Atribuições, competências
e regime financeiro

Daniel Branco
Membro do CC

1 - A regulação das atribuições e competências das regiões administrativas é muito importante, tanto para o êxito de um processo de regionalização descentralizador que, simultaneamente, não prejudique o imperativo de unidade de acção e de coerência global da actividade administrativa, como para a sua adequação às necessidades e aspirações das populações.
Em matéria de atribuições e competências, a Constituição estabelece dois princípios importantes:

· a definição de atribuições regionais deve ser feita com respeito pela autonomia dos municípios e sem limitações dos respectivos poderes (artigo 257º);

· a lei de criação das regiões pode estabelecer diferenciações quanto ao regime aplicável a cada região em matéria designadamente de poderes e competências (artigo 255º).

Mas a verdade é que não existe actualmente uma clara definição de atribuições e competências na Lei Quadro das Regiões Administrativas (Lei 56/91, de 13 de Agosto).
No texto da lei, verifica-se que o mesmo se limita ao elenco dos domínios em que se exercerão as atribuições regionais, abrangendo:
· Desenvolvimento económico e social;
· Ordenamento do território;
· Ambiente e conservação da natureza e recursos hídricos;
· Equipamento social e vias de comunicação;
· Educação e formação profissional;
· Cultura e património histórico;
· Juventude, desporto e tempos livres;
· Turismo;
· Abastecimento público;
· Apoio às actividades produtivas;
· Apoio à acção dos municípios.

Existem contudo três projectos de lei entregues pelo PS, pelo PCP e pelo PEV na Assembleia da República que avançam propostas de concretização de medidas dentro deste elenco de domínios, os quais não foram ainda discutidos por manifesta falta de interesse do PS.
Contudo, e perante as afirmações muitas vezes feitas de que, sem a definição de todas as atribuições e competências das regiões administrativas em concreto, as pes-soas não terão base para decidirem, convém rebater tais afirmações lembrando que as primeiras eleições para as Autarquias Locais se realizaram em Dezembro de 1976 e que as primeiras versões das leis de atribuições e competências e de finanças locais só surgiram em Outubro de 1997 e em Janeiro de 1979.
Agora, como então, a questão essencial que se coloca é a continuação do nosso empenho e da nossa firme convicção em lutarmos por se conseguir concretizar a legislação que melhor corresponda ao fortalecimento da nossa Democracia e melhor resposta dê às nossas aspirações colectivas.
O que interessa é que seja possível debater democraticamente todas as questões, estabelecer prioridades nos vários domínios com uma inovadora perspectiva regional e com eleitos pela população de cada região, nas Juntas e nas Assembleias Regionais.
Para além do apoio à acção dos municípios que a própria lei já prevê, será também importante que as futuras regiões possam discutir, elaborar e aprovar os seus planos regionais de ordenamento e ratificarem os planos que sejam feitos pelos municípios. Também serão decerto as regiões quem estará melhor posicionado para decidir que equipamentos sociais, escolas, infantários, instalações de saúde, de apoio a idosos, equipamentos desportivos e culturais serão necessários e, no âmbito das muitas necessidades, quais os que deverão avançar primeiro.
Também no referente às vias de comunicação, todos sabemos que diversas dessas vias, não tendo um carácter nacional, têm sobretudo funções regionais a desempenhar, não havendo hoje ninguém que se ocupe destas vias regionais com a preocupação e a atenção que a democracia reclama e exige.
Como temos dito já em múltiplas oportunidades, as regiões já existem hoje em Portugal continental, funcionando mal, de forma caótica e ineficaz, sem qualquer transparência.
O actual processo da regionalização (embora com um referendo exigido pelo PSD, facilmente aceite pelo PS e relativamente ao qual manifestámos o nosso desacordo na Assembleia da República), visa, sobretudo, dar voz a todos os eleitores no sentido de serem eles a escolher e a responsabilizar os rostos que nos irão representar e manifestar as nossas opiniões e os nossos interesses nos futuros órgãos das regiões administrativas.
Até hoje nunca a realidade regional foi debatida por nenhuma assembleia que tivesse mesmo essa responsabilidade e nunca houve nenhum executivo directamente responsabilizado para trabalhar a tempo inteiro e com legitimidade democrática directa na persecução do que poderá vir a ser um verdadeiro Plano de Desenvolvimento Regional para cada uma das 8 regiões que neste momento estamos a discutir.

2 - Relativamente às futuras finanças regionais a situação que existe é muito semelhante ao que atrás vimos para as atribuições e competências.
Contudo, o sistema de finanças das regiões basear-se-á sobretudo numa participação nas receitas gerais do Estado.
Está já claramente expresso que as regiões administrativas não poderão lançar novos impostos. Tal como sucede na nova Lei das Finanças Locais, é possível transferir verbas para as futuras regiões a partir dos valores de IRS, IRC e IVA, fixando a percentagem que deverá ser atribuída às regiões. E assim se assegurará uma distribuição, que terá que ser cada vez mais harmoniosa, entre a Administração Central, as Regiões Administrativas e o Poder Local.
A distribuição de verbas entre as diversas regiões também não será difícil de concretizar. O PCP propôs já que fossem usados como critérios os seguintes valores - 10% igual para todas; 35% na razão directa do número de habitantes; 25% na razão directa da área; 15% na razão inversa da taxa de mortalidade infantil; 7,5% na razão directa da população residente com idade inferior a 18 anos; 7,5% na razão directa da população residente com idade superior a 64 anos.
Também a própria elaboração do Plano de Investimentos e de Despesas de Desenvolvimento da Administração Central (PIDDAC), que é aprovado integrado no Orçamento de Estado e que comporta centenas de projectos de baixo valor (com muitas verbas anuais inferiores a 100 mil contos), pode ser simplificada, sendo substituída com vantagem por pacotes regionais de investimento público a atribuir a cada região, obviamente a debater directamente com elas. A selecção de projectos, por prioridades, no âmbito das verbas disponibilizadas para cada região deverá ser feita pela autarquia regional, com a participação dos municípios e dos sectores directamente interessados.
A gestão dos Planos de Desenvolvimento Regional (PDR), que incluem os apoios comunitários, deverá ser também regionalizada, sendo atribuídos aos órgãos da região administrativa a responsabilidade pelo controlo da execução dos investimentos que sejam atribuídos a cada região.

3 - As questões das competências e atribuições e das finanças regionais não podem continuar a ser utilizadas do modo como têm sido pelos defensores do Não, que exigem, logo à partida, que tudo esteja definido. Porém, todos nós sabemos como têm evoluído as mais diversas situações e como têm vindo a ser, em permanência, debatidas questões essenciais de atribuições e competências e de finanças locais dos municípios e das freguesias, as quais deram já lugar a diferentes versões de textos legais, com períodos de vigência que têm acompanhado a evolução que o Poder Local tem registado.
O que está outra vez em causa não é o maior ou menor esclarecimento que as pessoas têm sobre estas questões. O que justifica amplamente a maioria dos argumentos dos que defendem o Não, não é expressamente referido por eles - no fundo o que pretendem é colocar o poder o mais longe possível dos cidadãos e cada vez mais fora do controlo da opinião pública.
As posições que o PCP tem assumido ao longo dos anos sobre esta matéria, com o carácter de aproximar os cidadãos das decisões que mais directamente lhes interessam, reforçando as condições para uma prática efectiva da democracia participada, mantêm-se inteiramente.
A inovação que as regiões administrativas significam, a reforma administrativa democrática da Administração Pública que elas irão permitir e a melhoria das condições de vida das populações que desde sempre defendemos, justificam o empenho e a convicção que mantemos neste combate difícil com que estamos confrontados.


«O Militante» Nº 237 - Novembro / Dezembro - 1998