Fórum do PCP
A situação das mulheres no limiar do século XXI


Fernanda Mateus
Membro da Comissão Política do PCP


A actualidade da acção das mulheres no limiar do século XXI face aos problemas e discriminações que continuam a marcar o seu dia a dia, enquanto cidadãs, trabalhadoras e mães estiveram em evidência no Fórum realizado pela Organização das Mulheres Comunistas, a 23 de Janeiro passado.
Três temas estiveram em debate “A situação das mulheres no mundo do trabalho”, “As mentalidades” e “A participação das mulheres: direitos políticos e sociais”.
Com uma assistência interessada e participativa - mais de 300 presenças -, entre comunistas e convidados(as) a título individual e em representação de organizações sociais - este debate confirmou, mais uma vez a riqueza, a diversidade e actualidade das “questões femininas” e a sua interligação com todos os problemas da sociedade actual.
Não tendo tido carácter conclusivo, muitas das questões levantadas não podem deixar de constituir elementos de análise e contributos ao fortalecimento da intervenção do Partido junto das mulheres em defesa dos seus direitos e pelo reforço da sua intervenção e estarão em evidência nas comemorações do aniversário do Partido, do Dia Internacional da Mulher, nas comemorações do 25 de Abril e 1º do Maio.
As comemorações deste ano do 8 de Março - Dia Internacional da Mulher - constituem de novo uma oportunidade para elevar a consciência de sectores femininos para os problemas e discriminações específicas, para denunciar a demagogia do governo PS em matéria de igualdade de direitos e as consequências da sua política no agravamento destas discriminações.
Estas comemorações são também uma oportunidade para valorizar os direitos conquistados pelas mulheres com o 25 de Abril e estimular o reforço da acção e luta das mulheres portuguesas pelo cumprimento dos seus direitos, pela participação em igualdade na vida económica, política, social, cultural e desportiva.
Em Abril será lançada pela Organização das Mulheres Comunistas uma publicação sobre este Fórum, integrando o conjunto das intervenções, as informações fornecidas por várias entidades e elementos estatísticos.
Neste número de Março de O Militante deixamos registo de alguns dos problemas abordados neste Fórum e recordamos que a intervenção final do Secretário-Geral do Partido, Carlos Carvalhas, foi publicada na edição do “Avante!” de 28 de Janeiro.


Grandes avanços, muitos adiamentos

“Foram profundas as alterações qualitativas na situação das mulheres, no aumento da sua participação em diferentes esferas da vida colectiva, no despertar das consciências (de mulheres e homens) para o valor da igualdade de direitos e de oportunidades entre os dois sexos, como direitos humanos básicos.
Foram consagrados importantes mecanismos de garantia da igualdade na vida económica, social, política e cultural (pondo fim a um estatuto de subalternidade). Foram criados mecanismos legais de defesa dos seus direitos específicos na esfera pública e privada.(...)
Os exemplos positivos de presença de mulheres em áreas, que lhe estavam vedadas ou que não tinham visibilidade, bem como as que ganham notoriedade, designadamente na literatura, nas artes plásticas, em novas áreas ligadas com a produção cinematográfica e teatral, no desporto, na vida social e política chamam à atenção para as capacidades e saberes das mulheres e para o valor da sua participação.
A taxa de actividade feminina tem vindo a aumentar nos últimos 25 anos, sendo uma das mais elevadas da Europa. As jovens chegam ao mercado de trabalho com melhor nível de escolarização e formação. Há um peso crescente de mulheres e são a maioria no Ensino Superior.
Há novas realidades na composição das famílias: aumentam as famílias unipessoais (13,8%), em que 70% destas são constituídas por mulheres. As famílias constituídas na base do casamento convivem com as que são constituídas na base de uniões de facto.
Alteram-se hábitos de vida, há transformações positivas na relação homem-mulher na família e na sociedade, especialmente visíveis nas camadas mais jovens.
A Revolução de Abril foi um marco determinante nas mudanças positivas, que em diferentes domínios se verificam na vida das mulheres e na sociedade em geral.
(...) A crescente participação das mulheres na vida económica tem sido acompanhada por mais qualidade de emprego? Pela obtenção de emprego com direitos? Pela valorização da sua mão-de-obra?
Tem vindo a acentuar-se a desvalorização do trabalho com a sua crescente precarização e exploração dos trabalhadores, em clara violação aos direitos consagrados. Esta realidade impede a igualdade de direitos e de oportunidades e em especial das mulheres no acesso, no tratamento e na progressão na profissão.
(...) As jovens ingressam no mercado de trabalho com mais escolarização e formação: deixaram por isso de ser discriminadas no acesso ao emprego relativamente às gerações de mulheres mais velhas e com menos formação e qualificação profissional? Tem melhores oportunidades de emprego e melhores condições de trabalho? São melhores defendidos os seus direitos à participação em igualdade? A sua mão-de-obra é mais valorizada e justamente retribuído o valor do seu trabalho? Em geral, não.
O Partido Socialista e o seu Governo têm incorporado no seu discurso aspectos relativos à igualdade e tem vindo a anunciar algumas medidas que dizem pretender comprometer o Governo neste objectivo. Esta postura é uma diferença relativamente aos Governos do PSD. Mas não corresponde a uma diferença de fundo. As suas opções políticas fundamentais estão na continuidade das que os governos do PSD realizaram.
No âmbito da participação deste Fórum a Organização das Mulheres Comunistas solicitou a diversas organizações sociais elementos relativos ao nível de participação das mulheres nos respectivos centros de decisão.
Em 22 associações de estudantes do ensino superior, que enviaram informação, as raparigas são 49,3% dos seus membros.
Dos elementos fornecidos pela Federação das Colectividades de Cultura e Recreio, em cuja direcção as mulheres são 33% dos seus membros. Em 37 direcções de colectividades, as mulheres são 7,8% dos seus membros.
(...) No que se refere à participação das mulheres em federações desportivas, as mulheres são 16,3% dos praticantes (45 300) em relação ao universo de praticantes desportivos federados, segundo informações obtidas no Instituto Nacional do Desporto.
No que se refere, à Associação Portuguesa de Deficientes, as mulheres correspondem a 34% do total de sócios e a 34% dos seus dirigentes.
(...) Na sociedade portuguesa, o PCP actua com responsabilidade e com o compromisso de lutar contra as injustiças sociais, pela concretização dos direitos individuais e colectivos, pelo aprofundamento da democracia.
Na Assembleia da República temos dado expressão a muitos problemas das mulheres. Em muitos casos foi a partir de iniciativas nossas que se criaram novas leis. Noutros casos foram derrotadas.
Foram exemplo a reposição da idade da reforma das mulheres para os 62 anos, sobre a despenalização do aborto, protecção a famílias em união de facto, a criação de uma licença especial para assistência a menores portadores de deficiência profunda, garantia de alimentos devidos a menores, garantia de igualdade de tratamento no trabalho e no emprego, entre outros. (...)”

(Extractos da intervenção de abertura de Fernanda Mateus)


Extractos de intervenções

A situação das mulheres no mundo do trabalho

Na situação da mulher no trabalho estiveram em evidência os problemas existentes no sector bancário, no comércio e na função pública, a importância da contratação colectiva na promoção da igualdade, a União Económica e Monetária e as mulheres, a articulação conceptual entre classe e género na luta pela igualdade sexual, os problemas das mulheres emigrantes em Portugal, das mulheres deficiente, entre outros .
(...) “Longe vai o tempo em que mulheres e crianças constituíam parte significativa da mão-de-obra, trabalhando 10 a 16 horas por dia, com remunerações baixíssimas, sem condições mínimas de saúde, higiene e segurança, nem qualquer protecção social. Lembre-se a 1ª lei de trabalho publicada em Portugal, em 1891, que, criando limites e impondo regras protectoras de natureza diversa, regulamentava precisamente o trabalho de mulheres e de menores, ilustrando a gravidade da situação vivida à época. (...)
O tempo é outro, mas é ou não verdade que, embora com dimensão e expressão incomparáveis, muitos dos problemas à altura continuam a constituir razões e objectivos de luta das mulheres e homens do nosso tempo?
(...) Se hoje à escala planetária e, consequentemente, no plano nacional se assiste a uma ofensiva sem precedentes, desde o fim da 2ª guerra mundial, contra os principais pilares do direito ao trabalho, designadamente, o direito ao emprego efectivo, ao salário, ao horário, à segurança social, às férias; mas, simultânea e contraditoriamente, se declara e proclama, em diversas instituições, o combate às discriminações em função do sexo e mesmo o acesso a novos direitos de participação e igualdade, coloca-se uma questão central incontornável: não é possível concretizar o direito à igualdade ou dar sentido à participação se, no plano do direito do trabalho, existir uma política e iniciativa legislativa viradas para a destruição e a desregulamentação daqueles pilares onde assenta o edifício jurídico, laboral e contratual, resultante da luta e da conquista de gerações inteiras de trabalhadores e trabalhadoras. (...)”.

(De Graciete Cruz, da Comissão junto do Comité Central para os problemas e movimento
das mulheres e da Comissão Executiva da CGTP-IN).


A situação das mulheres e mudança de mentalidades

A situação das mulheres e mudança de mentalidades motivaram interessantes abordagens relativas à educação, à imprensa feminina, às implicações da indústria da moda, cosméticos, dietas e similares na situação das mulheres.

“Marx dizia: “Pela relação entre o homem e a mulher se pode avaliar todo o nível da civilização humana.”
Esta relação, assinalada por Marx, suscita algumas reflexões relativas à nossa posição de comunistas quanto à situação da mulher na sociedade. Por um lado, traduz a grande importância que para nós tem e sempre terá tido a questão da condição da mulher.
Com efeito, a emancipação da mulher, a superação dos preconceitos e comportamentos que a subordinam, penalizam e inferiorizam - no plano social, económico, político e familiar -, constituem uma condição indispensável para a criação de uma sociedade sem classes antagónicas, com iguais oportunidades para todos, onde, para usar uma outra expressão de Marx, “a liberdade de cada um é a condição da liberdade para todos”. Isto é, uma sociedade em que ninguém seja instrumento de um outro. A eliminação dos preconceitos e comportamentos contra a mulher integra-se, assim, na eliminação das discriminações sociais, no estabelecimento de novos sistemas na divisão social do trabalho, no estabelecimento pleno de relações de igualdade social. Estes são, precisamente, objectivos visados pelo nosso ideal comunista. (...)
O relacionamento humano não se reduz no entanto nem pode explicar-se e compreender-se somente na base das relações económicas e sociais. Essas relações, por importantes que sejam, não esgotam a realidade social. Designadamente a relação entre os homens e as mulheres tem dimensões fisiológicas, psicológicas e afectivas elaboradas, também elas, ao longo da História, que importa ter em conta. (...)”

(De Aurélio Santos, membro do Comité Central do PCP).


A participação das mulheres: direitos políticos e sociais

A participação das mulheres: direitos políticos e sociais, último tema do Fórum, claramente prejudicado pela falta de tempo, permitiu a abordagem das questões da despenalização do aborto, violência sobre as mulheres, entre outras.

“É frequente ouvir dizer nos diferentes areópagos de discussão pública e privada que somos todos iguais e que as mulheres já têm os mesmos direitos que os homens. Na verdade assim é nas leis fundamentais... mas um olhar atento à realidade e ao quotidiano das mulheres (das mulheres concretas - que trabalham, estudam, são mães, são sindicalistas, estão nas instituições e nos partidos...) mostra a distância entre a lei e a vida, a descarada ou subtil discriminação das mulheres no trabalho, na família, a perpetuação de preconceitos ligados à maternidade e à condição biológica das mulheres, ou a invenção de novos modelos e estereótipos ligados à mulher de sucesso, sempre super-mulher, inteligente, doce, decidida e atenta, executiva, mas sedutora, preocupada consigo e com os outros, interventora e decisora mas sempre ladeada pela família, pelos objectos... como se a sua vontade e determinação não pudesse ser autónoma, própria enquanto indivíduo e sujeito social.
(...) Há que reconhecer que atravessamos um período com relações sociais, económicas, culturais de grande complexidade, sendo certo que nessa teia de complexidades persistem relações antagónicas de classe, devidamente embrulhadas com papel de seda ideológico, que de forma adequada aos tempos da sociedade de informação e da comunicação nos é oferecida com lacinhos não só cor de rosa (porque seria de imediato reconhecido) mas multicolores”.

(De Regina Marques, da Direcção Regional de Setúbal e dirigente do MDM).


Outras intervenções

Discriminações indirectas

“As situações retributivas hoje existentes têm duas vertentes: a discriminação directa e a discriminação indirecta.
Quanto à discriminação indirecta a realidade é claramente discriminatória, pois da análise das diversas convenções colectivas, encontramos uma realidade em que os níveis de retribuição semi-qualificados ou não qualificados têm uma maioria de mulheres e nos níveis qualificados ou altamente qualificados uma maioria de homens, sem que tais diferenciações tenham fundamentação quer na qualidade, quer na quantidade do trabalho prestado, mas são a forma que as empresas encontram para continuar a discriminar através do acesso e recrutamento do(a) trabalhador(a).”

(Augusto Praça).

Banca

“A constituição dos grupos económicos privados com grande concentração de capitais ainda não terminada trouxe consigo uma ofensiva ainda mais forte contra tudo o que são direitos, regalias e garantias dos trabalhadores.
Na banca não existe discriminação na contratação colectiva, mas a mulher tem um estatuto na prática cada vez mais degradado em relação ao homem.
As mulheres tem menor remuneração, dado que uma fatia significativa desta está dependente da total disponibilidade do trabalhador para a empresa.
Quanto à maternidade, ela é cada vez mais vista como uma ausência ao serviço que deve ser para penalizar, tal como a falta por doença ou por assistência à família. Casos há em que o direito de amamentação também não é gozado porque o trabalho em ritmos selvagens impede a trabalhadora de chegar mais tarde ou de se ausentar do serviço”

(Florinda Freire).

Comércio

"O exercício do direito da maternidade ou a falta de disponibilidade «total» por parte das trabalhadoras são utilizados frequentemente pelo patronato como justificação para a sua não promoção a postos de maior responsabilidade ou de chefia, a retirada de vários prémios e subsídios segregando as mulheres para os escalões salariais inferiores.
Se tiverem a ousadia de engravidar enquanto não forem efectivas, isso significará por certo a não renovação do contrato de trabalho ou seja o desemprego.
O crescente recurso à utilização de contratos a tempo parcial, impostos e não por livre escolha das trabalhadoras, tem conduzido a uma maior exploração através de salários reduzidos, não pagamento de subsídio de alimentação, subsídio de domingo, de horas extras, etc., utilizando os trabalhadores como «tapa-buracos»".

(Emília Marques).

A mulher portadora de deficiência

“Num universo de cerca de um milhão de deficientes que existem em Portugal, cerca de 50% são mulheres que enfrentam a dupla discriminação pelo facto de serem do sexo feminino e de serem deficientes.
Nesta sociedade de consumismo em que a mulher é considerada como “objecto” e que tem de parecer bela, perfeita e eficiente para corresponder à imagem estereotipada, fazem com que a mulher portadora de deficiência não tenha acesso ao emprego, ao amor, a constituir família e a ter sucesso”.

(João Valentim).

Educação

“Em 97 a percentagem de mulheres que não possui qualquer grau de instrução é ainda muito elevada - 25,5% - em comparação com os homens - 12,9% - na mesma situação. Mas têm sido alcançados marcos positivos no que respeita à educação representando as mulheres mais de metade da população nos diferentes graus de ensino em 97: ensino secundário - 51,3%; ensino médio politécnico - 68,8%; ensino superior - 50,9%.
Representatividade de mulheres no pessoal docente: Educação pré-escolar - 99,1%; ensino básico e secundário; 75,4%; ensino superior politécnico: 42%; ensino universitário - 36,1%. Quanto à carreira académica, dados relativos a 97: Professor auxiliar - 53,4% mulheres; professor associado - 32,6% mulheres; professor catedrático - 6,7% mulheres.
Há uma espécie de limiar invisível que a partir de certa altura, impede a progressão das mulheres”.

(Dra. Dulce Rebelo).


«O Militante» Nº 239 - Março / Abril - 1999