Carlos Amaro
Engenheiro Agrónomo
Membro da Comissão de Agricultura junto do Comité
Central
Em vésperas de ser concluída
a nova reforma da Política Agrícola Comum (PAC) e no final da
reforma da PAC de 1992, a situação de crise da agricultura
portuguesa é um dado consensual: a produção agrícola
diminui; as importações crescem, mesmo naqueles sectores em que
o País apresenta vantagens naturais comparativas; os preços dos
produtos e os rendimentos dos agricultores têm tido uma
redução continuada. Como reflexo, o tecido social agrícola
está mais fragilizado, o declínio do Mundo Rural prossegue,
acentuam-se as assimetrias regionais entre o Centro e Norte
interiores e Alentejo e o Litoral.
A política agrícola da UE
Para esta situação tem concorrido uma política agrícola
da União Europeia pautada pela inserção da agricultura no
processo de mundialização neoliberal da economia, em que o
mercado é tido como instrumento exclusivo de regulação
económica, geradora de um modelo agrícola produtivista, assente
no crescimento permanente da competitividade no mercado mundial,
que a reforma da PAC agora em curso prossegue e aprofunda.
Esta política, que tem como eixo orientador o binómio diminuição
dos preços - apoios aos rendimentos (cada vez menos
compensatórios da redução dos preços), privilegia nestes
apoios os sectores produtivos, em que as exigências
concorrenciais dos Estados Unidos da América (EUA) no mercado
mundial impõem maiores ganhos de competitividade, que predominam
nos países do Centro e Norte da Europa. A agricultura portuguesa é, neste quadro, duplamente
penalizada. Antes de mais porque os produtos mediterrânicos
(frutas, hortícolas, vinho, azeite), que são os sectores com
maior peso na economia e no emprego agrícola, sofrem a
concorrência no mercado interno da produção de outros países
com melhores condições de competitividade, e os produtores não
beneficiam de apoios aos rendimentos. Depois porque os sectores
predominantes nos países do Centro e Norte da Europa
(cereais/culturas arvenses) também existem em Portugal, ainda
que com menor peso económico-social, mas o valor dos apoios aos
rendimentos, fixados em função das produtividades físicas, que
aqui são mais baixas, são muito inferiores aos atribuídos nos
Estados membros do Centro e Norte da União Europeia.
Acresce ainda que o carácter negativo, que o critério adoptado
para a fixação daqueles apoios assume para as agriculturas
mediterrânicas em geral, se agrava em Portugal, devido ao sector
cerealífero ter o seu maior peso na região do latifúndio, e
não haver limites máximos de área beneficiada por
exploração. Com efeito, muito embora tais apoios aos
rendimentos sejam inferiores, por unidade de área, aos
atribuídos aos produtores do Centro e Norte, representam
milhares de contos para os grandes proprietários, mas não
passam de quantias insignificantes para a pequena agricultura,
gerando uma profunda discriminação social na sua
distribuição.
Por outro lado, estes apoios, ainda que tenham tendência a
decrescer devido às dificuldades orçamentais da União
Europeia, têm sido, e continuarão a ser, não apenas um
instrumento de sustentação económica do latifúndio, mas
também um factor de bloqueamento da reconversão produtiva e da
evolução da agricultura nos campos do Sul.
Políticas de desenvolvimento rural e agro-ambientais
Relativamente às políticas de desenvolvimento rural e
agro-ambientais que a sociedade vem crescentemente valorizando, e
nas quais a agricultura e, em particular a pequena e média
agricultura, têm uma função não exclusiva mas estruturante, o
que se constata é que, não obstante as conhecidas
proclamações dos responsáveis da PAC sobre estas matérias, a
reforma em curso é manifestamente omissa, não concretizando
políticas nem fixando meios financeiros. Também neste plano Portugal é negativamente atingido,
pois em diversas regiões estas políticas constituiriam um
contributo para a preservação do tecido social agrícola e dos
equilíbrios ecológicos e demográficos do território,
concorrendo também para a luta contra o desemprego e a exclusão
social.
A reforma da PAC, ao fixar como objectivo central o aumento da
competitividade, incentiva um modelo agrícola produtivista,
assente no aumento constante da intensificação e no continuado
crescimento da produtividade, prossegue uma política
ambientalmente predadora e crescentemente selectiva nos planos
social, regional e nacional.
As suas consequências são a maior concentração regional da
produção; a rarefacção do tecido social agrícola, atingindo
particularmente as pequenas e médias explorações; o aumento do
desemprego e da exclusão social; o alastramento da
desertificação e o declínio do Mundo Rural em diversas
regiões; maior degradação ambiental, destruição de
ecossistemas e restrição da biodiversidade; aumento de riscos
alimentares para a saúde pública; concentração de meios
financeiros em regiões sempre mais restritas e num universo de
explorações e agricultores sempre mais limitado; crescentes
dificuldades orçamentais, que agora se pretendem resolver pela
renacionalização de custos da PAC, gravemente lesiva dos
agricultores dos países menos desenvolvidos e de menores
recursos. No plano internacional, relativamente a países
terceiros, do chamado Terceiro Mundo, em particular do continente
africano, a política agrícola da União Europeia contribui
para o estrangulamento das economias agrícolas e o bloqueamento
do desenvolvimento da agricultura; para a sobre-exploração
da sua força de trabalho («factor» competitivo que resta);
para o flagelo das carências alimentares e da fome; para o
agravamento das relações de dependência, resultantes da
transformação destes países em mercados de exportação da
sobreprodução das agriculturas desenvolvidas.
A política agrícola do PS
Mas a situação actual da agricultura portuguesa, afectada ainda
por condições climatéricas desfavoráveis, não resulta apenas
da PAC, tendo sido agravada pela política agrícola de
sucessivos governos do PSD e, desde 1995, do Governo do PS.
A política agrícola do PS inseriu-se, no essencial, no
mesmo quadro de opções, lógica e racionalidade que pautou o
governo do PSD, destacando-se os seguintes aspectos:
- A incapacidade de afirmar uma estratégia de
desenvolvimento agrícola e rural centrada na pequena e média
agricultura e a ausência de um projecto produtivo
consequente, como se constata quando o Governo elege sectores
produtivos prioritários, mas não cria os instrumentos nem
estabelece as medidas necessárias à sua concretização;
- a demissão do Governo de qualquer regulação das
importações, designadamente da fiscalização da sua
qualidade, com graves consequências para as produções
pecuárias de bovinos e de suínos;
- a inexistência de um seguro agropecuário, realmente
adaptado aos condicionalismos próprios da produção agrícola e
à especificidade económica e social da agricultura portuguesa,
capaz de responder eficazmente a situações de crise geradas por
condições climatéricas adversas;
- a ausência de uma política de reestruturação fundiária
nos campos do Sul, mesmo que apenas pautada por critérios
técnicos de aproveitamento eficaz do futuro regadio do Alqueva,
e que tem como contraponto a entrega de 60 milhões de contos aos
agrários, a título de indemnizações da Reforma Agrária,
encerrando assim o ciclo da reconstituição do latifúndio
iniciado pelo PS;
- o agravamento da profunda distorção social na afectação
de meios financeiros de apoio à actividade agrícola inerente à
PAC, como se pôde constatar na entrega de milhões de
contos destinados ao desendividamento da agricultura a uma
minoria, que incluiu agrários e banqueiros, enquanto centenas de
milhar de agricultores foram brindados com quantias irrisórias
ou, mais recentemente, pelo carácter manifestamente insuficiente
das chamadas medidas de apoio à pequena agricultura devido aos
prejuízos das intempéries;
- a continuação da política de esvaziamento das funções
sociais do Estado e a privatização de serviços
técnico-científicos com consequências negativas,
nomeadamente no estado da sanidade animal e na situação da
investigação agrária;
- a passividade do Governo face à penetração das
multinacionais nos sectores da transformação e distribuição
agro-alimentar e a sua demissão de uma política eficaz de
apoio ao cooperativismo agrícola, que reconheça e valorize a
sua mais valia social;
- as cedências face à reforma da PAC, mesmo em matérias que
o próprio Governo considerou, e bem, estratégicas,
como já se verificou relativamente ao equilíbrio das
afectações financeiras entre países, sectores produtivos e
explorações, e à aprovação de uma reforma da Organização
Comum de Mercado do azeite que põe em causa o programa
olivícola nacional.
Regista-se como positivo o reconhecimento oficial da
Confederação Nacional da Agricultura - CNA pelo Governo, que
permite que esta Confederação, representativa da agricultura
familiar, reforce, no plano institucional, a sua intervenção
social em defesa da agricultura e dos agricultores portugueses.
Uma política agrícola de esquerda
A situação da agricultura e do Mundo Rural constitui hoje uma
questão que respeita directamente aos agricultores, mas que
preocupa também crescentemente outros sectores sociais, face às
consequências negativas que a política agrícola dominante tem
tido nos planos económico e social, nos equilíbrios
demográficos dos territórios, na degradação da qualidade
alimentar e na preservação do ambiente.
Cresce e reforça-se a consciência que é necessária uma nova
política agrícola. Uma política agrícola de esquerda
que tenha como objectivos essenciais:
- A melhoria dos rendimentos dos agricultores portugueses e
dos salários dos trabalhadores e a sua aproximação aos
níveis médios da União Europeia, a preservação do emprego e
a luta contra a exclusão social;
- o desenvolvimento da produção agrícola que assegure
níveis adequados de segurança alimentar do País;
- a preservação do tecido social agrícola e uma
repartição espacial da produção não dependente
exclusivamente dos mecanismos selectivos de mercado, que
contribua para assegurar equilíbrios demográficos e
territoriais;
- a reestruturação fundiária nos campos do Sul, que
permita o aproveitamento eficaz do futuro regadio do Alqueva, a
reconversão dos sistemas produtivos e o crescimento da
produção, e contribua para o combate à desertificação e ao
declínio acelerado do Mundo Rural na região;
- o apoio efectivo ao sector cooperativo agrícola;
- a valorização das políticas de desenvolvimento rural, de
defesa da natureza e preservação do ambiente;
- a intervenção firme nas instâncias comunitárias, na
defesa dos interesses da agricultura e dos agricultores
portugueses, no quadro da defesa de uma nova PAC, que
contribua para a construção de uma União Europeia assente nos
princípios da coesão económica e social e solidariedade
financeira entre os Estados membros e da cooperação económica
internacional com países terceiros.
O reforço do PCP é um factor determinante na luta por uma
nova política agrícola.