A emergência da comunicação mediada por computador
Meios de comunicação: a nova mutação

Francisco Silva
Engenheiro

Até há bem pouco tempo estávamos habituados a ver televisão, a ouvir rádio, a telefonar - de casa, do trabalho, de um posto público -, a enviar telegramas, telefonados ou escritos na estação dos correios, ou ainda, em certos postos de trabalho, a utilizar o telex.
Recentemente foi o fax e o telemóvel que alteraram completamente este panorama estável dos meios de comunicação electrónicos.
Contudo, a grande novidade estava ainda para vir: a comunicação mediada por computador ou, para referirmos o termo que ficou no ouvido do grande público, a Internet.
É certo que os dois termos não são sinónimos. O primeiro recobre uma área mais ampla do que o termo Internet. Aliás, nomeadamente, as redes de comunicação mediada por computador começaram por ser ilhas que, posteriormente foram sendo interligadas, até hoje se poder falar na rede das redes que é a Internet. No entanto, como não é o esclarecer com rigor esta questão aquilo que nos propomos fazer neste artigo, não insistiremos mais nela para não nos desviarmos do nosso objectivo.
O que nos parece realmente importante é efectuar aqui uma análise, ainda que breve, sobre o que nos traz de novo este meio de comunicação.
Para o compreendermos é necessário destacar primeiro algumas características principais da situação que a comunicação mediada por computador foi encontrar quando entrou no terreno dos meios de comunicação electrónicos sumariamente enumerados mais atrás.

Meios de comunicação síncronos e assíncronos

Uma primeira questão é a relativa ao chamado sincronismo, isto é, à necessidade do utilizador que recebe estar presente e activo no acto de comunicação quando a informação é enviada.
É o caso de um meio de comunicação interpessoal como o telefone. Uma situação que se agudizou com o aparecimento do telemóvel: o recebedor da chamada tende a ter de estar acessível em permanência, em qualquer lugar, em qualquer ponto da sua deslocação e, portanto, em qualquer momento.
É também o caso do mais poderoso dos meios de comunicação social: a televisão. Poderá ser argumentado que isto era assim até aparecerem os vídeos. De facto, e não obstante a invasão pelos vídeos de uma parte importante das residências, no essencial a utilização da televisão continua a ser efectuada em modo síncrono.
Esta característica de sincronismo é inerente aos principais meios de comunicação cujos conteúdos são constituídos por mensagens audiovisuais (também o é para o cinema, para além da televisão), ou sonoras, como é o caso de um meio de comunicação social como a rádio, para além do meio de comunicação interpessoal que é o telefone.
Por outro lado, os meios de comunicação que empregam mensagens gravadas em suportes disponibilizados “em massa”, sejam eles meios de comunicação social, como a imprensa, os discos, os filmes em suporte de cassete vídeo ou os livros, ou sejam meios de comunicação interpessoais, como o fax ou o telex, ou as cartas, são dedicados a uma recepção assíncrona.
Com os meios de comunicação assíncronos, o instante, o momento, não conta para o apresentar das mensagens uma vez que a sua elaboração tenha sido concluída, uma vez que a mensagem tenha sido “fixada”. Isto é, a recepção da mensagem pelo utilizador (recebedor) é efectuada quando este muito bem entende: ouve o disco, vê o filme em cassete vídeo, lê o livro, a mensagem de fax ou a de telex, apenas quando decide fazê-lo.

Efemeridade

Outra questão, aliás de certo modo ligada com o síncronismo, é a da efemeridade do acto de comunicação - a informação é-nos transmitida e vai-se tal qual como chegou; restam-nos fragmentos na memória que podem ser recuperados numa outra ordem contextual e reconstruídos com um padrão diferente do inicial.
Tal característica é própria, de um modo geral, dos meios de comunicação classificados como síncronos. É verdade que existe a possibilidade de gravar as mensagens que são enviadas, mas utiliza-se esta facilidade normalmente apenas em situações marginais. O característico é a sua utilização síncrona e a efemeridade absoluta dos seus conteúdos. Uma vez transmitidos e recebidos passa-se adiante, a vertigem continua.
Às vezes, no mais característico e popular destes meios, a televisão, é feito o replay, com alguma frequência em câmara lenta, de uma determinada sequência, por exemplo, um golo de futebol, mas passa-se imediatamente à transmissão directa para não se perder o curso dos acontecimentos.

Meios de comunicação social, um modo de comunicação assimétrico

Os meios de comunicação social proporcionam, pela sua própria natureza, um modo de comunicação assimétrico, ao contrário do que acontece com os meios de comunicação interpessoal como é o caso do telefone. Quem emite, quem publica, é o dono do conteúdo. O recebedor recebe o que foi enviado sem ter quaquer poder directo sobre esse conteúdo (pode, evidentemente, procurar evitar-se a sua recepção, desligando o aparelho de TV ou de rádio, indo para outra divisão da casa, não olhando para o ecrã durante a sua refeição no restaurante, abolindo os livros ou os jornais da sua atenção).
Com o acentuar das tendências registadas nas duas últimas décadas do século XX, o indivíduo, o alvo das mensagens na comunicação social, terá passado de um estatuto no qual era predominante a sua qualidade de membro da sociedade em termos de influência directamente ideológica, política e cultural, para um estatuto onde predomina directamente a sua qualidade de consumidor, de audiência susceptível de influenciar as campanhas de marketing.
Tal facto não significa que os objectivos ideológicos, políticos e culturais tenham sido colocados de parte ou minimizados. Significa que a ênfase no sujeito consumidor, enquanto parte alíquota de mercado, passou a servir, para além da sua eficácia directa para a venda dos produtos (bens e serviços), também, indirectamente, como mediador para o cumprimento dos objectivos de coesão superestrutural da sociedade capitalista. Além disso, esta nova maneira de trabalhar a comunicação social tem como efeito “virtuoso” o fornecer de novos métodos de marketing (agitação, propaganda?) para as próprias acções explícitas nos níveis ideológico, político e cultural.

Impacto dos meios de comunicação junto da população

Com o aparecimento da TV, o impacto da comunicação social cresceu imenso. Passou então a falar-se da “caixa que transformou o mundo” e da “aldeia global”. Esta última metáfora, da autoria do canadiano Mc Luhan, é a que está mais em voga.
De facto, o impacto dos meios de comunicação social impressos foi sempre muito menor do que os electrónicos. Atingiram sempre, e ainda acontece assim na actualidade, uma fracção bastante pequena das populações (em geral mais pequena quanto menos desenvolvido do ponto de vista económico é o país que se estiver a considerar). Com a rádio, e mais tarde com a televisão, a situação alterou-se radicalmente. Já nem era necessário saber ler!
Mas foi com a introdução da imagem, do audiovisual, com a expansão da televisão, que o panorama acabou por ser alterado completamente: não é o mesmo ouvir um relato de futebol ou estar a assistir ao jogo pela televisão.
Aí esteve uma mutação primeira do panorama da comunicação no século XX - devida às mudanças que foram sucessivamente entrando na área da comunicação social -, que é a que ainda hoje impregna profundamente o nosso viver. Até se diz que aquilo que não vem na televisão não existe. A realidade que vivemos seria, pois, a hiper-realidade que nos é dada pelos meios de comunicação social e, em particular, pela televisão.
Por outro lado, os meios de comunicação interpessoal sempre tiveram um impacto muito mais limitado junto das populações do que os meios de comunicação social electrónicos (a rádio e a televisão).
Nomeadamente o telefone, só muito recentemente é que atingiu em Portugal uma cobertura que pode ser classificada de aproximadamente “universal”. Mas, se considerarmos a cobertura de serviço telefónico no Mundo, pode facilmente concluir-se como ainda se está bem longe de uma penetração significativa deste meio de comunicação no seio do conjunto da Humanidade. E a principal razão para esta situação tem a ver com os custos elevados que o desenvolvimento do serviço telefónico tem representado para a maior parte das sociedades.
Pelo contrário, as cartas, o serviço de correio clássico, sempre foram um meio “mais em conta”, portanto relativamente difundido... desde que o remetente saiba escrever e que o destinatário saiba ler! Ou então desde que estes encontrem quem o saiba fazer por eles. Contudo, neste caso, é uma das características principais deste meio de comunicação que não é respeitada: a privacidade.

A nova mutação propiciada pela comunicação mediada por computador

Com a introdução e vulgarização progressiva da comunicação mediada por computador, é uma nova etapa, é uma nova mutação no panorama da comunicação que está em curso.
Este novo meio de comunicação constituíu-se, logo desde o início, como um meio de comunicação assíncrono, sendo a grande aplicação o conhecido correio electrónico, o e-mail. Ironicamente, ainda é mais caro do que o telefone e também não pode ser utilizado por quem não souber escrever nem ler (costuma falar-se em ler e escrever, mas aqui é melhor dizê-lo ao contrário, uma vez que este é um meio em que o utilizador acabará por ser, sobretudo, um activo, um emissor, um criador de mensagens).
Mas, aparte a ironia sobre a desvantagem económica e a da literacia, este novo meio de comunicação transporta intrinsecamente os germes da mudança de todo o panorama da comunicação social.
Além da referida aplicação do correio electrónico, é toda uma panóplia de aplicações que utiliza os mesmos meios técnicos. Isto, desde o expor e buscar de informação (as páginas do Web) e dos grupos de discussão (os newsgroups) até às aplicações “síncronas” como os talkers e chat rooms, onde se “conversa” por escrito numa “sala” electrónica (cuja utilização até já foi aplicada numa série portuguesa para a televisão) e ao “telefone” através da Internet, tudo vai sendo possível sobre a mesma plataforma.
O novo meio de comunicação mediada por computador significa, portanto, ao contrário dos meios de comunicação actualmente dominantes, aplicações assíncronas, menos efemeridade (as mensagens são facilmente gravadas e reutilizadas) e mais simetria e interactividade (busca-se a informação que se pretende, na altura em que decidimos consultá-la, em vez de termos que estar disponíveis à hora do telejornal para receber a “papa” de retalhos que nos foi preparada). E tudo isto, como dissemos, utilizando sempre os mesmos meios técnicos, a mesma plataforma técnica - esta começa a cumprir o velho sonho de poder dispor das aplicações que necessito sem ter de andar a mudar de um para outro meio de comunicação.
É certo que as soluções disponibilizadas hoje na Internet ainda não permitem a transmissão de vídeo de alta qualidade e, portanto, um acesso conveniente a filmes ou programas de televisão. Ou ainda um serviço que possa fazer esquecer o serviço telefónico a que acedem hoje muitas centenas de milhões de pessoas em todo o Mundo. Mas nada permite afirmar que por este caminho não seja possível lá chegar. As actividades de Investigação e Desenvolvimento tecnológico aí estão a fazer o necessário caminho.
E as alterações nos padrões habituais já começam a ser bem visíveis.
Estudos efectuados nos EUA já verificaram que, entre os jovens com acesso regular à Internet, o tempo gasto com ela já suplanta o tempo utilizado em frente ao receptor de televisão.
Outro dado. Já é hoje possível afirmar que o tráfego de dados entre países importantes da Europa e os EUA, onde se encontra grande parte dos pontos interessantes da Internet, que aí nasceu, ultrapassou quantitativamente o do telefone, o qual era o rei e o senhor das telecomunicações até há bem pouco tempo. E a procissão ainda vai no adro!
Antes de terminar. Tal como dissemos, os custos envolvidos na comunicação mediada por computador tornam-na inacessível à maior parte das pessoas. Além disso, o facto de o novo meio obrigar a esforços acrescidos na capacidade de escrever e de ler, incluindo em línguas que não são a materna, sobretudo na língua inglesa, estimula o progresso é verdade, mas que parte das populações está em condições de responder positivamente, de sobreviver, a tais aguilhões?
Como será possível evitar que tais oportunidades se acabem por tornar num factor adicional e muito poderoso de exclusão, a juntar a tantos outros?
«O Militante» Nº 237 - Novembro / Dezembro - 1998