Rui Godinho
Engenheiro
Vereador e Presidente-Substituto da Câmara Municiapal de
Lisboa
No Mundo nada nos pertence. Pedimos tudo
emprestado aos nossos filhos.
Com esta frase, usada como lema na Conferência de Estocolmo de
1972 sobre o Meio Ambiente, começa a esboçar-se o que hoje é
objecto de análise, discussão e tentativa de concretização em
várias latitudes: o conceito de desenvolvimento
sustentável.
Com efeito, longe vão os tempos em que falar de protecção do
ambiente era quase exclusivamente referirmo-nos às várias
formas de poluição mais visíveis, fruto dos processos de
crescimento/desenvolvimento característicos da sociedade moldada
pela Revolução Industrial: poluição atmosférica, dos cursos
de água, do solo e do mar provocadas pelas fábricas, pelos
esgotos dos centros urbanos e pelos meios de transporte,
nomeadamente os grandes petroleiros.
Não é que estas formas de degradação ambiental tenham
desaparecido na sua totalidade mas, à medida que a sociedade se
foi transformando e dando lugar à terciarização, e se foi
acentuando a globalização da economia e da informação, a
abordagem dos problemas ambientais evoluiu para ópticas mais
abrangentes e com um enfoque mais centrado na necessidade de uma
gestão racional dos recursos.
Ao mesmo tempo, foi-se verificando que era (e é) nas cidades e
nas grandes concentrações urbanas (cidades metrópoles,
megacidades, áreas e/ou regiões metropolitanas) que passaram a
identificar-se e a caracterizar-se os principais factores de
degradação ambiental, com reflexos locais, regionais,
continentais e globais.
Agir localmente, pensando globalmente, passou a ser
uma palavra de ordem comunmente aceite para definir o estádio de
conhecimento e avaliação dos principais elementos de ataque ao
meio ambiente equilibrado - a que os seres humanos têm direito
-, os seus efeitos aos mais diversos níveis, bem como a forma de
abordagem das medidas e soluções para os problemas
identificados, incidindo na acção local como instrumento
fundamental de actuação, mas tendo sempre presente (e se
possível de forma bem clarificada) que os reflexos se fazem
sentir a escalas bem mais amplas que o de cada acção ou medida
concretizada.
O papel das cidades e das metrópoles
Este novo tipo de análise dos problemas do ambiente traz, assim,
para o primeiro plano o papel das cidades e das concentrações
urbanas tanto mais que, no ano 2000, mais de 70% da população
mundial viverá em centros urbanos, na sua esmagadora maioria
localizados em zonas costeiras e estuarinas, portanto zonas de
particular sensibilidade ecológica.
O fenómeno do crescimento desordenado das cidades e das áreas
metropolitanas constitui assim, um dos grandes problemas com
incidência no ambiente e na qualidade de vida deste final do
século XX.
Alguns afirmam mesmo que a urbanização acelerada, com base em
padrões de crescimento desequilibrado e toda a sorte de graves
consequências para o equilíbrio ambiental, é o problema
central que se coloca à Humanidade na transição do milénio.
O actual modo de vida nas cidades, em particular os modelos de
divisão do trabalho e de funções adoptadas (uso do solo,
destruição da agricultura, produção industrial decadente,
terciarização do tecido urbano e ocorrência de áreas
periféricas desordenadas e agressivas, o incitamento ao
consumismo sem regras, os maus transportes, o disparo do consumo
e desperdício de água e energia, a emissão de gases
responsáveis pelo efeito estufa, a crescente
produção de resíduos), constitui um dos mais importantes
problemas ambientais que a Humanidade enfrenta.
Os factores que contribuem para esta situação são conhecidos e
assumem múltiplos contornos. Destacam-se, por exemplo, a
sobre-ocupação e a falta de ordenamento do território, a
desordem do tecido urbano, a degradação do parque habitacional
e dopatrimónio histórico-cultural, a escassez de espaços
públicos e de zonas verdes,o
congestionamento do tráfego, o ruído, a poluição do ar, da
água e dos solos, a inadequação das infra-estruturas de
saneamento básico, os espaços expectantes ou abandonados,
carências na higiene e limpeza públicas, e as exclusões de
todo o tipo, designadamente ao nível económico, social e
étnico, com bolsas de desemprego e pobreza, cidadãos sem
abrigo, toxicodependentes, práticas de marginalidade,
insegurança e violência urbanas.
Deste modo, pode acentuar-se a desintegração social que se
manifesta nas condições altamente deficientes do quadro de vida
e, muitas vezes, na destruição indiscriminada do património,
nos comportamentos hostis e nas manifestações de violência e
marginalidade.
O desenvolvimento sustentável
É, assim, urgente inverter estas situações, alterando os
modelos que actualmente prevalecem, tendo em vista a eliminação
ou, pelo menos uma significativa redução, dos factores
agressivos do ambiente, tendo em vista promover um desenvolvimento
sustentável, ou seja, a aplicação de estratégias de
desenvolvimento que garantam nas cidades os direitos básicos em
matéria de ambiente e de integração social e económica, sem
pôr em causa a viabilidade dos sistemas natural, construído e
social dos quais depende a satisfação desses direitos.
O desenvolvimento sustentável, em geral, aplicado quer às
estruturas urbanas (cidades e metrópoles) quer ao território de
uma forma global, é assim um conceito muito mais vasto que a
protecção ambiental propriamente dita.
Implica preocupações com a qualidade de vida, com critérios de
equidade entre as populações actuais (inadiável o combate à
pobreza e à exclusão), equidade inter-geracional (as
populações futuras merecem um ambiente pelo menos tão
equilibrado como o que desejamos hoje para nós, senão melhor),
bem como as dimensões sociais, económicas e éticas do
bem-estar humano. Implica também que o desenvolvimento futuro
dos eco-sistemas artificiais que são as cidades, só seja
efectivo se não exceder a capacidade de carga (ou de
sustentação) dos sistemas naturais e humanos sobre que
assentam.
Os conceitos de sustentabilidade que interessa
considerar como instrumentos de politica de ambiente nas cidades
de hoje e de amanhã, conduzem assim a uma abordagem mais
estratégica, mais integrada e mais participativa da gestão das
cidades do que tem sido habitual até hoje.
A definição deste novo modelo de desenvolvimento tem que
envolver toda a comunidade, através de uma participação activa
no processo de tomada de decisões ao nível local e regional.
Os problemas de degradação do meio ambiente dizem respeito a
todos, e, por isso, só poderão ser resolvidos com um
empenhamento colectivo, numa lógica de aprofundamento da
democracia representativa em democracia participativa.
Um modelo alternativo, capaz de promover um equilibrado
desenvolvimento passa pela prática de um planeamento e de uma
gestão integrados das cidades e do território, envolvendo todos
os principais actores e factores que determinam a qualidade de
vida das populações.
Trata-se de saber articular os problemas da organização do
território (o solo é um recurso escasso), da habitação e
reabilitação do parque edificado (um direito dos cidadãos),
dos transportes e do tráfego, da indústria, da gestão racional
dos recursos energéticos, da água e da aplicação da política
dos 3 R (Reduzir, Reutilizar, Reciclar) aos resíduos, de
combater as assimetrias, as desigualdades, a exclusão, os vazios
das cidades e do território e fomentar a urgência do seu
preenchimento por processos justos e solidários.
Os responsáveis políticos e os decisores deverão, assim,
promover as necessidades dos cidadãos (sociais, económicas,
ambientais, culturais) respeitando os sistemas naturais,
regionais e globais e, se possível, resolvendo localmente os
problemas em vez de os transferir para outros locais ou de os
remeter para gerações futuras.
Agir localmente pensando globalmente não pode ser uma figura de
retórica. Pelo contrário, deve constituir um permanente guia
para a acção de todos os que têm responsabilidades e se
preocupam de facto com o futuro, assumindo que sustentabilidade
e solidariedade são palavras e conteúdos chave de
uma política de ambiente realmente nova e tendo o homem como
centro fundamental de preocupação.
O Plano Integrado de Qualidade Ambiental de Lisboa
Em Lisboa, os princípios e acções fundamentais do
desenvolvimento sustentável têm vindo a ter expressão no
desenvolvimento e execução de um Plano Integrado de
Qualidade Ambiental, visando a construção na cidade de uma
Agenda Local 21, conjunto articulado de políticas e linhas de
acção estratégicas para o século XXI, incidindo,
especialmente, nas seguintes áreas:
- Espaços Verdes;
- Ambiente Urbano;
- Sistema Integrado de Gestão de Resíduos Sólidos;
- Sistema Integrado de Águas Residuais e Valorização Ambiental
do Estuário do Tejo;
- Educação e Sensibilização Sanitária e Ambiental da
Comunidade.
O Plano Integrado mencionado constitui um importante instrumento
operacional de médio e longo prazo, assentando num conceito
integrado e transversal desenvolvido pelo Pelouro do Ambiente da
Câmara Municipal de Lisboa, sob cuja direcção se unificaram,
em termos políticos e funcionais todas as áreas com incidência
ambiental do Município de Lisboa.
Em Lisboa, para além da resolução de importantes carências
ambientais relacionadas com infra-estruturas de saneamento
básico e despoluição que estavam em falta, com a
estruturação de um adequado sistema de higiene, limpeza
pública, remoção, tratamento e valorização de resíduos
sólidos urbanos e com o alargamento e valorização dos espaços
verdes, parques e jardins, está-se a processar um salto
qualitativo importante em matéria de qualidade ambiental com
expressão em diversos domínios da vida da cidade, a saber:
- aplicação dos princípios de gestão racional do recurso
água com o projecto de reutilização das águas
residuais tratadas nas ETAR de Beirolas, Chelas e Alcântara para
fins de 2ª linha (irrigação, lavagem de ruas, combate a
incêndios, aquacultura);
- aplicação da política dos 3R (reduzir, reutilizar e
reciclar) aos resíduos sólidos urbanos, através da
instalação de uma rede de 1000 Ecopontos e de vários
Ecocentros, permitindo assim a reciclagem e reutilização de
quantidades significativas de papel e cartão, vidro, embalagens
e pilhas:
- recolha selectiva de 40.000 toneladas/ano de matéria orgânica
dos resíduos sólidos produzidos para, através de um processo
tecnológico avançado (digestão anaeróbia) produzir um
fertilizante rico em nutrientes para aplicações agrícolas;
- combate ao ruído através da elaboração de uma Carta do
Ruído;
- melhorar o ambiente urbano em geral com a elaboração e
aplicação de uma Carta do Ambiente Urbano que permite intervir
na melhoria do conforto ambiental, de melhor utilização e
apropriação da cidade pelos seus habitantes (nas praças, nas
ruas, nos bairros), no reforço da segurança no uso da cidade e
no sublinhar de uma identidade própria em Lisboa.
A Carta do Ambiente Urbano de Lisboa traduz-se, assim,
em propostas e projectos (muitos já em execução) com
incidência no espaço público, na estrutura verde da cidade, no
ar, água, solo, limpeza, reabilitação de edifícios e
quarteirões, na cor e na qualidade estética e arquitectónica
das construções. Finalmente, todas estas intervenções estratégicas são
acompanhadas em permanência por acções, também estratégicas,
de informação, educação e sensibilização, com vista a
reforçar a participação dos cidadãos de todos os grupos
etários na melhoria do ambiente e da sua qualidade de vida,
engrandecendo assim o seu direito à cidade que escolheram para
viver, estudar ou trabalhar e garantindo-lhes uma palavra
interventora nas decisões e nas acções da construção do
futuro que lhes diz respeito a eles e a todos nós.