O emprego a tempo parcial tem uma importância
crescente na União Europeia, tendo-se desenvolvido sobretudo a
partir dos anos 80. Nalguns países atinge valores acima dos 20%
do emprego assalariado. Tem sido muitas vezes objecto de medidas
de encorajamento e de incentivos. Qual a evolução concreta
verificada e quais as razões que explicam tal crescimento? Será
que existem razões, como seja a qualidade destes empregos, que
justifiquem um apoio público?
Em 1997, dos 124,6 milhões de assalariados da UE, cerca de 22
milhões trabalhavam a tempo parcial (1), dos quais mais de 18
milhões eram mulheres. Este emprego representa já 17,6% do
total dos assalariados e não pára de crescer. Nos últimos 6
anos, o emprego a tempo parcial cresceu sempre, enquanto o
emprego a tempo inteiro caiu em cinco anos (Comissão Europeia,
1998). Em 1997, estes empregos abrangiam mais de um quinto dos
assalariados em quatro países: Holanda (com 38%!), Suécia,
Reino Unido e Dinamarca. Mas existem grandes diferenças
apresentando alguns países - do Sul principalmente - valores
modestos face à média (Grécia, Portugal, Itália, Espanha e
Luxemburgo). Em Portugal, o valor passou de 2,9% em 1987 para
5,6% em 1997 (173 mil trabalhadores).
A evolução de longo prazo
No início dos anos 70, o emprego a tempo parcial tinha uma
expressão limitada. Nos países capitalistas desenvolvidos, em
poucos se ultrapassava os 15% (casos dos Estados Unidos e do
Reino Unido). Nos países socialistas, o emprego a tempo inteiro
assegurava a quase totalidade do emprego, o que não impedia uma
elevada participação feminina na economia. Quanto aos
restantes, é mais difícil avaliar a situação. Mas o emprego a
tempo parcial não seria significativo.
Esta realidade muda nos anos 80 com a forte expansão dos
empregos a tempo parcial. O crescimento manteve-se na década de
90, mas parece tender a estabilizar-se nalguns países (Suécia,
Dinamarca, Reino Unido).
Nos Países Baixos, este emprego explodiu passando de
16,6% em 1979 para 38,3% em 1997, explicando em boa parte o
chamado milagre holandês do emprego (2) .
Diversos motivos têm sido apontados. A necessidade de
compatibilizar o emprego feminino com as tarefas domésticas e
com o cuidado dos filhos é hoje a versão moderna
das concepções tradicionais sobre o papel da mulher na
sociedade e sobre o carácter complementar (parcial!)
do seu salário; representa um risco de regressão em relação a
conquistas alcançadas relativas a uma maior igualdade; traduz a
falta de equipamentos sociais - muitas mulheres trabalham
voluntariamente a tempo reduzido por falta de creches
e jardins de infância.
Com frequência se menosprezam as razões ligadas à oferta.
Trata-se de empregos mais flexíveis, isto é mais inseguros, com
custos mais baixos e que têm muitas vezes uma maior
produtividade, no sentido de que os trabalhadores
são empregues nos períodos de maior actividade, por exemplo,
nas horas de ponta, no comércio, num restaurante, etc.. Os
salários são mais baixos e os trabalhadores têm menos
direitos. Existem ainda incentivos que embaratecem este trabalho
(por ex: ausência ou menores descontos para a segurança
social). Este tipo de emprego representa também a resposta
patronal às reivindicações de horários mais reduzidos sem
perda de salário.
Emprego a tempo parcial e emprego feminino
O trabalho a tempo parcial está estreitamente ligado às
mulheres e permite em muitos casos que as mães possam tratar das
suas crianças e realizar as tarefas domésticas ao mesmo tempo
que exercem um emprego remunerado (Fondation Européenne
pour l'Amelioration des Conditions de Vie et de Travail. 1995).
Vejamos a expressão do emprego assalariado feminino. O quadro
permite verificar:
- a forte concentração deste emprego nas mulheres - 82% do
total;
- a elevada concentração nos serviços - comércio,
restaurantes, hotelaria, banca, seguros, limpeza, etc.;
- um terço das mulheres trabalhadoras são ocupadas a tempo
parcial, mas com grandes diferenças nos vários países - de 6%
na Grécia a 68% na Holanda;
- embora este emprego tenha alguma associação com a taxa de
actividade, podemos observar que existem países, como Portugal,
onde a participação significativa das mulheres na economia se
fez por via de empregos a tempo inteiro, embora esta situação
esteja a mudar.
Assalariamento a tempo parcial e emprego feminino
Total (mil)
M (mil)
% das M
% M nos serviços
% MTP no total emprego feminino
Taxa de actividade das M (%)
Fonte: Eurostat
Notas: 1) M = mulheres e MTP = mulheres a tempo parcial; 2) A
taxa de actividade é a relação entre o emprego e a população
em idade de trabalhar
O emprego feminino está fortemente concentrado num número
restrito de sectores e num pequeno número de empregos (as
profissões administrativas e os empregados de serviços e vendas
representam cerca de 45% do total - 17% para os homens). A
expansão do emprego a tempo parcial tem reforçado esta
segregação. O aumento da importância do trabalho a tempo
parcial não só reforça a segregação no emprego como tem o
efeito complementar de diferenciar as mulheres afectadas em
relação ao outros membros da população activa. Onde quer que
ocorra, o emprego a tempo parcial reforça a concentração das
mulheres a um número ainda mais limitado de empregos e de
profissões. (Comissão Europeia, 1993)
Quanto à conciliação do emprego com as responsabilidades
familiares - significativamente atribuída só à mulher -, a
explicação só parcialmente é válida porque se constata que
as mulheres com mais de 50 anos e com filhos trabalham mais a
tempo parcial, precisamente quando já são menores os
condicionalismos ligados ao cuidado dos filhos (Comissão
Europeia, 1993).
Emprego a tempo parcial e direitos dos trabalhadores<br>
Os trabalhadores a tempo parcial são vítimas frequentes de
discriminações. Em muitos países têm direitos inferiores por
via da fixação de critérios de acesso a direitos (limiares).
Um limiar pode significar concretamente que os trabalhadores que
não tenham uma certa duração do trabalho, uma dada antiguidade
ou uma determinada remuneração não gozam de parte ou da
generalidade dos direitos.
Um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1993)
mostra que tais limiares são correntes nos países comunitários
abrangendo diversos aspectos das relações de trabalho (salário
mínimo, horas extraordinárias, despedimentos, férias,
actividades sindicais, etc.). Os direitos à segurança social
são também limitados quer pelos baixos salários quer por
outros factores, como a existência de um valor mínimo de
salário para se poder descontar (plancher). O
problema das baixas pensões tenderá pois a agudizar-se no
futuro. Em síntese, muitos destes trabalhadores são tratados
como marginais ou ocasionais. (3)
A duração do trabalho reveste uma importância fundamental: em
regra, quanto mais baixa for menos direitos são reconhecidos. As
estatísticas comunitárias mostram que 64% destes trabalhadores
têm horários até 20 horas e 27% até 10 horas (35% na
Holanda). Contata-se também que um número significativo de
trabalhadores não efectuou trabalho. Esta situação poderá
estar relacionada com os chamados contratos de zero
horas em que o trabalhador apenas é ocupado quando o
empregador tem necessidade, por exemplo para reforço em período
de ponta, sendo assim sobre-explorado.
Emprego a tempo parcial: porta de entrada ou logro?
O problema não está só na existência de critérios de acesso
a direitos e a benefícios da segurança social. Diz-se com
frequência que este emprego pode ser uma porta de entrada para
empregos melhores, mas não será antes um logro (Bollé, 1977)?
Estes empregos têm desvantagens significativas. Os salários
são mais baixos devido, entre outros factores, à concentração
em actividades de fracas remunerações, a horários reduzidos,
às baixas qualificações e a menores direitos que se traduzem
directamente nos salários (promoções, prémios, horas extra,
remuneração da antiguidade, etc.). A carga de trabalho tende a
ser mais elevada, porque uma das razões de recurso a estes
empregos é precisamente a ocupação em períodos de pico ou de
maior actividade das empresas. E existem desvantagens óbvias
quanto às carreiras profissionais e ao acesso à formação. A
conclusão é a de que o emprego a tempo parcial costuma
ser, sobretudo para as mulheres, um factor agravante de
determinadas desvantagens de partida, como o baixo nível de
qualificação que debilitam a situação do trabalhador no
mercado laboral (idem).
Assalariados a tempo parcial segundo o nº de horas
efectuadas
(%) 1997
Os empregos a tempo parcial estão na fronteira da
precaridade. Ainda que sejam compatíveis com a estabilidade de
emprego, estão mais sujeitos à precaridade, o que resulta quer
de práticas quer de dispositivos legais. Devemos ter presente as
condições de acesso a direitos, que foram já referidas. Tais
condições podem respeitar à cessação do contrato de
trabalho, isto é, à não protecção legal contra os
despedimentos. O estudo da OIT indica que tal acontecia na
Áustria, Dinamarca, Irlanda e Reino Unido.
Uma outra razão, respeita à frequente conjugação de empregos
a tempo parcial com contratos a prazo. As estatísticas
comunitárias revelam que 19% dos assalariados a tempo parcial da
União Europeia têm contratos de duração determinada (10% nos
assalariados a tempo inteiro). Nalguns destes países, esta
percentagem é muito elevada, como na Grécia e Espanha (entre 55
e 60%), Irlanda (mais de 40%), Finlândia (mais de 35%) e França
(mais de 25%).
Assim, o desenvolvimento do emprego a tempo parcial, ao menos
na sua componente de curta duração, tem constituído uma das
formas do crescimento da precarização do emprego, a par,
nomeadamente, do aumento dos contratos a prazo, do trabalho
temporário, e do falso trabalho independente.
Notas:
(1) Abordaremos aqui o emprego a tempo parcial assalariado,
excluindo o que é exercido por conta própria.
(2) O "modelo" holandês é em boa parte explicado por:
- emprego a tempo parcial de má qualidade: a "maioria das
mulheres são ocupadas em pequenos trabalhos ('boulots') cobrindo
7 profissões sobre a centena recenseada, essencialmente na
administração, na saúde e nas actividades ligadas às
crianças. Em cem, apenas uma ganha mais que o seu marido"
(Vidal, Dominique, 1997);
- um elevado grau de exclusão do mercado de trabalho,
particularmente dos trabalhadores com 50 e mais anos (Schmidt,
Gunther, 1997).
(3) O problema dos critérios de acesso aos direitos espelha, em
nossa opinião, a contradição entre os princípios da igualdade
de tratamento, pelo menos da igualdade de remuneração entre
homens e mulheres, e as práticas em vigor, apesar de existir
jurisprudência comunitária que as considera discrimatórias
(OIT, págs. 49 e 51).
Bibliografia
- Bollé, Patrick. 1997, El Trabajo a tiempo parcial,
Libertad o trampa?, Revista Internacional del Trabajo,
vol. 116 (1997), nº 4.
- Comissão Europeia. 1998. L´Emploi en Europe 1998,
COM/98/666
- 1993, Emprego na Europa 1993, Bruxelas.
- Eurostat. 1998, Enquête sur les Forces de Travail,
1998, Luxembourg.
-1997, L´emploi à temps partiel dans l´Union
Européenne, Statistiques en Bref, 1997, nº 13,
Luxembourg.
- Fondation Européenne pour l´Amelioration des Conditions de
Vie et de Travail. 1995, Le travail à Temps Partiel,
1995.
- OIT. 1992, Le travail à temps partiel, Rapport V(1)
à Conférence Internationale du Travail (1193), Genève.
- Schmidt, Gunther. 1997, Miracle néerlandais de
l´emploi? Le système de lémploi aux Pays-Bas et en
Allemagne: une comparaison, MISEP, Politiques, nº
59, Automne 1997.
- Vidal, Dominique. 1997, Miracle ou mirage aux
Pay-Bas, Le Monde Diplomatique, Juillet 1997.