Segundo alguns arautos do capitalismo real e da
ideologia dominante, teriam desaparecido as razões para a luta
por profundas transformações na nossa sociedade e esta teria
definitivamente entrado numa nova era, caracterizada pela
comunicação sem fronteiras, pela troca de informações sem
limites, pela vivência comum numa feliz e imensa aldeia global.
Uma aldeia global onde, finalmente, viveríamos na paz e na
harmonia proporcionadas pelo fim da História e das suas
incómodas contradições e desagradáveis surpresas. Uma aldeia
global onde todos, sábios e ignorantes, ricos e pobres,
exploradores e explorados, aldeões do centro e aldeões da
periferia, começaríamos, enfim, a conhecermo-nos e
entendermo-nos melhor uns aos outros, num clima de compreensão e
diálogo, de intercâmbio de conhecimentos e culturas, de
comunhão de valores e interesses.
O motor e o símbolo desta nova era seria o livre fluxo da
informação, proporcionado pelos avanços da técnica (e,
pressupostamente, pelas boas intenções dos que mandam nela),
que teriam transformado os grandes meios de comunicação de
massas, principalmente a televisão e seus novíssimos
prolongamentos, na fonte imparável desta febre mediática, desta
vertigem comunicacional, desta maravilhosa redução do velho
mundo sem fim aos limites mensuráveis e íntimos de um espaço
global ao alcance de todos. Um espaço que o pequeno écran
teria tornado não só visível, mas também conhecível
e compreensível
1Modernidade e realidade
A verdade, porém, não é bem assim. Ao invés dos discursos
glorificadores desse pretenso novo universalismo, que vemos nós?
Se considerarmos, como é justo, a comunicação e a informação
como bens essenciais à existência em sociedade, temos que
reconhecer que a maioria dos homens vive ainda em condições de
extrema penúria.
Faltam-lhes o pão, a saúde, a habitação e a educação, mas
faltam-lhes também os bens essenciais dessa famosa aldeia global
nascida da comunicação sem limites e sem fronteiras. Cerca de
dois terços da humanidade nunca utilizou, sequer, o telefone...
O crescimento, que nem sempre, como sabemos, significa
desenvolvimento, faz-se à custa, neste domínio como noutros, do
aumento das desigualdades.
Entre 1997 e 1998 quase duplicou no nosso País o número de
utilizadores da Internet, mas, ao mesmo tempo,
permanecemos na cauda da Comunidade Europeia em índices como a
circulação de jornais, o número de telefones e de aparelhos de
televisão - tal como também somos o país onde é mais baixo o
nível de salários e é maior o fosso entre ricos e pobres.
Em Portugal, tal como, em maior ou menor escala, no resto do
mundo capitalista, certos discursos da modernidade (e da
post-modernidade) confrontam-se com uma realidade tão antiga, no
fundo, como o próprio sistema. O que estamos a assistir é,
manifestamente, ao aprofundamento de determinadas contradições
(reflectidas em políticas concretas de governos concretos) que
lhe são próprias, ainda que muitas vezes revestidas de
vestimentas diferentes das do passado, procurando iludir a
velhice com ademanes de juventude:
- por um lado, temos as novas e impressionantes capacidades
científicas e técnicas no domínio da comunicação e da
informação; mas, por outro lado, acentua-se no jornalismo a
crescente substituição da informação
enquanto factor de valorização humana pela
comunicação enquanto circulação de produtos
(mercadorias) superficiais e alienatórios, mais destinados a
entreter do que a informar;
- por um lado, temos uma crescente internacionalização
potenciadora de novos enriquecimentos mútuos e de novas
solidariedades; mas, por outro lado, implanta-se uma
globalização entendida como estratégia de maximização de
lucros, campo de manobra para os mais poderosos, factor de
uniformização política, cultural e ideológica e instrumento
de controlo e de domínio social;
Ou seja: a contradição, afinal, entre o desenvolvimento das
forças produtivas e as relações de produção dominantes na
sociedade capitalista.
Note-se que, no referente às novas tecnologias aplicadas à
comunicação e à informação (desde os novos meios, como a Internet
e o CD ROM, até às novas possibilidades abertas pela
técnica ao trabalho jornalístico e comunicacional em geral), o
que está em causa não são as suas indiscutíveis virtualidades
(já hoje bem reais), mas sim a sua
mitificação e a sua utilização como instrumento de poder;
o que está em causa não são os seus males, mas
sim, pelo contrário, a necessidade de construir as
condições sociais para a generalização e a democratização
dos seus benefícios.
2Media e ideologia: um exemplo
Na configuração da actual sociedade capitalista os meios de
comunicação de massa desempenham uma função essencial, de
carácter estruturante. Já vimos que não a desempenham de forma
autónoma e absoluta, como pretendem certos analistas, desejosos
de deixar na sombra a verdadeira natureza dos mecanismos de
poder, mas sim no quadro de uma autonomia relativa a que já
fizemos referência (ver, nomeadamente, O Militante nº
236, Julho/Agosto 98, ponto 2).
A força e a influência dos principais media, com
grande impacto nas massas, funcionam objectivamente como poder
delegado e instrumental daquele que, na actual hierarquia de
poderes, ocupa o topo: o poder económico e financeiro do grande
capital sem fronteiras e seus prolongamentos nacionais.
Os media não são o Poder - são, sim,
um novo poder nas mãos e ao serviço de um outro poder mais
forte.
A ligação entre o poder de topo e o poder mediático não é
automática, não se processa sem contradições, não está
imune a desajustamentos e conflitos, não consegue evitar brechas
que é possível aproveitar, alargar e aprofundar. Mas isto não
põe em causa nem a influência decisiva, ideológica e não só,
exercida pelos grandes media (a imprensa, a rádio e a
TV de grande expansão) sobre a sociedade nem o seu fundamental
contributo para a manutenção e reprodução do sistema - mesmo
que muitas vezes os agentes produtores da informação, incluindo
os jornalistas, não o consciencializem claramente.
Essa função pode ser concretizada pelos media de
formas mais ou menos explícitas, mais ou menos sofisticadas.
Subjacentes estão, de qualquer modo, determinados propósitos
ou, pelo menos, determinados efeitos ideológicos, com óbvias
repercussões na política e noutros campos.
Analisemos com algum pormenor um texto de cariz programático,
que nos parece um bom exemplo de como por detrás do discurso da
isenção e do distanciamento estão, muitas vezes, posições e
objectivos ideológicos dirigidos, nomeadamente, para a defesa e
manutenção do sistema. Trata-se do Editorial do Expresso
da última edição de 1997, publicado, pois, em tempo natalício
e vésperas de ano novo (27 de Dezembro).
É habitual nesta época do ano evocarem-se os que suportam
os horrores da guerra, as desgraças da fome e o sofrimento da
doença e fazerem-se votos de paz, de igualdade entre
os homens, de fraternidade, afirma o director do
semanário, que logo esclarece: Não vamos fazê-lo.
Primeiro, porque é inútil. Depois, porque seria um sinal de
hipocrisia ou ingenuidade.
Segundo o Editorial, a guerra, a fome e a doença
existirão enquanto existir o planeta e existirem homens a
habitá-lo. A paz e a guerra, a abundância e a fome, a saúde e
a doença - como Deus e o Diabo ou o bem e o mal - são faces de
uma mesma realidade que é indissociável da natureza
humana. Mais: Combatê-las é, de certa maneira,
combater o homem.
O autor julga oportuno introduzir aqui uma referência à
utopia e ao horrível pesadelo da
experiência soviética, sentenciando: Pior do
que um mundo com guerras, com fome e com doenças só um mundo de
homens todos iguais, pacíficos e saudáveis. Um mundo habitado
por robôs. Por seres sem alma, nem génio, nem amor, nem ódio,
apostados em cumprir com eficácia tarefas cujo sentido
desconhecem.
O texto concede que os homens se empenhem na luta pela paz,
no combate às desigualdades, no ataque à doença, mas
desde que isso seja feito com espírito fraterno e
solidário e não com o espírito totalitário
de quem quer impor ao homem novos comportamentos, novos sistemas,
novos modelos. De quem concebe um mundo novo .
Por fim, o Editorial aponta o objectivo de tornar a família do Expresso
- os leitores que partilham semanalmente notícias, ideias
e reflexões sobre o futuro - cada vez maior, mais
informada, mais culta, mais bem formada. E conclui, num tom
de modéstia presunçosa: É esta a nossa contribuição
para melhorar o mundo.
Que conclusões tirar desta leitura? Qual a mensagem do director
do Expresso?
O Editorial - que se apresenta como uma verdadeira declaração
de princípios - pretende transmitir de forma simplista uma ideia
simples: a sociedade, tal como está, deve continuar; o que ela
tem de mau poderá ser, eventualmente, menorizado, mas não tem
verdadeiramente remédio nem alternativa.
A guerra e a paz, a fome e a abundância, a saúde e a doença
não são, pois, fenómenos sociais enraizados em determinados e
concretos contextos económicos, políticos, sociais e culturais,
mas sim realidades eternas e imutáveis, parte integrante da
natureza humana, cuja tentativa de mudança será
inevitavelmente votada ao fracasso.
Lutar contra as injustiças e as desigualdades, pretender alterar
os comportamentos, os sistemas e os
modelos, aspirar a um mundo novo, são coisas
que só poderão ser fruto de um espírito
totalitário alheio à fraternidade e à solidariedade.
Ainda que sem o afirmar claramente, o Editorial defende que a
resignação é o único caminho: a História acabou, as
ideologias também. Desejar paz,
igualdade e fraternidade não só seria
inútil como seria também sintoma de
hipocrisia ou ingenuidade. Seria mesmo
uma certa maneira de combater o homem!
Ressalta no texto o desejo de descredibilização e eliminação
das alternativas, através da pretensa identificação entre totalitarismo
e desejo de transformação. Aos actuais
sistemas e modelos, apenas seria
possível opor uma fantasmagórica sociedade de seres sem
alma, nem génio, nem amor, nem ódio - uma sociedade que,
em boa verdade, nunca existiu nem nunca ninguém (pelo menos
aqueles que o autor, implicitamente, acusa de tal) pretendeu que
existisse.
O Editorial revela as intenções, ideologicamente bem
identificadas, dos que pretendem impor o conformismo e a
subserviência perante um pensamento único e totalitário
apostado em eliminar qualquer pretensão de transformação e de
superação da realidade actual.
Não haveria opção: ou um mundo habitado por robôs
ou... o capitalismo real.
3 As palavras e os factos
Na perspectiva das ligações entre o jornalismo e a ideologia o
texto é interessante e revelador, na medida em que:
- Traça com nitidez alguns dos limites estabelecidos para
definir na prática (sem que seja necessário estipulá-lo em
qualquer norma escrita ou livro de estilo) conceitos como os de
objectividade, neutralidade e qualidade;
- estabelece o território dentro do qual é possível (ao nível
dos temas, das opiniões, dos colaboradores, etc.) o exercício
continuado da liberdade - sendo que as excepções pontuais (ao
nível dos temas, das opiniões, dos colaboradores...) servem
para legitimar a reivindicação do cumprimento do pluralismo e
para credibilizar a regra geral;
- indicia as fronteiras e estratégias que presidem aos critérios
jornalísticos e as reais motivações da sua
invocação, nomeadamente em matérias relacionadas com a
política, a economia, a cultura e outras questões sociais.
Está assim criado, para utilização jornalística, o quadro
teórico que:
- justifica e cauciona o exercício de uma actividade informativa
condicionada por determinados objectivos e acomodada dentro de
certos princípios - os objectivos e princípios dos actuais
comportamentos, sistemas e
modelos, isto é, do capitalismo realmente existente;
- autoriza e legitima a subestimação, o desdenho, a caricatura
ou o mero silenciamento do que e dos que não se conformam com o status
quo, julgam necessário e possível alterar e melhorar os
actuais comportamentos, sistemas e
modelos, sonham com um mundo novo - e
lutam por ele.
O Editorial mostra como, no Expresso em particular e no
sistema dos media globalmente considerado, por detrás
das notícias, das ideias e das
reflexões, e subjacente ao abstractamente louvável
(e comercialmente compreensível) objectivo de ter uma
família maior, mais informada, mais culta,
mais bem formada, se perfila, clara e concreta, uma
ideologia determinada que, em maior ou menor grau, explícita ou
implicitamente, impregna os materiais jornalísticos, orientando
as prioridades na procura, na selecção, no tratamento e na
edição da informação.
Não há aqui motivo para espanto: o jornalismo e a comunicação
social, enquanto fenómenos sociais histórica e socialmente
localizados e condicionados, não são independentes da
ideologia. Reflectem-na e alimentam-na. Motivo não para espanto,
mas para denúncia, existe quando se pretende fazer passar a
ideologia às ocultas, dissimulada entre uma vistosa e atraente
retórica, aparentemente muito objectiva e isenta, mas...
profundamente ideológica.
Nem de propósito: um mês depois da publicação do citado
Editorial, o director do Expresso (na resposta à carta
de um leitor que o criticava pelo teor de uma crónica sobre o
PCP e pela não publicação de outras cartas anteriores, suas e
de outros leitores) fornecia uma oportuna ilustração do que
acima dissemos, ajudando-nos a distinguir a distância entre as
palavras e os factos, isto é, entre as declarações de
princípio e as realidades editoriais.
Afirmava ele: a selecção que fazemos do material que nos
é enviado tem como critério a qualidade e não a ideologia. O
que faz a força do Expresso é dar informação e
opinião de qualidade - não é, obviamente, participar no jogo
político (edição de 24.1.98).
Ausência de ideologia, não participação no
jogo político? O Editorial explica como é...
4 Comunicação ou informação?
Um dos aspectos mais característicos e significativos da forma
como os media exercem o seu poder é a progressiva
substituição da informação - entendida aqui
como a produção de notícias e outros materiais jornalísticos,
considerados enquanto bens sociais e elaborados na perspectiva do
interesse público - pela comunicação -
entendida aqui como a produção de mensagens destinadas,
independentemente do seu conteúdo, apenas a
prender a atenção das pessoas e procurando exclusivamente
satisfazer o interesse do público.
E se sublinhamos apenas e exclusivamente,
é porque o interesse público de uma notícia pouco significado
terá se ela não for jornalisticamente elaborada e editada de
modo a que o público se interesse por ela...
Esta substituição da informação pela comunicação, motivada
por razões económicas, políticas e ideológicas, implica
determinadas consequências.
No que se refere ao jornalismo, a valorização obcessiva da
apresentação e da forma das notícias à custa do conteúdo e
do significado, o predomínio da simplificação e da síntese em
desfavor da argumentação e da substância, a preferência da
rapidez da divulgação ao rigor da elaboração, são
acompanhados, no trabalho profissional, pela inevitável
desvalorização da reflexão, do estudo, da procura das causas e
das explicações, da busca das fontes melhor posicionadas.
A investigação jornalística, o debate sério dos problemas e o
confronto pluralista das opinões são (tirando as tais
excepções credibilizadoras...) ignorados ou remetidos para
terrenos esconsos das programações e das edições, e
esquecidos pelas estratégias de autopromoção, pelas políticas
de recursos humanos e pelos orçamentos.
Paralelamente, assiste-se à subvalorização do próprio
estatuto funcional e profissional do jornalista, desinserido de
uma informação em risco de extinção e incluído no mundo
avalassador da comunicação e dos comunicadores, confundido (sem
que isto signifique qualquer desvalorização destas profissões
- cada uma tem a sua dignidade, mas também a sua identidade) com
o apresentador de variedades, o animador de concursos, o redactor
de passatempos, o colunista de passagem, o assessor e o consultor
de imprensa, o informático, o publicitário.
E a tendência clara é para ser este último a hegemonizar a
generalidade da produção mediática, graças ao peso
determinante da publicidade e à adequação da linguagem
publicitária (o simples, o curto, o emocional...) às novas
exigências e critérios editoriais.
Esta situação tem, inevitavelmente, prolongamentos no próprio
público. Aparentemente, todos nós, leitores, ouvintes e
telespectadores, estamos inundados de informação. Noticiários
e telejornais, várias vezes ao dia, falam-nos repetidamente do
que se passa no país e no mundo.
Temos acesso aos factos, muitos e variados
factos. Mas será que, através dos chamados grandes media,
nomeadamente da televisão, podemos dispor dos elementos que
permitem a compreensão dos processos?
Mostram-nos a espuma da superfície. Mas será
que nos proporcionam a penetração nas águas profundas?
A informação está a ser crescentemente assediada pela
distracção, o racional pelo emocional, o complexo pelo simples,
o debate pelo espectáculo, o público pelo privado, a
originalidade pela homogeneidade, a criatividade pela palhaçada.
E a interpretação pela manipulação.
A prática seguida é por vezes encoberta com uma argumentação
perversa, como quando se afirma que, oferecendo às pessoas
aquilo que elas querem, se presta um serviço ao público,
chegando mesmo alguns a afirmar que, agindo desse modo, se está
a praticar o verdadeiro serviço público.
Ou seja: condicionam-se as pessoas, servem-se-lhes produtos de
baixa qualidade e de mau gosto, ainda que vistosamente
embrulhados, alimenta-se e reproduz-se no público a mediocridade
e a superficialidade, e depois satisfaz-se o apetite assim
criado, oferecendo-lhe repetidamente o mesmo tipo de produtos,
ainda que embalados de maneira diferente.
Todas estas características e práticas são, obviamente, mais
visíveis e mais profundas na TV, devido, por um lado, à sua
natureza e linguagem específicas e, por outro lado, ao facto (e
suas consequências a diversas níveis) de se tratar do meio com
maior aceitação popular.
Aldeia global? Estranha aldeia esta, onde, parecendo que vivemos
juntos, estamos de facto separados; vemos as coisas e as caras
que estão do outro lado do mundo, mas não sabemos o que está
dentro delas; vemos as imagens em movimento, mas não sabemos o
que as faz mexer; distinguimos os rostos e escutamos as palavras,
mas desconhecemos os sentidos.
A alienação, essa boa e velha expressão infelizmente tão
esquecida, aí está, vestida de novas roupagens, mas em toda a
vitalidade e operacionalidade do entendimento que Marx lhe deu:
desapropriação e espoliação do homem de si próprio,
transformação dos seus actos e objectos de criação em algo
exterior e hostil ao próprio homem.
5 Tarefas de futuro
A situação criada não será de resolução fácil nem rápida,
estando estreitamente dependente das lutas políticas e sociais
desenvolvidas noutros planos. Mas a incontornável exigência de
transformação social como condição última de alterações
profundas nos media, no sentido de fazer destes um verdadeiro
factor de progresso, de enriquecimento humano e de aprofundamento
democrático, não pode embotar-nos a sensibilidade nem
diminuir-nos a capacidade de reacção ao imediato, não pode
entorpecer-nos os movimentos e empurrar-nos para o conformismo.
Há posições a assumir, princípios a defender, iniciativas a
tomar, caminhos a percorrer - tarefas de futuro a cumprir. Pelos
profissionais do sector, naturalmente, mas não só. As questões
da comunicação social são demasiado importantes para que delas
fiquem alheados os cidadãos em geral.
O caderno de encargos é amplo e variado. A acção pode
desenvolver-se no terreno político (no que se refere, por
exemplo, à legislação) e sindical (como a luta por melhores
condições para o exercício do jornalismo e outras profissões
dos media), mas incluindo também direcções
interligadas tão diversas como, por exemplo:
- a desmontagem e a compreensão, ao nível do maior número
possível de pessoas, dos mecanismos de produção da
informação (desde as questões técnicas às razões mais
profundas e infra-estruturais), na linha daquilo que, no domínio
pedagógico, se tem chamado educação para os media,
tendo em conta que o aumento da qualidade das exigências e
expectativas por parte do público é uma condição essencial
para a melhoria dos próprios media;
- a nível mais geral e não apenas da escola, o estudo e a
discussão organizada dos media e a sua colocação no centro
do debate político e ideológico, tendo em conta que a
transversalidade e a omnipresença da comunicação e da
informação exigem que elas não fiquem apenas entregues aos
profissionais e aos especialistas;
- o aproveitamento das oportunidades, existentes e a criar, para
a participação dos cidadãos, assumindo e
estimulando a iniciativa cívica, desde a intervenção directa
junto dos órgãos de comunicação (cartas ao director, etc.)
até à formação de associações e clubes de leitores,
ouvintes e telespectadores, de observatórios dos media,
etc.;
- a criação de movimentos de opinião que
lutem pela necessária subordinação dos media a outros
princípios e valores que não sejam exclusivamente os do máximo
lucro, combatendo fenómenos como a concentração da propriedade
em grandes grupos multimédia e a influência excessiva exercida
pela publicidade;
- a luta pela igualdade no acesso aos mediae na utilização de fontes sem
discriminações de natureza política, social, ideológica,
racial, religiosa ou outra, assim como pela igualdade entre o
interior e o litoral, o sul e o norte;
- a crítica e, quando for o caso, a denúncia dos erros e das
deficiências do trabalho jornalístico e a exigência de uma
melhor preparação académica e profissional
dos jornalistas e outros trabalhadores dos media, assim
como do desenvolvimento do estudo e da
investigação multidisciplinares e interdiciplinares
neste sector;
- o estímulo à criação e intervenção de entidades
de diversa natureza (desde os provedores dos leitores
às de carácter institucional, como a Alta Autoridade para a
Comunicação Social) vocacionadas para a melhoria da qualidade e
da isenção dos media;
- a luta pela instauração nos media de
princípios, critérios e valores humanistas e
democráticos, submetendo as empresas a exigências mínimas de
natureza ética (actualmente, no nosso País, só os jornalistas
estão obrigados a um código deontológico);
- a defesa de um serviço público de qualidade
e liberto da subordinação a um mercado entendido,
redutoramente, como mera luta pelas audiências;
- a luta por uma concepção dos media que os não
isenta, antes os obriga (incluindo os privados) a determinadas responsabilidades
(nomeadamente culturais e cívicas) perante a sociedade,
tendo em conta que a imprensa, a rádio e a televisão exercem
uma grande influência social e constituem, potencialmente, um
factor decisivo e um instrumento essencial ao desenvolvimento;
- o aprofundamento do diálogo e a criação de consensos
e entendimentos com todos aqueles que, não estando
dispostos a aceitar a ditadura dos media e dos que os
controlam, também comungam destas preocupações e da
consciência da necessidade de alterar esta realidade.
São cada vez mais, aliás, os que, supostamente beneficiários
das maravilhas informacionais, manifestam, pelo contrário,
desencanto e frustração, ou mesmo desespero e angústia, por em
vez da comunicação, se confrontarem com o isolamento; em vez da
razão, o irracional; em vez do estímulo à participação e à
solidariedade, a sensação de impotência e o incentivo ao
individualismo e à passividade; em vez da cidadania, a
irresponsabilidade e a degradação cívicas.
Trata-se de um campo onde existe uma crescente convergência na
análise e onde no confronto político e ideológico, na acção
sindical e no movimento social, é possível criar acordos,
plataformas e alternativas de esquerda amplamente partilhadas.
É responsabilidade de todos e de cada um de nós contribuir para
lhes dar corpo e lhes dar vida.
Este é o sexto e último de uma série de artigos subordinados
ao tema Media e Sociedade, cuja publicação
se iniciou em O Militante nº 232, Jan.-Fev/98.
Títulos dos textos anteriores:
Os media na sociedade capitalista
A imprensa revolucionária
Os media na sociedade portuguesa
A informação e o Partido
Jornalismo e jornalista
«O Militante» Nº 237 - Novembro / Dezembro - 1998