Um "socialismo" anti-socialista...



Segundo o DN (28/8/98), Jacques Delors, que dirigiu a Comissão da União Europeia antes do actual sr. Santer, afirmou recentemente que “o novo rosto do socialismo democrático” é António Guterres.
Como se sabe, é opinião generalizada que a orientação política e económica do actual Governo é semelhante à do PSD. Isto significa que há muito - se calhar desde o primeiro governo de Mário Soares - estamos vivendo naquilo que Delors chama de “socialismo democrático”.

Com certeza, Delors soube da visita que Guterres fez a França em Março de 1997. Dizia, então, o DN (4/3/97) que, “perante os representantes do patronato francês, (...) grande parte da plateia ficou confusa sobre o real enquadramento político de António Guterres.” “No final, - noticia o DN - os patrões franceses, em sinal de concordância, aplaudiram-no com visível entusiasmo”. Nem outra coisa seria de esperar pois, segundo sempre a notícia do DN, Guterres explicou que “há 20 ou 30 anos, os socialistas pensavam que existia um dualismo entre patrões e trabalhadores. Hoje não pensam mais assim”. Em substituição da luta de classes marxista, Guterres colocaria a presente bipolarização “entre cidadãos e excluídos”.
Trata-se de um “socialismo” que entusiasma os patrões. É com os patrões, particularmente os de maior peso, que Guterres tem um relacionamento preferencial.
Não com os trabalhadores, evidentemente.
Ainda antes de dirigir o Governo, sabe-se que Guterres reuniu com o presidente da CIP (com a presença do então dirigente do CDS, Manuel Monteiro). É por isso que, logo em Fevereiro de 96, numa sua entrevista a O Diabo, o vice-presidente da CIP, Nogueira Simões, classifica o Governo de “o nosso amigo” pois aceitou que “a flexibilidade e a polivalência, que eram as nossas condições, fossem registadas em concertação.”
Trata-se de um socialismo que procura normalmente que o aumento dos salários não seja superior ao da inflação prevista (e, depois, muitas vezes, a inflação ultrapassa o valor que o Governo “esperava”). Deste modo, o aumento da produtividade vai todo para os “seus amigos”, os patrões (os grandes, claro). É por causa deste “socialismo” que, nunca no nosso País, os capitalistas se sentiram tão bem... Até há dados objectivos que o confirmam. A percentagem do Rendimento Nacional que cabe aos trabalhadores é, nos tempos actuais, ainda menor do que no tempo do fascismo. E, mesmo nos últimos anos, vai-se sempre alargando a diferença entre os que têm melhores rendimentos e os que têm menores rendimentos. É um “socialismo” sui generis... Um "socialismo capaz de apresentar um pacote laboral que escraviza os explorados e oferece a elevação dos lucros aos exploradores.

Não saberá o político francês, Delors, o que está a dizer? Não só sabe o que está a dizer como sabe que este “socialismo” é, evidentemente, um “capitalismo”. E de democrático tem muito pouco. Com verdade, tem de se lhe chamar um capitalismo com democracia muito limitada


«O Militante» Nº 237 - Novembro / Dezembro - 1998