A extrema-direita e as suas raizes |
Membro da Secção Internacional
do PCP
Há 55 anos o Exército Vermelho derrotava definitivamente a
Alemanha nazi e punha assim termo a uma guerra que só na Europa causou
a morte a 40 milhões de seres humanos, destruiu países e arrasou
sistemas produtivos. Em 1945 libertava-se o mundo do mais horrível
e vergonhoso poder na história da humanidade no século XX, o
nazi-fascismo.
Há 55 anos a Alemanha nazi assinava a capitulação. Hitler
e tudo aquilo que personificava era derrotado.
A vitória do Aliados na 2ª Grande Guerra e a criação
da Organização das Nações Unidas correspondiam
à vontade expressa dos povos de pôr termo às ideologias
e aos regimes ditatoriais fascistas.
No entanto a evolução ulterior provou que essa vontade não
se concretizou plenamente. Em dois países da Europa continuavam duas
ditaduras fascistas, em Portugal com Salazar e em Espanha com Franco. Ditaduras
estas que se prolongaram com a complacência e mesmo o apoio de Estados
ocidentais ditos democráticos e da NATO.
Ainda na Europa, na década de 60, os militares gregos através
de um golpe de Estado instauram uma ditadura fascista naquele país,
da qual só viria a ser libertado muito mais tarde. Só na década
de 70, com a queda destes três regimes, a Europa se viu finalmente libertada
do fascismo. Uma vitória importante que se ficou a dever, em todas
as fases de resistência, a um amplo, intenso e corajoso movimento antifascista
em toda a Europa e à luta dura dos trabalhadores e dos povos que sofriam
com as ditaduras fascistas contando sempre a contribuição fundamental
dos vários Partidos Comunistas na Europa.
A derrota do fascismo foi muito grande mas as suas sementes subsistem.
Alguns exemplos da Europa
Na actualidade, o caso da Áustria, com o FPÖ no Governo e com
as declarações de Haider, é apenas um dos exemplos que
podemos encontrar na Europa.
Na Itália, a coligação de direita-extrema-direita, que
integra a Aliança Nacional de Fini, a Liga Norte de Umberto Bossi e
a Forza Italia do milionário Berlusconi, ganhou em Abril as eleições
regionais com 54,1% e a região de Lazio (região onde se encontra
Roma) passa a ser dirigida pela Aliança Nacional. E abrem-se perspectivas
perigosas de uma vitória desta coligação nas próximas
eleições nacionais.
Na Suíça, após as eleições de Ou tubro
de 99, a extrema-direita - Partido do Povo Suíço (SVP) - obtém
23% dos votos. Na Dinamarca, o Partido Popular Dinamarquês (DF) obteve
7,4% dos votos nas eleições legislativas de Março/98,
conseguindo assim uma representação parlamentar de 13 deputados
(em 179). As últimas sondagens atribuíam ao DF entre 15 e 18%
passando, assim, a terceira força política no país.
Na Alemanha, o REP (os republicanos) conseguiu 10,8% no Estado
de Baden-Württemberg nas eleições regionais de 1998. Também
nessas eleições a DVU (União do Povo Alemão) atingia
13% dos votos no Estado de Sachsen-Anhalt.
Na Bélgica, o Bloco Flamengo atingia em Junho do ano passado 15% dos
votos para o parlamento flamengo e 9% para a câmara dos representantes
da Bélgica.
Na França, após a cisão da Frente Nacional de Le Pen
e a criação do Movimento Nacional Republicano de Bruno Mégret,
o conjunto das forças de extrema direita alcançava um resultado
de 9%, menos do que os 15% alcançados pela Frente Nacional nas eleições
presidenciais de 1985, mas ainda assim relevante.
Quais as razões da existência e crescimento destas forças na Europa?
A Resolução do XV congresso do PCP, realizado em Dezembro de
96 refere:
(
) As políticas neoliberais, agravando intoleravelmente
a situação social, têm aberto caminho à ascensão
de forças fascistas, racistas, xenófobas. As classes dominantes,
ao mesmo tempo que silenciam a actividade da oposição de esquerda,
favorecem a visibilidade política dessas forças, apostando nelas
como beneficiárias do inevitável descontentamento popular e
como instrumento de contenção das forças progressistas.
A actualidade desta afirmação é assinalável e
encerra em si a resposta à questão enunciada.
Essa resposta reside fundamentalmente em três questões: Que interesses
servem estas forças e que políticas defendem? Qual a situação
económica, social, política e cultural na Europa? Quais os métodos
utilizados por estas forças?
1ª questão:
Da análise dos resultados eleitorais destas forças na Europa,
verificamos que uma significativa parte da sua base eleitoral de apoio vem
dos trabalhadores e jovens mais atingidos pela política de direita,
que são reduzidos a situações de extrema precariedade
e mesmo de marginalização, perdendo o sentido de classe. Mas
é sabido que esses partidos da extrema--direita não nascem de
movimentos sociais politizados que combatem o capitalismo. São, pelo
contrário, partidos que têm nos seus fundadores e na sua direcção
gente ligada ao grande capital.
Da análise dos programas destes partidos podemos também tirar
conclusões importantes no que toca às suas linhas políticas
de fundo e aos seus reais interesses. São também estes partidos
(e aqui podemos juntar-lhes a social-democracia e a chamada direita tradicional)
que defendem políticas ultraliberais sob a capa de uma descarada demagogia
social.
A privatização dos vários sectores da economia e de todo
o sector produtivo, a destruição dos sistemas públicos
de segurança social, de ensino e saúde, a concessão de
benesses financeiras ao patronato e ao grande capital, mascaradas com propostas
demagógicas e populistas de descida dos impostos, a redução
da despesa pública através de cortes sucessivos nas políticas
sociais, a total desregulamentação das relações
laborais com a defesa intransigente da flexibilidade e da polivalência,
são linhas políticas que marcam os programas de variados partidos
políticos de extrema direita na Europa e que nos permitem concluir
que estes partidos são um instrumento da classe dominante no prosseguimento
dos seus objectivos. Não são portanto um fenómeno marginal
mas sim intrínseco do sistema capitalista. São uma diversão
demagógica e divisionista para já, e são uma reserva
para o futuro.
Quanto à 2ª questão:
As políticas que têm vindo a ser seguidas pelos governos dos
diferentes Estados da UE e o próprio projecto de construção
da UE encerram em si perigos imensos no que toca a questões essenciais
de desenvolvimento da sociedade no plano económico, social, político
e cultural.
A social democracia que ho-je governa grande parte dos Estados da UE defende
e aplica claramente políticas neoliberais e mesmo ultraliberais.
Os resultados estão à vista. Vivemos numa Europa que conta com
cerca de 20 milhões de desempregados, em que tentam sobreviver 50 milhões
de pobres, que vê os seus sistemas públicos de Segurança
Social, Saúde e Educação serem desmantelados, que vê
aumentar de ano para ano o fosso entre os mais ricos e os mais pobres. Uma
Europa ao serviço do grande capital que segue políticas criadoras
de uma autêntica situação de desgraça social para
largas massas da população.
É neste contexto económico e so-cial que assistimos à
degradação da democracia e da política, com a redução
da participação democrática ao acto do voto, com a perversão
dos sistemas de representação democrática, com a transferência
de poderes políticos para instituições supranacionais
(algumas nem eleitas), que fogem ao controlo popular, com a banalização
da corrupção, com a tentativa de calar e desvalorizar os movimentos
sociais fazendo crer que é inútil lutar.
3ª questão
As forças de extrema-direita utilizam todo este caldo propício
ao seu reforço para avançarem no ter-reno político, não
porque seja uma inevitabilidade, mas sim porque
objectivamente o seu reforço interessa à classe dominante e
portanto definem estratégias para isso. Fazem-no da forma mais perversa
possível. Estas forças, sendo objectivamente representantes
(não os únicos) do inimigo de classe de quem sofre a exploração
capitalista, exploram os sentimentos de desalento, desilusão e desespero
que sentem os mais explorados para os transformar em revolta. Não em
revolta contra os reais culpados da situação em que vivem os
mais explorados mas sim contra novos inimigos, geralmente os imigrantes estrangeiros.
Surgem então as características por vezes mais conhecidas deste
tipo de forças. O racismo, a xenofobia, o chauvinismo, o na-cionalismo
reaccionário são assim os instrumentos perversos que a extrema-direita
utiliza para se reforçar e constituem a sua base estratégica.
Não interessa a estas forças politizar as camadas mais desfavorecidas,
interessa--lhes sim usar estas camadas para aumentar o seu poder. Como quaisquer
abutres alimentam-se da desgraça social criada por uma política
de classe que também lhes interessa - o capitalismo.
Não são os únicos a fazê-lo. De uma forma mais
envergonhada vá-rios governos e partidos têm avançado
em políticas de imigração restritivas de carácter
marcadamente xenófobo.
Como combater estas forças?
Após as eleições na Áustria, os líderes
da UE apressaram-se a condenar a formação de um governo com
a participação da extrema direita. E qual a forma encontrada?
Utilizar um pretenso direito de ingerência na vida de um
Estado soberano para determinar a composição do seu governo.
As razões do crescimento da extrema-direita na Áustria e na
Europa ficaram de fora das análises e decisões dos líderes
europeus.
Para um observador atento tal atitude não espanta. Seria constrangedor
para os próprios ver o nosso Primeiro Ministro, ou Tony Blair ou Gerhard
Schröeder dizerem que o que se tem que atacar são as causas do
sucedido ou seja as suas próprias políticas e a ideologia que
perfilham! Isso sim seria de espantar! Seria de espantar, mas é essa
a única forma de combater o problema. O carácter opressor, explorador,
antidemocrático, obscurantista da ideologia dominante que orienta as
políticas seguidas dentro dos Estados da Europa e da própria
UE e a situação social e política causada pelo próprio
sistema é a real causa da ascensão da extrema-direita na Europa.
Portanto, qualquer combate que se queira sério a este fenómeno
tem que se centrar no ataque determinado a estas causas.
Não basta denunciar as práticas, a natureza de classe e os perigos
que encerra a extrema-direita (embora seja importante). É necessário
romper cada vez mais a cortina de fumo, denunciando, mobilizando, consciencializando.
Fazendo ver que lutar vale a pena e que mudar o mundo é possível.
Milhões e milhões de trabalhadores e outros elementos dos povos
em todo mundo fazem-no todos os dias. Não estamos sós nesta
luta. Há uma grande vontade de mudança por esse mundo fora.
Numa situação em que os governantes da Europa não demonstram
essa vontade de mudança, o reforço e a intensificação
da luta dos trabalhadores e dos povos contra as suas políticas; o reforço
dos partidos comunistas; a intensificação da luta em cada um
dos países, são um factor determinante e um contributo indispensável
à luta contra a ascensão das forças de extrema-direita
na Europa.
Tal como no passado, a luta dos povos e de todos aqueles que sofrem a exploração
e a opressão é o verdadeiro motor do desenvolvimento da humanidade.
«O Militante» - N.º 247 - Julho/Agosto 2000