com as telecomunicações será aquele que melhor ilustrará a unidade dialéctica com as forças produtivas. Há um aproveitamento do complexo C&T, enquanto fonte de forças produtivas, no sentido de articularem o telefone, a televisão e a informática, e a evidente explosão das telecomunicações até nos nossos quotidianos o exprime com toda uma alteração de maneiras de estar com os outros.
O camarada Francisco da Silva (7) chama a esse cruzamento e articulação “a convergência ‘explosiva’ das tecnologias da comunicação e da informação”. Para essa convergência “foi necessário primeiro que a tecnologia digital se tornasse na plataforma comum a toda esta nova grande área” dando lugar às auto-estradas e à sociedade da informação.
Os grandes acontecimentos do séc. XX que o possibilitaram foram a invenção da rádio e da televisão e a evolução das telecomunicações, que já se referiram, e que na parte final do século levaram às tecnologias analógicas, que tiveram os seus primórdios no trabalho científico da empresa norte-americana Bell, no final dos anos 40, quando também foi inventado o transistor.

A “Nova Economia”

No último quartel do século, foi rápido o caminho, sobretudo após o surto de privatizações neoliberais, até ao que se pretende que seja a “Nova Economia”. Esse surto de privatizações, espreitando e promovendo os “negócios do futuro”, desmantelando serviços públicos, centralizando e concentrando capitais financeiros com o pretexto de acabar com os monopólios... do Estado, cor respondeu à apropriação de forças produtivas novas e inovadoras.
O desenvolvimento e a nova configuração das forças produtivas e do seu aproveitamento, aumentaram significativamente a riqueza da Humanidade, porque cresceu o domínio do ser humano sobre a natureza a que pertence, mas, ao mesmo tempo, agravou as desigualdades sociais e as assimetrias regionais.
Desde meados dos anos 70, o desemprego (da força produtiva força de trabalho) passou a ser privilegiada variável estratégica do capitalismo e levou à precariedade e à exclusão social.
O desequilíbrio entre um aparente crescimento do nível de vida das populações (que as médias estatísticas comprovariam) e o alargamento do espectro das situações sociais, desde os incomensuravelmente ricos (pelo domínio financeiro sobre as forças produtivas) aos pobres e desprovidos. E é preciso sublinhar que ser pobre ou desprovido hoje, no ano 2000, é diferente do que era ser pobre ou desprovido em 1970.
A quantificação e medida (por via de normativos) das necessidades mínimas que representariam o limiar da pobreza em 1970 incluía, por agregado familiar, um rádio transistor que era suposto ter a duração de (e ser amortizado) em 30 anos (8). Passados estes 30 anos, esse limiar de pobreza incluirá (deverá incluir) um aparelho de televisão a cores e um computador ligado à internet...

A evolução das forças produtivas assim o permite. E assim o exige. As relações sociais de produção impedem--no ou travam-no. Largas camadas da população estão excluídas desses novos mínimos e não há acções de propaganda e de “charme” que alterem essa realidade e evite o risco da info-exclusão.

Observação final

Este trabalho tinha muitas maneiras de ser concretizado. Razões várias e opções ligadas a essas razões levaram a que assim tivesse saído. Com a consciência de que a abordagem dos acontecimentos do século XX, no que se refere à evolução das forças produtivas, poderia ser bem diferente.
Sem fazer resumos ou tirar conclusões, deixaria uma observação final para sublinhar que, no século XX, se verificou uma evolução verdadeiramente impressionante no que respeita ao domínio do Homem sobre a natureza, que a socialização das forças produtivas foi - e é - um facto. Mas que as relações de produção não se adequaram a esse desenvolvimento das forças produtivas, embora tivesse havido experiências da maior importância que erros próprios e fragilidades perante o inimigo
(de classe) não apagam, até porque muito contribuíram para a evolução das forças produtivas no século que termina este ano.
A grande questão parece ser o que nos dará o século XXI. Com a convicção que este desajuste entre as forças produtivas e as relações de produção provocará inevitáveis e profundas transformações sociais, a pergunta repete-se: Que fazer?


Notas:

(1) A Ciência e a Tecnologia no século XX, in O Militante nº 246 de Maio-Junho de 2000.
(2) Embora, em todo o rigor, esta expressão justifique reservas e explicitações para que não será este o tempo e o espaço oportunos.
(3) Escrevia Francisco da Silva, no artigo citado: “É costume localizar o começo desta nova fase “revolucionária” da C&T algures após a segunda Guerra Mundial e como tendo sido,
de certo modo, tributária do empurrão dado pelas actividades da guerra”.
(4) Como o faz F. Blanchard na introdução a Le Travail dans le monde, B.I.T., 1984.
(5) Sobre esta temática, de novo se remete para o trabalho de Francisco Silva em O Militante nº 246, não se deixando aqui mais que refrências de outras fontes julgadas oportunas.
(6) É sobretudo a partir de J. Nagels, e particularmente em Trabalho colectivo e trabalho produtivo na evolução do pensamento económico, Prelo Editora, 1975 e 1979, que se referem estes conceitos.
(7) Acabado de editar por Edições Avante!, por ocasião do 130º aniversário do nascimento de Lénine.
(8) Artigo citado.
(9) Há uma publicação do Ministério do Trabalho, de 1976, que recupera um estudo feito em Dezembro de 69, e metido na clandestinidade de uma gaveta do fascismo, que calculava qual o nível das necessidades mínimas de uma família portuguesa para efeito de se determinar um eventual futuro salário mínimo, cujos dados têm o maior interesse e curiosidade - Problemática do salário mínimo (ensaio elaborado em Dez./69), Gabinete de Estudos e Planeamento - Ministério do Trabalho - série “Estudos”, nº 33.

«O Militante» - N.º 247 - Julho/Agosto 2000