Ainda se queixam do Estado...


Quem acompanhe minimamente, ainda que só pela comunicação social, o que se tem vindo a passar nos inquéritos parlamentares em curso sobre as relações entre os Governos PS e PSD e alguns grupos económicos, há-de reparar que todas as grandes figuras da alta finança portuguesa, quando ouvidas pelas comissões de inquérito, se queixam amargamente dos péssimos negócios que têm feito com o Estado.
Queixa-se Belmiro de Azevedo de ter de aguentar o Estado como parceiro em negócios no Brasil, queixa-se Jardim Gonçalves de ter adquirido o BPA com um buraco financeiro de 70 milhões de contos, queixa-se Abel Pinheiro de ter ficado a perder no negócio entre o Estado e o grupo Grão-Pará, queixa-se Luís Champalimaud de um prejuízo de - imagine-se - 500 milhões de contos que as nacionalizações teriam causado ao seu pai. Ficar-se-ia a saber, dando crédito a tais queixumes, que os mais ricos patrões de Portugal, que não se tornaram conhecidos propriamente por fazerem maus negócios, teriam sido ludibriados por hábeis negociadores governamentais apostados em defender os interesses do Estado.
Vendo as coisas porém como elas são e não apenas em função de tais versões, ficam a descoberto realidades bem diferentes. É certo que, em ambos os inquéritos parlamentares, ainda há muito que investigar. Mas bastou a procissão ter saído do adro, para se verificarem situações como estas:
O grupo SONAE, do eng. Belmiro de Azevedo, adquiriu ao actual Governo PS o controlo da Torralta, através da compra dos créditos do Estado sobre esta empresa. Comprometeu-se a investir 10 milhões de contos em 7 anos na península de Tróia (beneficiando de diversos incentivos públicos para esses investimentos) e em contrapartida adquiriu créditos públicos, cujo valor nominal ultrapassa os 32 milhões de contos, por 5,9 milhões, tendo pago até à data apenas um milhão de contos e só tendo de pagar os 4,9 milhões de contos que faltam, entre 2007 e 2022. E ainda ficou com a concessão da Zona de Jogo de Tróia em condições especialmente favoráveis.
Quanto a António Champalimaud, conseguiu um acordo sui generis com o Governo PSD. O Estado português desistiu de uma acção que havia intentado no Brasil contra António Champalimaud (onde reclamava uma indemnização superior a 6 milhões de contos), desistiu de uma providência cautelar que havia instaurado e que se traduzia no arrolamento de todos os bens deste empresário no território nacional (permitindo-lhe assim concorrer à aquisição de empresas a privatizar) e ainda lhe pagou uma indemnização de 10 milhões de contos cujo fundamento ninguém sabe explicar, mas que foram muito úteis a António Champalimaud para deitar a mão ao Banco Pinto e Sottomayor. Não contente com isto, Champalimaud mantém processos contra o Estado reclamando indemnizações de valor astronómico.
E ainda se queixam do Estado...


«O Militante» Nº 239 - Março / Abril - 1999