Parlamento Europeu
Uma presença única que importa reforçar


Joaquim Miranda
Deputado do PCP ao Parlamento Europeu

É já no próximo dia 13 de Junho que se realizarão as eleições para o Parlamento Europeu. Mas muitos se interrogarão ainda, tendo presente o elevado nível de abstenção que se verificou em eleições anteriores, sobre a importância das mesmas e o interesse em nelas participar (nomeadamente eleitores regulares da CDU em eleições para outros orgãos).
Parece assim oportuno dar a conhecer alguns aspectos fulcrais do posicionamento e da actividade desenvolvida pelos deputados do PCP no Parlamento Europeu, como forma de (re)afirmar a utilidade da sua presença nesta instituição comunitária e, assim, melhor combater o abstencionismo que tem atingido e penalizado a CDU.


Importância do PE e motivações

Convirá, antes de mais, desfazer uma ideia ainda muito generalizada: a de que o Parlamento Europeu tem competências limitadas. Com efeito, hoje já não é bem assim e, seguramente, sê-lo-á ainda menos num futuro próximo, após a entrada em vigor das alterações ao Tratado da União Europeia adoptadas em Amesterdão.
Para além das tradicionais e relevantes atribuições no domínio orçamental, o Parlamento - que é inegavelmente um forum político de importância crescente, até pelo facto de ser a única instituição comunitária resultante de eleições directas - intervém ainda em domínios muito vastos e tem já uma palavra decisiva na definição de legislação comunitária em diversas áreas, nomeadamente em parceria (processo de co-decisão) com o Conselho (orgão em que têm assento os governos). E tais orientações comunitárias têm uma incidência crescente em vastos domínios da vida nacional. Acresce ainda o importante papel de fiscalização que igualmente lhe está incumbido e que a recente votação de uma moção de censura à Comissão Europeia bem ilustra.
É porque estão conscientes desta realidade que os deputados do PCP no Parlamento Europeu - e como é timbre dos eleitos comunistas em qualquer instituição - também aí não se poupam a esforços. E fazem-no, neste caso, com motivações bem precisas e em direcções muito claras:

- Defendendo intransigentemente os interesses nacionais, nas negociações mais gerais, mas igualmente nos debates sobre aspectos específicos com incidência para o País, potenciando o que de positivo deles poderá resultar e tentando evitar - e evitando, não raras vezes - o que de prejudicial resultaria da concretização de certas propostas, invocando para isso, e permanentemente, o objectivo da coesão nacional.
- Acompanhando, a par e passo, intervindo e influenciando o curso do processo de integração. E não são de pequena monta as alterações que lhe têm sido ou se perspectivam virem a ser introduzidas (lembremos Maastricht e Amesterdão ou, mais concretamente, o euro e o Banco Central Europeu; ou a Política Externa e de Segurança Comum; também Schengen; mas ainda o alargamento, a Agenda 2000 e as reformas dos fundos e da PAC).
- Colocando as questões sociais no centro das suas preocupações e iniciativas, o desemprego e a qualidade do emprego, antes de mais. No contexto de debates sobre a matéria, mas também no âmbito da discussão de políticas ou orientações mais gerais mas que para tal se revelam determinantes.
- Mantendo uma estreita articulação com o País e com as suas realidades próprias, com as organizações sectoriais e regionais do Partido e com múltiplas organizações unitárias, profissionais ou outras, efectuando permanentes deslocações por todo o território nacional, sempre com o objectivo de introduzir na agenda europeia as preocupações e aspirações nacionais.


As outras forças políticas portuguesas

Tais orientações e a determinação posta pelos deputados do PCP na sua concretização ganharam, entretanto, singular significado e alcance face - e em contraste - ao comportamento assumido pelas restantes forças políticas portuguesas representadas no Parlamento Europeu e pelo próprio Governo. E assim é porque este manteve, no essencial, as principais orientações e linhas de negociação da política comunitária antes levada a cabo pelo Governo de Cavaco Silva: ausência de uma estratégia, afastamento dos portugueses das grandes decisões, troca dos sectores produtivos por alguns fundos, “postura de aluno bem comportado” nos processos negociais e na transposição para o domínio interno das orientações comunitárias, má gestão dos montantes transferidos pela UE, acentuação das desigualdades regionais e sociais e total alinhamento político-militar com as forças e países com posições mais retrógradas.
Relativamente aos deputados das outras forças políticas: os deputados do PS, com uma muito fraca iniciativa parlamentar, limitaram-se, no essencial, a secundar as posições do Governo ou a seguir, quando a lógica dos grupos parlamentares o impôs, as determinações daquele em que se integram, resumindo-se o seu posicionamento geral a um confrangedor seguidismo das orientações comunitárias predominantes.
Posição muito semelhante foi a assumida pelos deputados do PSD, já que com aqueles identificados nas questões fundamentais e ainda porque manietados pelos permanentes compromissos estabelecidos entre o grupo em que se integram e o grupo socialista.
Uns e outros mais parecem empenhados na introdução no País das orientações adoptadas em Bruxelas do que aí fazerem eco das preocupações e reclamações nacionais.
Quanto aos deputados do CDS/PP apenas referir, passada a fase de demagogia e populismo anti-europeísta, a recente pirueta política de 180 graus, que os levou, de um dia para o outro, a apoiar o Tratado de Amesterdão, a concordar com a União Económica e Monetária ou a conceder cega confiança à Comissão, como na recente votação da moção de censura...
A título de exemplo, refira-se que dum rápido balanço desde o início da legislatura até Setembro passado e numa perspectiva apenas quantitativa se retira que os três deputados do PCP haviam participado em 268 debates, realizado 25 relatórios e efectuado 263 requerimentos ao Conselho e à Comissão, contra, por exemplo, 256 debates, 32 relatórios e 436 requerimentos dos dez deputados do PS!
É óbvio que, num tal quadro, os deputados do PCP se diferenciaram e que, coerente e intransigentemente, se afirmaram na defesa dos interesses nacionais, dos valores sociais e na procura de um novo rumo para o processo de integração europeia.


Actividades dos deputados do PCP

E, registe-se, esta foi - e continua a ser - uma legislatura em que se multiplicaram assuntos e debates de extrema importância e quando não mesmo de particular gravidade: da concretização da União Económica e Monetária - com o euro, o Banco Central Europeu e Pacto de Estabilidade - ao Tratado de Amesterdão; dos ensaios de reformas institucionais gravosas (rotação das presidências, ponderação de votos no Conselho, composição da Comissão, línguas de trabalho...) às duas moções de censura à Comissão ou ao novo estatuto remuneratório dos deputados; do alargamento aos recursos próprios comunitários e à Agenda 2000 - com as reformas dos fundos, o novo Quadro Comunitário de Apoio e a reforma da PAC; do falhanço do Livro Branco sobre o emprego à cimeira de Luxemburgo; da Organização Mundial de Comércio e do AMI aos acordos de Lomé.
Em todos estes domínios os deputados do PCP assumiram, responsável e oportunamente, uma posição clara, marcante, quando não mesmo determinante. De tal forma que são hoje vozes ouvidas e respeitadas no Parlamento Europeu, mesmo quando em discordância.
E assim é também porque souberam guindar-se a funções institucionais relevantes (Sérgio Ribeiro é questor e Joaquim Miranda é vice-presidente da Assembleia Paritária ACP/UE, para além de vice-presidente do grupo em que se integram os deputados do PCP; porque, pela primeira vez, um deputado português e exactamente um deputado comunista (Joaquim Miranda) foi relator orçamental; porque elaboraram vários outros relatórios de inegável importância; porque integraram delegações relevantes (a última das quais a Marrocos, a fim de tratar de questões pesqueiras, integrada por Honório Novo).
Mas, sobretudo, os deputados do PCP mantiveram-se atentos e intervenientes em domínios especificamente de interesse para o País: relativamente a sectores decisivos como o têxtil, o vinho, o azeite ou as pescas; a grandes empreendimentos como o Alqueva, a Ponte Vasco da Gama ou o Metro do Porto; a situações excepcionais como a relativa à BSE e ao embargo subsequente; a questões transfronteiriças como a de Aldeadávila ou do plano hidrológico espanhol; a problemas económico-sociais como o da Renault ou, mais amplo, o da redução do tempo de trabalho à igualdade das mulheres ou ao desemprego dos jovens, às regiões ultraperiféricas, à droga e ao branqueamento de capitais, à emigração e aos fenómenos de racismo e xenofobia, às catástrofes (nos Açores, na Câmara Municipal de Lisboa ou na agricultura), às gravuras de Foz Coa.
Centenas de intervenções, resoluções, propostas e perguntas foram, sobre estes e muitos outros temas, formuladas pelos deputados do PCP e muitas vezes com resultados positivos. Por exemplo, fazendo incluir, em vários relatórios, a exclusividade da gestão das doze milhas pelos Estados ribeirinhos ou o princípio da modulação das ajudas directas aos agricultores, de forma a garantir maiores apoios aos pequenos e médios agricultores; fazendo adoptar, em relatório próprio, a consideração do sector têxtil como uma fileira produtiva; fazendo aprovar verbas no orçamento comunitário para reconversão das florestas nacionais e para prevenção de incêndios; consignando, no mesmo orçamento, montantes a destinar às cidades consideradas património mundial pela UNESCO, às PME, particularmente do sector têxtil e à participação das instituições comunitárias na EXPO.
E nunca esquecendo o povo de Timor, em prol de cuja luta, aliás, conseguiram fazer inscrever no orçamento comunitário, pela primeira vez, uma significativa verba.
Um tal nível de intervenção só foi e é possível pela profunda e permanente ligação ao País. Tal ligação consubstanciou-se em deslocações de norte a sul, aos Açores e à Madeira; em contactos com os mais diversos sectores; na participação em inúmeros colóquios e outras sessões similares; em conferências de imprensa diversas e sobre variados temas; em convites a múltiplos e diversificados grupos de visitantes. E ganhou uma simbólica expressão em momentos singulares como os ocasionados pela “Embaixada do Alentejo a Estrasburgo”, pela presença de José Saramago em Bruxelas (que irá repetir-se, agora já como Prémio Nobel) ou com a actuação do Coro Lopes Graça, da Academia de Amadores de Música de Lisboa, ainda na capital belga.


O Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica

Entretanto, importa dizê-lo, a intervenção dos deputados do PCP ganhou no último mandato uma força redobrada e uma eficácia acrescida com a formação e a sua integração no Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica (GUE/NGL).
Fruto da articulação e da comunhão de vontades de diversas forças políticas e deputados comunistas e progressistas oriundos de diversos Estados membros da União Europeia - Espanha, Finlândia, França, Grécia, Itália, Portugal, Reino Unido e Suécia -, este grupo parlamentar, com 34 deputados, consolidou-se e afirma-se crescentemente como uma nova realidade do Parlamento Europeu, sendo incontornável o papel positivo nele desempenhado pelos três comunistas portugueses, não raras vezes referido como o “cimento” deste novo grupo.
Não estão sós, assim, os deputados do PCP. E, como que a reafirmá-lo e a apontar para um futuro que se augura ainda mais favorável aí está, com vista às eleições europeias de Junho de 1999, o Apelo Comum “Por um novo rumo da construção europeia”, subscrito em Viena por treze formações políticas de esquerda de doze países e posteriormente divulgado em Paris.

A presença dos deputados do PCP no Parlamento Europeu tem-se revelado indispensável. É, por isso, necessário assegurar a sua continuidade. Mais: o País e os trabalhadores muito beneficiariam com o reforço desta presença insubstituível. Mas, para tanto, é fundamental o empenhamento de todos no processo eleitoral que se aproxima: Esclarecendo. Participando. Com confiança e determinaçã.


«O Militante» Nº 239 - Março / Abril - 1999