Comunicação, informação e transformação social

Fernando Correia
Jornalista

Segundo alguns arautos do capitalismo real e da ideologia dominante, teriam desaparecido as razões para a luta por profundas transformações na nossa sociedade e esta teria definitivamente entrado numa nova era, caracterizada pela comunicação sem fronteiras, pela troca de informações sem limites, pela vivência comum numa feliz e imensa aldeia global.
Uma aldeia global onde, finalmente, viveríamos na paz e na harmonia proporcionadas pelo fim da História e das suas incómodas contradições e desagradáveis surpresas. Uma aldeia global onde todos, sábios e ignorantes, ricos e pobres, exploradores e explorados, aldeões do centro e aldeões da periferia, começaríamos, enfim, a conhecermo-nos e entendermo-nos melhor uns aos outros, num clima de compreensão e diálogo, de intercâmbio de conhecimentos e culturas, de comunhão de valores e interesses.
O motor e o símbolo desta nova era seria o livre fluxo da informação, proporcionado pelos avanços da técnica (e, pressupostamente, pelas boas intenções dos que mandam nela), que teriam transformado os grandes meios de comunicação de massas, principalmente a televisão e seus novíssimos prolongamentos, na fonte imparável desta febre mediática, desta vertigem comunicacional, desta maravilhosa redução do velho mundo sem fim aos limites mensuráveis e íntimos de um espaço global ao alcance de todos. Um espaço que o pequeno écran teria tornado não só visível, mas também conhecível e compreensível

1 Modernidade e realidade

A verdade, porém, não é bem assim. Ao invés dos discursos glorificadores desse pretenso novo universalismo, que vemos nós?
Se considerarmos, como é justo, a comunicação e a informação como bens essenciais à existência em sociedade, temos que reconhecer que a maioria dos homens vive ainda em condições de extrema penúria.
Faltam-lhes o pão, a saúde, a habitação e a educação, mas faltam-lhes também os bens essenciais dessa famosa aldeia global nascida da comunicação sem limites e sem fronteiras. Cerca de dois terços da humanidade nunca utilizou, sequer, o telefone...
O crescimento, que nem sempre, como sabemos, significa desenvolvimento, faz-se à custa, neste domínio como noutros, do aumento das desigualdades.
Entre 1997 e 1998 quase duplicou no nosso País o número de utilizadores da Internet, mas, ao mesmo tempo, permanecemos na cauda da Comunidade Europeia em índices como a circulação de jornais, o número de telefones e de aparelhos de televisão - tal como também somos o país onde é mais baixo o nível de salários e é maior o fosso entre ricos e pobres.
Em Portugal, tal como, em maior ou menor escala, no resto do mundo capitalista, certos discursos da modernidade (e da post-modernidade) confrontam-se com uma realidade tão antiga, no fundo, como o próprio sistema. O que estamos a assistir é, manifestamente, ao aprofundamento de determinadas contradições (reflectidas em políticas concretas de governos concretos) que lhe são próprias, ainda que muitas vezes revestidas de vestimentas diferentes das do passado, procurando iludir a velhice com ademanes de juventude:

- por um lado, temos as novas e impressionantes capacidades científicas e técnicas no domínio da comunicação e da informação; mas, por outro lado, acentua-se no jornalismo a crescente substituição da informação enquanto factor de valorização humana pela comunicação enquanto circulação de produtos (mercadorias) superficiais e alienatórios, mais destinados a entreter do que a informar;

- por um lado, temos uma crescente internacionalização potenciadora de novos enriquecimentos mútuos e de novas solidariedades; mas, por outro lado, implanta-se uma globalização entendida como estratégia de maximização de lucros, campo de manobra para os mais poderosos, factor de uniformização política, cultural e ideológica e instrumento de controlo e de domínio social;

Ou seja: a contradição, afinal, entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção dominantes na sociedade capitalista.
Note-se que, no referente às novas tecnologias aplicadas à comunicação e à informação (desde os novos meios, como a Internet e o CD ROM, até às novas possibilidades abertas pela técnica ao trabalho jornalístico e comunicacional em geral), o que está em causa não são as suas indiscutíveis virtualidades (já hoje bem reais), mas sim a sua mitificação e a sua utilização como instrumento de poder; o que está em causa não são os seus “males”, mas sim, pelo contrário, a necessidade de construir as condições sociais para a generalização e a democratização dos seus benefícios.

2 Media e ideologia: um exemplo

Na configuração da actual sociedade capitalista os meios de comunicação de massa desempenham uma função essencial, de carácter estruturante. Já vimos que não a desempenham de forma autónoma e absoluta, como pretendem certos analistas, desejosos de deixar na sombra a verdadeira natureza dos mecanismos de poder, mas sim no quadro de uma autonomia relativa a que já fizemos referência (ver, nomeadamente, O Militante nº 236, Julho/Agosto 98, ponto 2).
A força e a influência dos principais media, com grande impacto nas massas, funcionam objectivamente como poder delegado e instrumental daquele que, na actual hierarquia de poderes, ocupa o topo: o poder económico e financeiro do grande capital sem fronteiras e seus prolongamentos nacionais.
Os media não são o Poder - são, sim, um novo poder nas mãos e ao serviço de um outro poder mais forte.
A ligação entre o poder de topo e o poder mediático não é automática, não se processa sem contradições, não está imune a desajustamentos e conflitos, não consegue evitar brechas que é possível aproveitar, alargar e aprofundar. Mas isto não põe em causa nem a influência decisiva, ideológica e não só, exercida pelos grandes media (a imprensa, a rádio e a TV de grande expansão) sobre a sociedade nem o seu fundamental contributo para a manutenção e reprodução do sistema - mesmo que muitas vezes os agentes produtores da informação, incluindo os jornalistas, não o consciencializem claramente.
Essa função pode ser concretizada pelos media de formas mais ou menos explícitas, mais ou menos sofisticadas. Subjacentes estão, de qualquer modo, determinados propósitos ou, pelo menos, determinados efeitos ideológicos, com óbvias repercussões na política e noutros campos.
Analisemos com algum pormenor um texto de cariz programático, que nos parece um bom exemplo de como por detrás do discurso da isenção e do distanciamento estão, muitas vezes, posições e objectivos ideológicos dirigidos, nomeadamente, para a defesa e manutenção do sistema. Trata-se do Editorial do Expresso da última edição de 1997, publicado, pois, em tempo natalício e vésperas de ano novo (27 de Dezembro).
“É habitual nesta época do ano evocarem-se os que suportam os horrores da guerra, as desgraças da fome e o sofrimento da doença” e fazerem-se “votos de paz, de igualdade entre os homens, de fraternidade”, afirma o director do semanário, que logo esclarece: “Não vamos fazê-lo. Primeiro, porque é inútil. Depois, porque seria um sinal de hipocrisia ou ingenuidade”.
Segundo o Editorial, “a guerra, a fome e a doença existirão enquanto existir o planeta e existirem homens a habitá-lo. A paz e a guerra, a abundância e a fome, a saúde e a doença - como Deus e o Diabo ou o bem e o mal - são faces de uma mesma realidade que é indissociável da natureza humana”. Mais: “Combatê-las é, de certa maneira, combater o homem”.
O autor julga oportuno introduzir aqui uma referência à “utopia” e ao “horrível pesadelo” da “experiência soviética”, sentenciando: “Pior do que um mundo com guerras, com fome e com doenças só um mundo de homens todos iguais, pacíficos e saudáveis. Um mundo habitado por robôs. Por seres sem alma, nem génio, nem amor, nem ódio, apostados em cumprir com eficácia tarefas cujo sentido desconhecem”.
O texto concede que os homens “se empenhem na luta pela paz, no combate às desigualdades, no ataque à doença”, mas desde que isso seja feito com “espírito fraterno” e “solidário” e “não com o espírito totalitário de quem quer impor ao homem novos comportamentos, novos sistemas, novos modelos. De quem concebe um ‘mundo novo’ ”.
Por fim, o Editorial aponta o objectivo de tornar a família do Expresso - os leitores que “partilham semanalmente notícias, ideias e reflexões sobre o futuro” - “cada vez maior, mais informada, mais culta, mais bem formada”. E conclui, num tom de modéstia presunçosa: “É esta a nossa contribuição para melhorar o mundo”.
Que conclusões tirar desta leitura? Qual a mensagem do director do Expresso?
O Editorial - que se apresenta como uma verdadeira declaração de princípios - pretende transmitir de forma simplista uma ideia simples: a sociedade, tal como está, deve continuar; o que ela tem de mau poderá ser, eventualmente, menorizado, mas não tem verdadeiramente remédio nem alternativa.
A guerra e a paz, a fome e a abundância, a saúde e a doença não são, pois, fenómenos sociais enraizados em determinados e concretos contextos económicos, políticos, sociais e culturais, mas sim realidades eternas e imutáveis, parte integrante da “natureza humana”, cuja tentativa de mudança será inevitavelmente votada ao fracasso.
Lutar contra as injustiças e as desigualdades, pretender alterar os “comportamentos”, os “sistemas” e os “modelos, aspirar a um “mundo novo”, são coisas que só poderão ser fruto de um “espírito totalitário” alheio à fraternidade e à solidariedade.
Ainda que sem o afirmar claramente, o Editorial defende que a resignação é o único caminho: a História acabou, as ideologias também. Desejar “paz”, “igualdade” e “fraternidade” não só seria “inútil” como seria também sintoma de “hipocrisia” ou “ingenuidade”. Seria mesmo uma “certa maneira” de “combater o homem”!
Ressalta no texto o desejo de descredibilização e eliminação das alternativas, através da pretensa identificação entre totalitarismo e desejo de transformação. Aos actuais “sistemas” e “modelos”, apenas seria possível opor uma fantasmagórica sociedade de “seres sem alma, nem génio, nem amor, nem ódio” - uma sociedade que, em boa verdade, nunca existiu nem nunca ninguém (pelo menos aqueles que o autor, implicitamente, acusa de tal) pretendeu que existisse.
O Editorial revela as intenções, ideologicamente bem identificadas, dos que pretendem impor o conformismo e a subserviência perante um pensamento único e totalitário apostado em eliminar qualquer pretensão de transformação e de superação da realidade actual.
Não haveria opção: ou “um mundo habitado por robôs” ou... o capitalismo real.

3 As palavras e os factos

Na perspectiva das ligações entre o jornalismo e a ideologia o texto é interessante e revelador, na medida em que:

- Traça com nitidez alguns dos limites estabelecidos para definir na prática (sem que seja necessário estipulá-lo em qualquer norma escrita ou livro de estilo) conceitos como os de objectividade, neutralidade e qualidade;

- estabelece o território dentro do qual é possível (ao nível dos temas, das opiniões, dos colaboradores, etc.) o exercício continuado da liberdade - sendo que as excepções pontuais (ao nível dos temas, das opiniões, dos colaboradores...) servem para legitimar a reivindicação do cumprimento do pluralismo e para credibilizar a regra geral;

- indicia as fronteiras e estratégias que presidem aos critérios jornalísticos e as reais motivações da sua invocação, nomeadamente em matérias relacionadas com a política, a economia, a cultura e outras questões sociais.

Está assim criado, para utilização jornalística, o quadro teórico que:

- justifica e cauciona o exercício de uma actividade informativa condicionada por determinados objectivos e acomodada dentro de certos princípios - os objectivos e princípios dos actuais “comportamentos”, “sistemas” e “modelos”, isto é, do capitalismo realmente existente;

- autoriza e legitima a subestimação, o desdenho, a caricatura ou o mero silenciamento do que e dos que não se conformam com o status quo, julgam necessário e possível alterar e melhorar os actuais “comportamentos”, “sistemas” e “modelos”, sonham com um “mundo novo” - e lutam por ele.

O Editorial mostra como, no Expresso em particular e no sistema dos media globalmente considerado, por detrás das “notícias”, das “ideias” e das “reflexões”, e subjacente ao abstractamente louvável (e comercialmente compreensível) objectivo de ter uma “família” “maior, mais informada, mais culta, mais bem formada”, se perfila, clara e concreta, uma ideologia determinada que, em maior ou menor grau, explícita ou implicitamente, impregna os materiais jornalísticos, orientando as prioridades na procura, na selecção, no tratamento e na edição da informação.
Não há aqui motivo para espanto: o jornalismo e a comunicação social, enquanto fenómenos sociais histórica e socialmente localizados e condicionados, não são independentes da ideologia. Reflectem-na e alimentam-na. Motivo não para espanto, mas para denúncia, existe quando se pretende fazer passar a ideologia às ocultas, dissimulada entre uma vistosa e atraente retórica, aparentemente muito objectiva e isenta, mas... profundamente ideológica.
Nem de propósito: um mês depois da publicação do citado Editorial, o director do Expresso (na resposta à carta de um leitor que o criticava pelo teor de uma crónica sobre o PCP e pela não publicação de outras cartas anteriores, suas e de outros leitores) fornecia uma oportuna ilustração do que acima dissemos, ajudando-nos a distinguir a distância entre as palavras e os factos, isto é, entre as declarações de princípio e as realidades editoriais.
Afirmava ele: “a selecção que fazemos do material que nos é enviado tem como critério a qualidade e não a ideologia. O que faz a força do Expresso é dar informação e opinião de qualidade - não é, obviamente, participar no jogo político” (edição de 24.1.98).
Ausência de “ideologia”, não participação no “jogo político”? O Editorial explica como é...

4 Comunicação ou informação?

Um dos aspectos mais característicos e significativos da forma como os media exercem o seu poder é a progressiva substituição da informação - entendida aqui como a produção de notícias e outros materiais jornalísticos, considerados enquanto bens sociais e elaborados na perspectiva do interesse público - pela comunicação - entendida aqui como a produção de mensagens destinadas, independentemente do seu conteúdo, apenas a prender a atenção das pessoas e procurando exclusivamente satisfazer o interesse do público.
E se sublinhamos apenas e exclusivamente, é porque o interesse público de uma notícia pouco significado terá se ela não for jornalisticamente elaborada e editada de modo a que o público se interesse por ela...
Esta substituição da informação pela comunicação, motivada por razões económicas, políticas e ideológicas, implica determinadas consequências.
No que se refere ao jornalismo, a valorização obcessiva da apresentação e da forma das notícias à custa do conteúdo e do significado, o predomínio da simplificação e da síntese em desfavor da argumentação e da substância, a preferência da rapidez da divulgação ao rigor da elaboração, são acompanhados, no trabalho profissional, pela inevitável desvalorização da reflexão, do estudo, da procura das causas e das explicações, da busca das fontes melhor posicionadas.
A investigação jornalística, o debate sério dos problemas e o confronto pluralista das opinões são (tirando as tais excepções credibilizadoras...) ignorados ou remetidos para terrenos esconsos das programações e das edições, e esquecidos pelas estratégias de autopromoção, pelas políticas de recursos humanos e pelos orçamentos.
Paralelamente, assiste-se à subvalorização do próprio estatuto funcional e profissional do jornalista, desinserido de uma informação em risco de extinção e incluído no mundo avalassador da comunicação e dos comunicadores, confundido (sem que isto signifique qualquer desvalorização destas profissões - cada uma tem a sua dignidade, mas também a sua identidade) com o apresentador de variedades, o animador de concursos, o redactor de passatempos, o colunista de passagem, o assessor e o consultor de imprensa, o informático, o publicitário.
E a tendência clara é para ser este último a hegemonizar a generalidade da produção mediática, graças ao peso determinante da publicidade e à adequação da linguagem publicitária (o simples, o curto, o emocional...) às novas exigências e critérios editoriais.
Esta situação tem, inevitavelmente, prolongamentos no próprio público. Aparentemente, todos nós, leitores, ouvintes e telespectadores, estamos inundados de informação. Noticiários e telejornais, várias vezes ao dia, falam-nos repetidamente do que se passa no país e no mundo.
Temos acesso aos factos, muitos e variados factos. Mas será que, através dos chamados grandes media, nomeadamente da televisão, podemos dispor dos elementos que permitem a compreensão dos processos?
Mostram-nos a espuma da superfície. Mas será que nos proporcionam a penetração nas águas profundas?
A informação está a ser crescentemente assediada pela distracção, o racional pelo emocional, o complexo pelo simples, o debate pelo espectáculo, o público pelo privado, a originalidade pela homogeneidade, a criatividade pela palhaçada. E a interpretação pela manipulação.
A prática seguida é por vezes encoberta com uma argumentação perversa, como quando se afirma que, oferecendo às pessoas aquilo que elas querem, se presta um serviço ao público, chegando mesmo alguns a afirmar que, agindo desse modo, se está a praticar o verdadeiro serviço público.
Ou seja: condicionam-se as pessoas, servem-se-lhes produtos de baixa qualidade e de mau gosto, ainda que vistosamente embrulhados, alimenta-se e reproduz-se no público a mediocridade e a superficialidade, e depois satisfaz-se o apetite assim criado, oferecendo-lhe repetidamente o mesmo tipo de produtos, ainda que embalados de maneira diferente.
Todas estas características e práticas são, obviamente, mais visíveis e mais profundas na TV, devido, por um lado, à sua natureza e linguagem específicas e, por outro lado, ao facto (e suas consequências a diversas níveis) de se tratar do meio com maior aceitação popular.
Aldeia global? Estranha aldeia esta, onde, parecendo que vivemos juntos, estamos de facto separados; vemos as coisas e as caras que estão do outro lado do mundo, mas não sabemos o que está dentro delas; vemos as imagens em movimento, mas não sabemos o que as faz mexer; distinguimos os rostos e escutamos as palavras, mas desconhecemos os sentidos.
A alienação, essa boa e velha expressão infelizmente tão esquecida, aí está, vestida de novas roupagens, mas em toda a vitalidade e operacionalidade do entendimento que Marx lhe deu: desapropriação e espoliação do homem de si próprio, transformação dos seus actos e objectos de criação em algo exterior e hostil ao próprio homem.

5 Tarefas de futuro

A situação criada não será de resolução fácil nem rápida, estando estreitamente dependente das lutas políticas e sociais desenvolvidas noutros planos. Mas a incontornável exigência de transformação social como condição última de alterações profundas nos media, no sentido de fazer destes um verdadeiro factor de progresso, de enriquecimento humano e de aprofundamento democrático, não pode embotar-nos a sensibilidade nem diminuir-nos a capacidade de reacção ao imediato, não pode entorpecer-nos os movimentos e empurrar-nos para o conformismo.
Há posições a assumir, princípios a defender, iniciativas a tomar, caminhos a percorrer - tarefas de futuro a cumprir. Pelos profissionais do sector, naturalmente, mas não só. As questões da comunicação social são demasiado importantes para que delas fiquem alheados os cidadãos em geral.
O caderno de encargos é amplo e variado. A acção pode desenvolver-se no terreno político (no que se refere, por exemplo, à legislação) e sindical (como a luta por melhores condições para o exercício do jornalismo e outras profissões dos media), mas incluindo também direcções interligadas tão diversas como, por exemplo:

- a desmontagem e a compreensão, ao nível do maior número possível de pessoas, dos mecanismos de produção da informação (desde as questões técnicas às razões mais profundas e infra-estruturais), na linha daquilo que, no domínio pedagógico, se tem chamado educação para os media, tendo em conta que o aumento da qualidade das exigências e expectativas por parte do público é uma condição essencial para a melhoria dos próprios media;

- a nível mais geral e não apenas da escola, o estudo e a discussão organizada dos media e a sua colocação no centro do debate político e ideológico, tendo em conta que a transversalidade e a omnipresença da comunicação e da informação exigem que elas não fiquem apenas entregues aos profissionais e aos especialistas;

- o aproveitamento das oportunidades, existentes e a criar, para a participação dos cidadãos, assumindo e estimulando a iniciativa cívica, desde a intervenção directa junto dos órgãos de comunicação (cartas ao director, etc.) até à formação de associações e clubes de leitores, ouvintes e telespectadores, de observatórios dos media, etc.;

- a criação de movimentos de opinião que lutem pela necessária subordinação dos media a outros princípios e valores que não sejam exclusivamente os do máximo lucro, combatendo fenómenos como a concentração da propriedade em grandes grupos multimédia e a influência excessiva exercida pela publicidade;

- a luta pela igualdade no acesso aos media e na utilização de fontes sem discriminações de natureza política, social, ideológica, racial, religiosa ou outra, assim como pela igualdade entre o interior e o litoral, o sul e o norte;

- a crítica e, quando for o caso, a denúncia dos erros e das deficiências do trabalho jornalístico e a exigência de uma melhor preparação académica e profissional dos jornalistas e outros trabalhadores dos media, assim como do desenvolvimento do estudo e da investigação multidisciplinares e interdiciplinares neste sector;

- o estímulo à criação e intervenção de entidades de diversa natureza (desde os provedores dos leitores às de carácter institucional, como a Alta Autoridade para a Comunicação Social) vocacionadas para a melhoria da qualidade e da isenção dos media;

- a luta pela instauração nos media de princípios, critérios e valores humanistas e democráticos, submetendo as empresas a exigências mínimas de natureza ética (actualmente, no nosso País, só os jornalistas estão obrigados a um código deontológico);

- a defesa de um serviço público de qualidade e liberto da subordinação a um mercado entendido, redutoramente, como mera luta pelas audiências;

- a luta por uma concepção dos media que os não isenta, antes os obriga (incluindo os privados) a determinadas responsabilidades (nomeadamente culturais e cívicas) perante a sociedade, tendo em conta que a imprensa, a rádio e a televisão exercem uma grande influência social e constituem, potencialmente, um factor decisivo e um instrumento essencial ao desenvolvimento;

- o aprofundamento do diálogo e a criação de consensos e entendimentos com todos aqueles que, não estando dispostos a aceitar a ditadura dos media e dos que os controlam, também comungam destas preocupações e da consciência da necessidade de alterar esta realidade.

São cada vez mais, aliás, os que, supostamente beneficiários das maravilhas informacionais, manifestam, pelo contrário, desencanto e frustração, ou mesmo desespero e angústia, por em vez da comunicação, se confrontarem com o isolamento; em vez da razão, o irracional; em vez do estímulo à participação e à solidariedade, a sensação de impotência e o incentivo ao individualismo e à passividade; em vez da cidadania, a irresponsabilidade e a degradação cívicas.
Trata-se de um campo onde existe uma crescente convergência na análise e onde no confronto político e ideológico, na acção sindical e no movimento social, é possível criar acordos, plataformas e alternativas de esquerda amplamente partilhadas.
É responsabilidade de todos e de cada um de nós contribuir para lhes dar corpo e lhes dar vida.

Este é o sexto e último de uma série de artigos subordinados ao tema “Media e Sociedade”, cuja publicação se iniciou em O Militante nº 232, Jan.-Fev/98.

Títulos dos textos anteriores:

Os media na sociedade capitalista
A imprensa revolucionária
Os media na sociedade portuguesa
A informação e o Partido
Jornalismo e jornalista

«O Militante» Nº 237 - Novembro / Dezembro - 1998