Para o desenvolvimento e mais democracia Um sector público forte
Francisco Lopes
Membro da Comissão Política
e do Secretariado
1 - Quando em 1995 o PS foi para o Governo,
após uma década de governos PSD, foram muitos os que, apesar
dos alertas e prevenções, apesar das experiências anteriores
da participação deste partido no Governo, criaram a expectativa
de uma mudança política.
Passaram três anos de governação e a prova está mais uma vez
feita. À parte algumas mudanças de estilo, cada vez mais
diluídas, o PS prosseguiu e prossegue, nas questões essenciais,
a política do PSD.
A sua acção revela, no entanto, algo mais que a simples
continuação da política de direita.
De certa forma está a finalizar o ciclo de destruição das
conquistas económicas e sociais da Revolução de Abril, que
iniciou em 1977.
O PS levou, mais longe que qualquer outro Governo, a
reconstituição do poder do grande capital e deu passos
decisivos para a restauração do capitalismo monopolista de
Estado, com as características de sempre e com elementos
específicos da sua fase actual. De facto, nos últimos três
anos, a linha condutora essencial da sua política foi o reforço
dos grupos económicos e financeiros, do seu poder económico e
político e do domínio crescente que estes exercem sobre a
economia, a comunicação social e o conjunto da vida nacional.
Não é uma distracção, nem sequer uma cedência. É uma clara
opção estratégica e de classe que o PS assume indo ao ponto
de, como elemento valorativo da sua actuação, se gabar de
privatizar mais e mais depressa que o PSD.
2 - Este processo está a confirmar
preocupações manifestadas pelo PCP, designadamente sobre a
perda de alavancas fundamentais para a concretização de uma
política de acordo com as necessidades nacionais e os interesses
do povo português e relativas à sobreposição da lógica do
lucro máximo aos objectivos do desenvolvimento económico e
social do País, cujas consequências são profundamente sentidas
em diversos planos:
- A criação de sérios problemas ao financiamento do Orçamento
de Estado com a não entrada de centenas de milhões de contos de
lucros e a fuga ao pagamento de impostos por parte das empresas
privatizadas.
- A adopção de critérios de investimento que privilegiam os
interesses dos grupos económicos e financeiros, orientados
exclusivamente para o lucro em detrimento das necessidades
nacionais, incluindo investimentos no estrangeiro que
dificilmente se repercutirão em vantagens para o País.
- A subordinação dos serviços públicos ao critério do
máximo lucro e da especulação bolsista, com o nível e a
qualidade dos serviços que prestam as empresas respectivas a
deixar de ser o elemento central da sua actividade, para passar a
constituir um mero instrumento de negócio, sacrificável em
função da acumulação de lucros, o que influencia
negativamente a qualidade dos serviços e está na base de
aumentos de preços ou da sua manutenção a valores altíssimos
sem qualquer justificação.
- A acentuação das assimetrias de desenvolvimento regional, com
a centralização e concentração de estruturas, de serviços e
de trabalhadores nas áreas mais desenvolvidas, onde a
rentabilidade imediata pode ser maior, e o abandono e
desertificação das áreas menos desenvolvidas que são também
preteridas na manutenção da qualidade dos serviços existentes
e no desenvolvimento de novos serviços.
- A eliminação de investimentos na investigação e
desenvolvimento tecnológico, em nome da acumulação imediata.
- O agravamento da exploração, com o ataque às conquistas
sociais e laborais, reduzindo postos de trabalho, pondo em causa
os direitos dos trabalhadores e a sua dignidade, aumentando o
poder patronal, limitando fortemente a liberdade de organização
e acção nas empresas e locais de trabalho e procurando
fragilizar a força do movimento sindical e das organizações
dos trabalhadores em geral. Uma ofensiva concretizada ao longo
dos anos e que tem na actualidade uma das suas mais importante
expressões com o pacote laboral que o Governo PS quer
implementar.
- O chamado capitalismo popular que atraiu
trabalhadores e pequenos accionistas à compra de acções
permitindo-lhes alguns proveitos para camuflar os ganhos reais da
alta finança com a subavaliação das empresas a privatizar e
que, agora, se revela mais uma vez como é. Constitui um
verdadeiro engano para os pequenos accionistas, com a crise
bolsista a trazer-lhes prejuízos significativos e uma nova e
grande oportunidade para os grupos económicos, que aproveitam a
descida dos preços das acções para, a baixo preço, tomarem
conta das empresas que ainda não controlam.
A história das privatizações em Portugal, da convergência
entre o PS, PSD e CDS/PP neste processo e dos métodos por eles
utilizados há-de um dia ser feita. Existem no entanto elementos
suficientes a mostrar que este processo se baseia num conjunto de
negociatas, escândalos e subavaliações que não podem ser
desligados da proliferação de fenómenos de corrupção e
nepotismo que lesam seriamente o País.
3 - O processo de privatizações, a
reconstituição do poder dos grupos económicos e financeiros,
tem profundas implicações no plano económico e social. No
entanto, a evolução recente tem vindo a revelar também, e com
particular nitidez, a dimensão e profundidade das suas
consequências políticas para o regime democrático.
Nunca, depois do 25 de Abril, se verificou um tal grau de
concentração e centralização do capital, cujo poder está bem
expresso na arrogância com que crescentemente se expressa e
actua.
Está-se mesmo numa fase nova de concertação entre o Governo e
os grupos económicos e financeiros, de que a cimeira realizada
em Maio deste ano em Bicesse, entre os principais membros do
Governo e os chefes desses grupos, é uma expressão bem
visível. Atingiu-se também um nível ainda não verificado até agora
de fusão de interesses pessoais e políticos entre elementos dos
núcleos dirigentes do PS, PSD e CDS/PP e as estruturas dos
grupos económicos. Foi criada uma situação em que o povo português vota, mas
em que, pela mão do PS, como antes pela mão do PSD e do CDS/PP,
são os interesses dos grupos económicos e financeiros que
mandam.
Quando se impõe o aperfeiçoamento e aprofundamento da
democracia, uma democracia política, económica, social e
cultural, a prática política dos últimos anos criou no País,
no plano económico, um autêntico diktat do capital
financeiro e reduziu o conteúdo da democracia política ao
limite dos interesses dominantes. Não há declaração formal de submissão do poder
económico ao poder político, que esconda a realidade de que o
que cada vez mais se passa é o condicionamento, controlo e
domínio do poder político pelo poder económico.
4 - O sector público foi consideravelmente
reduzido. O PS, cego na sua política de classe, prossegue a
ofensiva privatizadora de empresas, de serviços públicos, de
sectores e áreas da administração pública, a que não escapa
a própria segurança social.
A luta contra esta marcha que compromete o futuro do País, de
resistência ao processo de privatizações, é uma componente
importante da luta política e social na actualidade. É preciso
defender o sector público que existe e intervir para que seja
gerido de acordo com os interesses nacionais, mas é preciso mais
do que isso. Dada a redução do actual sector público, a luta
em sua defesa tem que ser integrada na luta mais ampla, por um
sector público forte e por serviços públicos de qualidade que
respondam às necessidades do País no horizonte do século XXI. A evolução recente confirma que sem um forte sector
público abrangendo os sectores básicos e estratégicos,
definidos numa perspectiva de actualidade e de futuro, ao
serviço do País, não é possível uma verdadeira democracia,
uma democracia completa, um regime em que de facto o povo
português decida livremente do seu destino, do rumo que quer
para Portugal.
«O Militante» Nº 237 - Novembro / Dezembro - 1998