Segurança Social
O que está em causa e as mentiras da direita

Eugénio Rosa
Economista

A Segurança Social abrange, neste momento, já cerca de 2.480.000 pensionistas, ou seja, um quarto da população portuguesa. A situação em que vive este quarto da população portuguesa é, segundo os próprios dados oficiais disponíveis, a seguinte: A pensão mínima do Regime Geral, que é a recebida por mais de um milhão de reformados, é apenas de 31.100$00; a pensão social, recebida por cerca de 130.000 reformados, é apenas de 22.000$00. A pensão média de velhice do Regime Geral era, em 1997, apenas de 41.100$00. Se incluirmos os reformados por invalidez essa média baixa para apenas 35.400$00. Por outro lado, 80% dos reformados de velhice do Regime Geral e 84% dos pensionistas de invalidez do mesmo regime recebiam, em 1997, menos de 50.000$00. Em 1998, esta situação não se alterou significativamente.
No entanto, os partidos da direita, e mesmo o PS, em certos aspectos, procuram destruir este pouco que os portugueses têm, com a desculpa que a manutenção dos poucos direitos existentes neste campo põe em causa a sustentabilidade financeira da Segurança Social. Segundo eles, seria necessário reduzir ainda mais aqueles reduzidos direitos, e entregar uma fatia importante da Segurança Social ao capital financeiro, pela via dos fundos de pensões, para assegurar a sustentabilidade financeira da Segurança Social. E seria preciso fazê-lo rapidamente, porque, também segundo o que insinuam, a ruptura financeira da segurança social estaria próxima.
A verdade é bem diferente. Por um lado, a ruptura financeira da segurança social não está próxima, e, por outro lado, existem outras soluções, diferentes da privatização de uma parte da Segurança Social, que permitiriam, se fossem implementadas, resolver os problemas existentes durante muitos anos, e tornariam possível também consolidar os direitos dos portugueses neste campo.


A falta de transparência do Orçamento e da Conta da Segurança Social

O Orçamento e a Conta anual da Segurança Social que têm sido apresentados pelo Governo não permitem saber quais são as receitas e despesas de cada regime e subregimes que constituem o sistema da Segurança Social. Por exemplo, até este momento, não se consegue saber quais são as receitas e despesas do Regime Geral dos Trabalhadores Independentes, que abrange já mais de um milhão de portugueses. É por esta razão que o projecto de lei do PCP estabelece, no seu artº 54º, a transparência a nível do Orçamento e da Conta, pois sem um informação completa e consistente é impossível gerir com rigor os dinheiros da Segurança Social e levar a cabo a reforma que esta necessita.


É necessário clarificar o que é contributivo

E isto porque o que não é contributivo deve ser financiado pelo Orçamento do Estado, como afirma o próprio Governo, e não pelo Regime Geral dos Trabalhadores por conta de outrem, como muitas vezes acontece. E também neste campo as coisas continuam a não ser totalmente transparentes.
E isto porque, apesar dos compromissos tomados pelo Governo, em Março/96, o Ministério do Trabalho e da Solidariedade elaborou um estudo em que afirma textualmente, na pág. 45, que a pensão mínima do Regime Geral “inclui uma importante parcela não contributiva, que é a diferença entre a pensão regulamentar (a pensão mínima que é paga) e a pensão estatutária (a que devia ser paga, se se aplicasse a fórmula de cálculo que é utilizada para calcular a pensão dos restantes reformados abrangidos pelo Regime Geral). Esta diferença custou, só em 1995, ao Regime Geral dos Trabalhadores por conta de outrem 259 milhões de contos, ou seja, 41% de todas as despesas com pensões deste regime”. E esta situação continua em grande parte por resolver, custando ao Regime Geral dos Trabalhadores por conta de outrem, todos os anos, várias centenas de milhões de contos.


A autonomização do Regime Geral dos Trabalhadores Independentes

É urgente separar o Regime Geral dos Trabalhadores Independentes do Regime Geral dos Trabalhadores por conta de outrem. E isto porque, embora o Orçamento e a Conta da Segurança Social publicados pelo Governo continuem a ocultar os dados referentes aos trabalhadores independentes, mesmo assim sabe-se que este regime já começou a apresentar um saldo negativo, que tem sido financiado pelo Regime Geral dos Trabalhadores por conta de outrem.
Recordemos alguns dados sobre aquele regime. Mais de um milhão de pessoas estão já inscritas nele. 75% descontam apenas sobre um salário mínimo nacional, sendo 25% gerentes, administradores e directores de empresas. Este regime tem mais de 40 taxas diferentes, rondando algumas delas 10% e mesmo menos. Embora o Governo nunca tenha publicado dados sobre as receitas e as despesas deste regime, estima-se que, em 1998, as receitas rondem apenas os 150 milhões de contos, ou seja, um nono das receitas do Regime Geral dos Trabalhadores por conta de outrem. Em 95, de acordo com um estudo realizado pelo CISEP/CIEF/FEDA, a pedido da Comissão do Livro Branco da Segurança Social, este regime já apresentava um saldo negativo de 17 milhões de contos, que tem crescido todos os anos.
É evidente que só a resolução desta situação garantiria durante muito tempo a sustentabilidade financeira da Segurança Social. O PCP defende no seu projecto de lei a total separação deste regime e o seu autofinanciamento (artº 54 e artº 28º).


É possível aumentar as receitas da Segurança Social

Contrariamente ao que afirma a direita e o próprio Governo é possível aumentar as receitas da Segurança Social através, por um lado, de um combate eficaz à fuga ao pagamento de contribuições à Segurança Social, e, por outro lado, da modernização do sistema de cálculo das contribuições das empresas para a Segurança Social.
De acordo com cálculos realizados, estima-se que aquela fuga atinja, só em 98, cerca de 500 milhões de contos. Por outro lado, o cálculo das contribuições das empresas de capital intensivo, ou seja, daquelas que empregam poucos trabalhadores e alcançam elevados lucros, com base no Valor Acrescentado Bruto (VAB), como consta da proposta de lei do PCP (artº 20º), permitiria aumentar as receitas e implementar um sistema de contribuição mais ajustado ao actual desenvolvimento sócio-económico, por um lado, e por outro lado, mais justo, pois, actualmente, as empresas que mais contribuem para a Segurança Social não são as que obtêm maiores lucros, mas sim as que criam mais emprego.
Efectivamente, se o cálculo das contribuições com base no VAB fosse aplicado apenas às empresas que facturam anualmente mais de 100.000 contos, que representam cerca de 15% do total das empresas, por um lado, melhoraria a sustentabilidade financeira da Segurança Social, e, por outro lado, permitiria gradualmente até baixar a TSU que incide sobre as pequenas empresas e as empresas de trabalho intensivo.


É urgente a reforma do sistema fiscal

O Governo afirma que não pode aumentar as transferências para a Segurança Social mas, desde que tomou posse, aumentou significativamente os benefícios fiscais. Em 95, ano de entrada em funções do actual Governo, os benefícios fiscais concedidos provocaram a perda de 132 milhões de contos de receitas ao Estado, enquanto, em 98, já atingirá 225 milhões de contos. Desde que tomou posse, ou seja, de 95 a 98, a perda de receita fiscal, só por esta razão, já atinge 729 milhões de contos.
Por outro lado, os rendimentos do capital continuam a fugir maciçamente ao pagamento de impostos, apesar do alarido do Governo em contrário. De acordo com um documento enviado pelo Ministério das Finananças à Assembleia da República em Janeiro deste ano, em 96, os rendimentos declarados para efeitos de IRS atingiram cerca de 6.980 milhões de contos, sendo 76% rendimentos do trabalho, 12,3% rendimentos de reformados, 2,8% rendimentos declarados por independentes, e apenas 8,9% eram rendimentos de capital e propriedade (rendimentos comerciais e industriais, agrícolas, rendimentos de capitais, prediais e mais valias).
De acordo com uma estimativa que fizemos, utilizando uma metodologia apresentada pelo Dr. Albano dos Santos e pelo Dr. Medina Carreira num debate público organizado pelo Forum Social, a receita fiscal por cobrar, no período compreendido entre 85 e 98, atingiu 16.149 milhões de contos a preços correntes.
Em resumo, a reforma fiscal é um imperativo nacional urgente, para reduzir a profunda injustiça existente, que se agrava cada vez mais.


Conclusões

A Segurança Social não enfrenta qualquer perigo de ruptura. Os seus inimigos falam em ruptura para o ano 2015/2020, valendo o que valem tais previsões. No entanto, existem soluções diferentes das defendidas pela direita e mesmo, em certos aspectos, pelo Governo PS, que permitiriam, por um lado, resolver durante muitos anos os problemas que enfrenta a Segurança Social, e, por outro lado, consolidar os direitos dos trabalhadores neste campo. Muitas das soluções que falamos neste artigo, constam do projecto de lei apresentado pelo PCP.
«O Militante» Nº 237 - Novembro / Dezembro - 1998