Não se adivinhava a revolução de Abril. Mas
nos primeiros meses do ano de 74 e quanto mais se aproximava o
Dia Mundial do Trabalhador sentia-se nas fábricas, nos locais de
trabalho, nos sindicatos com direcções verdadeiramente
representativas, nas colectividades, nas escolas, nas conversas
conspirativas que, apesar de proibido, estava em curso a
preparação e realização de um grande 1º de Maio nas grandes
cidades e locais de concentração operária.
Um grande movimento de massas
Estava em marcha um grande movimento de massas. Desde o final do
ano de 73, mais de 100 mil trabalhadores de 200 empresas, 60 mil
dos quais recorrendo à greve, desenvolviam processos de luta em
torno de reivindicações imediatas.
A escalada da repressão fascista que se abatia sobre quadros do
Partido e sindicalistas, o aumento das prisões e torturas e a
apertada vigilância da PIDE junto das sedes dos sindicatos e das
empresas onde os trabalhadores se destacavam pela sua
combatividade e luta, eram reveladores da inquietação dos
dirigentes da ditadura fascista e dos danos dos monopólios.
Empresas houve, como a CUF, que aquartelaram durante meses uma
força da GNR.
Em Março de 74, já o Avante! clandestino destacava
na primeira página o apelo dirigido aos trabalhadores,
estudantes, intelectuais, soldados, marinheiros, antifascistas,
para fazer do 1º de Maio uma jornada de luta contra a carestia
de vida. Para fazer do 1º de Maio, também, uma jornada de luta
pelas liberdades democráticas contra as guerras coloniais, pela
independência nacional e pela paz.
Entretanto, a Intersindical, constituída em Outubro de 70,
desenvolvia uma intensa actividade nos meses de Fevereiro, Março
e Abril, apesar do aumento das pressões e vigilância da
polícia política. O Sindicato dos Metalúrgicos de Lisboa, em
articulação com a Intersindical e outros sindicatos do sector,
designadamente do Porto, Braga e Leiria, potenciavam a
mobilização para o 1º de Maio através da reivindicação
unificadora de um salário mínimo justo e digno de
6.000$00, despoletando fortes movimentos reivindicativos em
muitas empresas e realizando grandes Assembleias operárias. Os
negociadores sindicais (na altura Sérgio Ribeiro e Carlos
Carvalhas), sempre em minoria na composição das mesas negociais
corporativas, desempenhavam um importante papel na conquista de
novos direitos contratuais e na denúncia do Ministério das
Corporações face à defesa que faziam dos interesses do
patronato. Esta nova consciência das massas sobre a
responsabilidade e a natureza do regime fascista comprova-se com
o exemplo da realização em Março, na Voz do Operário, de uma
Assembleia de Metalúrgicos, em que o comandante do fortíssimo
destacamento de polícia, que cercava o edifício e invadiu a
sala e o palco, punha como condição: "falem mal dos
patrões mas não falem mal do Governo, se não..."
O Sindicato dos Metalúrgicos, na Calçada de Santos, fervilhava
de movimento. Activistas e delegados de empresa informavam das
lutas, faziam o ponto da situação das negociações. Os jovens
dirigentes eleitos que tinham ido substituir a direcção
anterior, por demissão e prisão dos seus membros, aprendiam o
sindicalismo na acção e na ligação estreita com os
trabalhadores. Apreendendo orientações do Partido e do jornal
Avante!, elaboravam durante a noite pequenas tarjetas
a apelar ao 1º de Maio no Rossio e na Cintura Industrial,
acrescentando aos objectivos da luta reivindicativa o fim da
guerra colonial e do fascismo, pelo direito à greve. Na manhã
seguinte, desde Sacavém a Vila Franca de Xira, na zona
industrial de Alcântara, da Amadora, Cascais, Oeiras, as
tarjetas eram colocadas nos balneários e à porta das empresas e
lidas por milhares de trabalhadores.
Soube-se depois de Abril que o governo fascista estava decidido a
levar por diante, no dia 30 de Abril, uma vasta operação de
detenções e prisões de dirigentes e activistas sindicais para
travar e desmobilizar as acções do 1º de Maio de 74.
O maior dos Maios
Não tiveram tempo por causa da revolução de Abril. A adesão
imediata do povo e, em particular, dos trabalhadores ao vitorioso
movimento revolucionário dos capitães de Abril foi espontânea,
mas antecedida e caldeada por muitas lutas.
As explosões de alegria, a ânsia de sorver a liberdade sufocada
por quase meio século de ditadura fascista, naqueles primeiros
dias depois da revolução de Abril, começaram a direccionar-se
em torrente para o 1º de Maio. Os dirigentes da Intersindical e
os principais sindicatos estiveram, de véspera, e até às
tantas da madrugada, a discutir pormenores do desfile e do
comício em Lisboa, sem terem a dimensão do que ia acontecer. Foi o maior dos Maios. Só possível por causa de Abril.
Ali estiveram quase um milhão de portugueses, sem contar com as
muitas centenas de milhar que estiveram no Porto, Braga, Aveiro,
Coimbra, Covilhã, Marinha Grande, Santarém, Barreiro, Alentejo,
Faro, e em centenas de outras cidades e localidades, por todo o
País.
O estádio da ex-FNAT ali passou, nesse dia, a ser o Estádio 1º
de Maio. A palavra de ordem marcante era o povo unido
jamais será vencido, mas as exigências eram do fim
da guerra colonial, a restauração das liberdades e mais
justiça social.
Impressionava ver aquela mole humana sem quase nenhum
enquadramento organizado, salvo a novidade de um pequeno e
prestável jipe com um cabo e dois soldados da GNR, desfilar
harmoniosamente, encher um estádio que não chegou para tanta
gente, a transbordar de alegria, civismo e pluralidade
convergente.
Na tribuna, os dirigentes sindicais e os principais dirigentes do
MDP, do PS e do PCP discursaram, convergindo na importância da
aliança Povo-MFA e onde se destacou o papel do Partido Comunista
Português na sua luta de resistência contra o fascismo. Momento
em que Mário Soares proclamava a necessidade do governo
provisório ser cimentado nos dois partidos das classes
trabalhadoras, PCP-PS, enquanto o camarada Álvaro Cunhal
propunha a unidade das massas populares com todos os grupos
socialistas, com os católicos progressistas e a aliança do povo
com o MFA. Acima de tudo, foi um momento em que muitas centenas de
milhar de mulheres e homens, trabalhadores, se sentiram
protagonistas da história e obreiros da liberdade, da justiça
social e da democracia, disponíveis para participar nas etapas
seguintes do processo mais realizador, audacioso e avançado da
nossa história contemporânea.
A uma distância de quase 25 anos, a CGTP-Intersindical Nacional
soube sempre ser portadora das aspirações mais fundas e
sinceras que animavam aquela gente em Maio, mantendo a
autenticidade das comemorações do Dia Mundial do Trabalhador
nas suas componentes de festa e de luta. Assim será, com certeza, no dia 1 de Maio de 1999.