A propósito da VIII Cimeira Ibero-Americana "Globalização" e solidariedade internacionalista
Albano Nunes
Membro do Secretariado
Quando este número de
O Militante tiver chegado às mãos dos seus leitores,
já se terá realizado a VIII Cimeira Ibero-Americana,
já serão conhecidos os seus resultados políticos, já as
estruturas que convocaram e/ou apoiaram as acções de
solidariedade com Cuba e contra o Bloqueio dos EUA - Desfile
Popular, Espectáculo de Solidariedade, Corrida de Solidariedade,
- estarão voltadas para novas e necessárias iniciativas. Mesmo
assim justifica-se que, em torno da Cimeira de 17/18 de Outubro
no Porto se teçam algumas considerações minimamente adequadas
aos objectivos de formação de O Militante.
1. Sendo o tema central desta Cimeira
"Os desafios da globalização e a integração
regional", é legítima alguma curiosidade acerca do que
sobre tão candente questão será dito na reunião e projectado
na comunicação social. O imenso desastre social que aí está
leva mesmo um número cada vez maior de responsáveis pelo
"massacre" a demarcarem-se da própria obra, a lamentar
o crescimento do fosso Norte/Sul, a criticar os
"excessos" do FMI e do Banco Mundial, a admitir medidas
restritivas dos capitais especulativos, a criticar o
"ultra"-liberalismo, a reclamar medidas
"reguladoras" e controladoras da esfera política sobre
a económica. Sabendo-se que "famílias políticas"
vão pontificar nesta Cimeira e as políticas neoliberais e
antipopulares que têm sido aplicadas na quase totalidade dos
países da América Latina sob a batuta do FMI/BM, será curioso
ver até onde poderá chegar a safadeza de alguns dos mais
zelosos seguidores das receitas da Escola de Chicago. Ou as
engenharias verbais a que se verão obrigados para fugir aos
encartes da irrecusável crise financeira e económica que aí
está, com o FMI a anunciar uma "recessão global", que
paira já particularmente sobre o Brasil (quase metade do PIB
latino-americano) e a América Latina, mas que não poupará
certamente a Península Ibérica. Quanto ao Primeiro Ministro
português são de esperar declarações cheias de
"consciência" e "coração", a avaliar pelo
seu discurso de 9.9.98 em Aveiro, perante o "Grupo
Socialista" no Parlamento Europeu.
2. Propiciando a primeira visita do Presidente
da República de Cuba, camarada Fidel Castro, ao nosso País, a
Cimeira do Porto despertou um grande interesse, simpatia e
solidariedade entre o povo português. A aprovação pela
Assembleia Municipal do Porto, em 28.9.98, de uma Moção honra o
poder local democrático e o povo do Porto e tem particular
significado político. O "Apelo contra o Bloqueio e de
solidariedade com o povo de Cuba", lançado pela
Associação de Amizade Portugal Cuba e pela Comissão Regional
do Porto contra o Bloqueio, recebeu um apoio muito amplo e
adesões muito diversificadas. Personalidades de quadrantes muito
diversos, nomeadamente no quadro da Comissão Nacional contra o
Bloqueio, sindicalistas, intelectuais, artistas, desportistas,
jovens, juntaram o seu gesto e a sua voz solidária para com
Cuba.
Naturalmente que os comunistas, o PCP e a JCP, tiveram no amplo
movimento suscitado um importante papel. Na Festa do Avante!,
Cuba e a solidariedade com o povo e a revolução cubana tiveram
particular relevo, com pavilhões, exposição, debates, recolha
de fundos para a Campanha de Medicamentos e mesmo o Colóquio
sobre "globalização e cooperação
ibero-latino-americana", com a participação de dirigentes
do PCP, do PCC e da Esquerda Unida. É esse o nosso dever, tendo
bem presente que os sentimentos de solidariedade com Cuba e de
condenação do criminoso Bloqueio norte-americano são
muitíssimo amplos e susceptíveis de dar lugar a movimentos e
acções com grande expressão de massas. Esse é em primeiro
lugar mérito dos comunistas e do povo cubanos, mérito de uma
revolução que, apesar de todas as dificuldades e problemas,
não só resiste como projecta um exemplo de esperança e
confiança num futuro melhor, mais digno e mais justo, para toda
a Humanidade. Não sendo caso único, Cuba é sem dúvida a prova
provada de que resistir é possível, de que lutar vale a pena,
de que o rumo aterrador da "globalização" (e também
da "integração") capitalista não é uma fatalidade.
3. A "globalização" - ao contrário
do que pretendem os arautos do "pensamento único",
também eles a braços com crescente descrédito nas próprias
fileiras dos defensores do sistema, vide nomeadamente Mário
Soares - não é uma inevitabilidade com que os povos tenham de
conformar-se. Há sem dúvida factores de ordem objectiva que lhe
dão suporte. As extraordinárias conquistas da ciência e da
técnica e o progresso das forças produtivas solicitam novos
desenvolvimentos na divisão internacional do trabalho, na
internacionalização da actividade económica (e não só), nos
processos de cooperação e integração. Mas a
"mundialização" que aí está, aliás muito mais
limitada (à esfera financeira) do que se pretende fazer crer,
não é neutra, tem uma base e orientação de classe, é
determinada pelos interesses do grande capital transnacional e,
perante o desaparecimento da URSS e do socialismo como sistema
mundial, dá mais livre curso à natureza exploradora, opressora
e agressiva do capitalismo. Foi isto que no essencial dissemos no
XV Congresso do PCP em Dezembro 1996. Acrescentámos então que a
resistência e a luta dos povos não só não desapareceria ante
as trombetas do "capitalismo triunfante", como tenderia
a intensificar-se, e que a "globalização"
imperialista, tropeçando também nos próprios limites e
contradições do sistema, acabaria por revelar a sua verdadeira
natureza. Essa é na realidade a situação que, em boa medida
já temos hoje, e que a Cimeira Ibero-Americana do Porto
necessariamente reflectirá.
A importância que tudo isto tem na luta ideológica é muito
grande, sobretudo se pensarmos que, com as derrotas do socialismo
na URSS e no Leste da Europa, se procurou dar o socialismo como
ultrapassado, derrotado e inviável, e o mesmo para os partidos
comunistas. E não devem subestimar-se as possibilidades que se
abrem à constituição de amplas alianças sociais e políticas
para fazer frente às mais gravosas consequên-cias da
"globalização" neoliberal e isolar os sectores mais
reaccionários e agressivos do grande capital. Mas os comunistas
não podem deter-se aí onde os redescobridores de Keynes
gostavam muito que eles se detivessem; com o neoliberalismo é o
próprio capitalismo que hoje se senta no banco dos réus.
4. Uma nota que tem que ver com as relações
externas de Portugal. Tudo quanto contribua para contrariar o
perigoso afunilamento do relacionamento internacional do nosso
País (para a União Europeia, os EUA, a NATO...) deve ser
saudado. Sem dúvida que nas Cimeiras Ibero-Americanas, há muita
retórica, muito formalismo. Mas não é pouco importante que os
EUA não tenham lugar neste Forum, como o não têm as
instituições supranacionais da UE que cada vez mais pretendem
falar em nome dos Estados no concerto internacional. Seria
entretanto bom que a rede de relações - no plano económico,
mas também cultural, científico, juvenil, laboral - se
adensasse em torno de grandes causas humanas e progressistas,
livre de tutelas uniformizadoras (e classistas) das
organizações supranacionais, partindo da diversificada
realidade dos diferentes países. Eis porque tentativas de
utilização da Cimeira do Porto para projectar a ideia de que a
UE, como tem vindo a ser construída, é um obstáculo às
consequências nefastas da "globalização", ou a de
que o "euro" constitui um refúgio contra a crise
financeira que aí está, só poderão contar com a nossa firme
oposição.
5. Vivemos tempos em que, mais do que nunca, as
lutas dos povos e os seus resultados estão profundamente
interligados, em que a solidariedade internacionalista - dos
comunistas, dos progressistas, dos trabalhadores e dos povos -
assume uma ainda maior importância política.
A solidariedade com Cuba, expressa em 17 e 18 de Outubro no
Porto, há que prossegui-la e ampliá-la ainda mais, nomeadamente
celebrando também o 40º aniversário da revolução que
passará em 1 de Janeiro de 1999. Simultaneamente importa não
esquecer a solidariedade com os outros povos, nomeadamente da
América Latina. Do Chile ao Paraguai, onde pairam ameaças
reaccionárias e fascizantes. Do Brasil, onde avulta a
ex-traordinária luta pela reforma agrária do Movimento dos Sem
Terra, ao México e aos índios de Chiapas. Da Nicarágua, onde
os sandinistas resistem às consequências de uma
contra-revolução, à Colômbia, onde se luta de armas na mão
pela terra, a paz e a democracia. Solidariedade com todos os
povos em luta contra as devastadoras consequências da
"globalização" capitalista, a democracia, o progresso
social, a soberania e independência nacional.
O desenvolvimento e diversificação em Portugal da frente da
Solidariedade constitui uma tarefa da maior importância no plano
político e da batalha das ideias. No quadro das inúmeras
responsabilidades e tarefas que se nos colocam a todos os
níveis, temos de encontrar tempo e meios para lhe dar também um
novo impulso. Hoje, como sempre, consideramos que a
solidariedade activa do povo português para com outros povos é
parte integrante da sua própria luta libertadora.
«O Militante» Nº 237 - Novembro / Dezembro - 1998