Porto
Capital Europeia da Cultura 2001
Uma oportunidade a não perder
Jorge Sarabando
Membro do Comité Central e da Assembleia Municipal do
Porto
A escolha do Porto como Capital Europeia da
Cultura 2001, a par de Roterdão, surge num momento decisivo
da vida cultural da cidade invicta.
De facto, estão hoje reunidas as condições necessárias para
um novo ciclo que ponha termo a um longo período de
estagnação, mais acentuada desde os anos 80.
Primeiro porque, finalmente, dispõe de um conjunto de espaços
públicos vocacionados para a actividade artística e cultural,
que obrigaram, aliás, a uma prolongada luta, em que o PCP e a
CDU estiveram sempre em primeiro plano, para que fossem
adquiridos ou recuperados pelo Governo ou o município. O Teatro
Nacional de S. João, o Teatro Municipal Rivoli, o Auditório
Carlos Alberto, a Cadeia da Relação, além do Teatro do Campo
Alegre e do próprio Coliseu, este tendo gerado um largo
movimento popular para impedir a sua aquisição pela Igreja
Universal, representam, entre outros, valiosos espaços e
equipamentos que interessa aproveitar plenamente.
Faltava uma instalação apropriada e condigna para uma orquestra
sinfónica (*) - embora ela não exista ainda como tal -, o que a
CDU/Porto insistentemente reclamou. Uma das medidas positivas já
anunciadas para 2001 é a construção duma Casa da Música,
com esta e outras funções.
Em segundo lugar, existe um conjunto de qualificadas escolas
artísticas, de que as Faculdades de Belas Artes e Arquitectura,
ou o Conservatório e a Escola Superior de Música, são apenas
alguns exemplos, além de várias escolas do ensino superior
particular que todos os anos lançam novas gerações e onde
despontam talentos, que é preciso encorajar e oferecer
condições para se afirmarem e enraizarem na cidade e na
região.
Finalmente, existe um largo, pujante e activo conjunto de grupos,
associações, colectividades e empresas culturais, envolvendo
centenas de activistas, muitas delas prestigiadas e com
projecção nacional e internacional, a quem faltam os apoios que
merecem mas com muitas potencialidades por aproveitar.
Tempo de estagnação
Durante anos, foi notório o menosprezo do Governo e do
município pelo fomento da vida cultural da cidade, o reduzido e
nem sempre bem orientado investimento público e a falta de
coordenação entre a Câmara e o Governo. O melhor exemplo desta
incapacidade de interagir está no edifício da Cadeia da
Relação, cujas obras de restauro estão ainda inconclusas mas
está já parcialmente utilizável, e para o qual durante anos o
Pelouro Municipal de Cultura e a então Secretaria de Estado
foram incapazes de encontrar em comum um modelo funcional. Só
recentemente parece haver algum encaminhamento.
Entretanto, alguns edifícios públicos se foram degradando, o
Museu de Etnografia encerrado e o seu espólio disperso e
abandonado, enquanto o Museu de Literatura continua por instalar.
Outras obras, há muito anunciadas, como a nova Biblioteca
Garret, continuam ainda por concretizar.
No Porto, com o PS e o seu dirigente Fernando Gomes a dirigir,
há uma cidade virtual de maquetas e projectos, sempre anunciados
com pompa e circunstância, e uma cidade real, onde as obras
demoram anos a iniciar-se (o Metro já vai em sete e o Bolhão em
oito!) ou são simplesmente esquecidas, como alguns túneis e as
novas travessias do Douro.
O Pelouro da Cultura, cujos orçamentos foram emagrecidos durante
anos pelos milhões gastos nas obras de restauro do Rivoli e as
habituais derrapagens, tem sido desgastado por uma
contestada política de atribuição de subsídios e foi, em
parte, esvaziado pela Associação Cultuporto, criada não apenas
para gerir um espaço concreto, o que seria defensável, mas
também para programar a animação cultural da cidade.
A CDU, além de outras forças políticas, pronunciou-se
vigorosamente contra esta espécie híbrida, designadamente pelo
défice democrático que comporta.
Não estando em causa a boa vontade da titular do Pelouro, que
tem faltado então no Porto? Tem faltado política cultural. Um
plano integrado de ocupação de espaços, programas de
itinerância, uma criteriosa atribuição de apoios,
coordenação com os pelouros culturais da Área Metropolitana e
o Ministério, diálogo efectivo com as instituições e
produtores culturais, com as escolas, desde as básicas às
superiores, de modo a gerar sinergias e a potenciar capacidades.
Uma política que permita alargar e renovar os públicos e atrair
para a fruição cultural as camadas populares que, aliás, sabem
acarinhar as poucas expressões locais que vão surgindo.
Uma CDU interveniente
A CDU propôs a criação de um Conselho Municipal de Cultura,
como instância de diálogo e auscultação, que a maioria do PS
inviabilizou.
Ao diálogo, palavra que tanto tem desacreditado, o PS parece
preferir a gestão de influências e compadrios nos escaninhos do
poder.
Havendo boas condições para uma reanimação da vida cultural e
tendo estado o Porto tão esquecido nas atenções dos vários
Governos e constituindo um merecido prémio para os seus
artistas, o PCP saudou, na Assembleia da República e nos
órgãos municipais, a designação de Capital Europeia da
Cultura.
Chegando no momento certo, foi entendido pela CDU como um
projecto que, não se esgotando no efémero, seja estratégico e
estruturante do desenvolvimento da cidade. Projecto de pontes
- entre antigos e novos públicos, entre a cidade, a cultura e a
escola, entre património e modernidade, entre a cidade com a sua
identidade, o País e a Europa.
A CDU apresentou numerosas sugestões, um elenco de prioridades e
enunciou um conjunto de princípios a ter em conta pela Sociedade
Porto 2001, que gere todo o processo e é comparticipada pela
Câmara e o Ministério da Cultura. Princípios como a pluralidade,
para que sejam envolvidas as sensibilidades políticas
representadas nos órgãos municipais, bem como todas as
expressões criadoras que a cidade pode oferecer. Participação e diálogo, para a mobilização de
produtores e agentes culturais, as escolas, associações e
colectividades e empresas. Transparência, para que haja uma clara delimitação
entre o que é público e é privado e uma clara definição
sobre a proveniência e a finalidade das verbas destinadas a cada
um dos empreendimentos que integram o projecto. Operatividade, porque o tempo disponível já é escasso
e se conhece a habitual morosidade das obras planeadas para a
cidade. Exemplos não faltam.
A CDU propôs a criação de um pelouro que, no âmbito do Porto
2001, centralizasse as intervenções necessárias no Centro
Histórico e transformasse o Rio Douro num Museu vivo, aberto, de
novo tipo, com diferentes ligações ao ambiente, desporto,
investigação, turismo cultural, e sublinhou o imperativo de uma
decidida intervenção sobre o acervo museológico e
arquivístico da cidade, que tão desprezado tem estado.
Deixando de parte a soberba manifestada pela maioria PS
relativamente às propostas dos partidos da oposição e sendo
ainda prematuro efectuar uma avaliação sobre as medidas já
tomadas, duas observações devem ser colocadas.
Primeira - a composição do Conselho Administrativo - com óbvia
excepção do seu presidente e dos membros que transitaram da
Comissão Instaladora - integra algumas personalidades de quem se
desconhece qual seja a ligação com a vida cultural do Porto.
Segunda - sendo o capital da Sociedade de quatro milhões de
contos - até agora o único garantido -, é entretanto apontado
um montante global de cerca de 22 milhões de contos, sendo 6
milhões para eventos culturais e o restante para as
obras públicas, como a Biblioteca Garrett, a Casa da Música e
outras acções de requalificação urbana. Mas não estão
definidas as fontes de financiamento, nem os prazos, nem os
Ministérios envolvidos, nem explicitadas as finalidades das
verbas. Trata-se de um bolo virtual, cuja única garantia são
apenas as palavras de alguns responsáveis em discursos de
ocasião.
O Porto 2001 poderá significar, de facto, o
início de um novo ciclo da vida cultural da cidade, na música,
na dança, nas artes plásticas, na edição literária, no
cinema, na arquitectura, em diferentes expressões artísticas,
no associativismo, na ligação da escola à cultura, na
renovação dos públicos, na qualidade da criação artística,
contribuindo assim para que haja mais democracia cultural no
nosso País.
Os eleitos da CDU nos órgãos municipais continuarão atentos e
intervenientes.
(*) A actual Orquestra Nacional está mal instalada no Mosteiro
de S. Bento da Vitória, outro edifício também recuperado.