Despenalização da IVG
A participação dos jovens

Margarida Botelho
Membro do Secretariado
e da Comissão Política
da Direcção Nacional da JCP

Há um ponto prévio que se deve estabelecer à entrada de qualquer reflexão sobre o problema da interrupção voluntária da gravidez (IVG) e do referendo: a situação que nos leva há anos a lutar pela despenalização da IVG mantém-se inalterável. E a verdade é que a festinha dos partidários do Não, auto-proclamados pela vida, foi impotente para evitar que na segunda-feira seguinte ao referendo se recorresse, como todos os dias e nas condições que todos nós conhecemos, ao aborto clandestino. A campanha do Não serviu, isso sim, para fomentar a culpa e a dor das centenas de milhares de mulheres que no nosso País já abortaram. Não apenas porque lhes chamaram assassinas; principalmente pela crueldade de as forçarem a imaginar um filho que em determinada altura das suas vidas não puderam ter.


Maior participação e consciencialização dos jovens

Se há factos positivos a retirar desta campanha e deste resultado eles são a unanimidade (veremos até onde e até quando...) à volta da necessidade de educação sexual e de planeamento familiar e uma participação dos jovens superior à dos mais velhos.
Para o inevitável trabalho futuro, não podemos esquecer que a abstenção atingiu níveis de facto impressionantes: 70% de não-votantes é um fenómeno que já mereceu da JCP e do PCP reflexão atempada. Mas há verdades incontornáveis: de uma forma geral, e tanto quanto pudemos apurar, as mesas da juventude abstiveram-se menos e inclinaram mais o seu voto para o Sim. Foi isto que se passou nos concelhos de Loures, Vila Franca de Xira, Amadora, Sintra e Almada, foi assim nas freguesias da Afurada e de Ermesinde. E é essa a observação que os camaradas de todo o País fazem das suas regiões.
A verdade é que a infinita injustiça que preside à criminalização do aborto é sentida de uma forma particular pela juventude. À natural curiosidade inerente à descoberta da sexualidade activa junta-se um profundo desconhecimento sobre o corpo, o seu funcionamento e o planeamento familiar: a gravidez precoce e indesejada não é um problema distante dos jovens. Da mesma forma que o não é o recurso ao aborto, ainda mais clandestino, quase sempre escondido dos pais, com ainda menos recursos económicos do que as mulheres mais velhas.
Saber desta realidade e perceber o que despenalizar significa fez com que os documentos produzidos fossem de uma forma geral muito bem recebidos pelos jovens. Os muitos debates e sessões de esclarecimento tiveram de uma forma geral uma boa participação. E foram mesmo um momento privilegiado de contacto dos jovens com as posições do Partido e da JCP nesta matéria, compreendendo quem neste País tem de facto lutado por uma sexualidade assumida e por uma maternidade consciente. Não é nada excessivo dizer que a imagem do Partido e da JCP junto destes jovens saiu beneficiada. E parece ainda menos excessivo dizer que a juventude se inclina para a despenalização. O que só nos pode deixar bons auspícios para o futuro.


Mudança das mentalidades

Se podemos ter confiança na resolução deste problema a médio prazo, não é menos verdade que há um longo trabalho de mudança das mentalidades a iniciar-se já hoje. É preciso e urgente continuar a explicar sistematicamente que despenalizar significa permitir às mulheres que decidiram abortar que o façam nas melhores condições. É indispensável forçar os partidários do Não a levar até ao fim as suas afirmações a propósito do planeamento familiar e da educação sexual nas escolas, efectivando um e regulamentando a outra.
É sobretudo preciso não deixar esfriar este assunto. Continuar a falar dele em debates, publicações, reuniões, acções de contacto. Aproveitar este espaço de discussão que se abriu para apresentar as nossas propostas em matéria de sexualidade.
Já no início deste ano lectivo, a JCP arranca com uma campanha pela educação sexual nas escolas do ensino secundário. Uma educação que responda às dúvidas dos jovens, ao nível físico, da relação, do planeamento familiar, dos papéis dos homens e das mulheres. Uma campanha que a JCP preencherá com debates, contactos com associações de estudantes e especialistas nesta matéria.

A JCP e o Partido sabem que a realidade do aborto clandestino se mantém inalterável. Uma realidade desumana e cruel, impossível de admitir numa sociedade que se quer justa e livre. A luta tem de continuar.

 


«O Militante» Nº 237 - Novembro / Dezembro - 1998