Uma batalha que vale a pena travar!

Jerónimo de Sousa
Membro da Comissão Política

Desde o primeiro semestre deste ano, através do Avante! e de O Militante, o Partido tem vindo a alertar para os perigos decorrentes da ofensiva contra as leis laborais que o Governo PS se preparava, e prepara, para concretizar.
Desde o início que, para o PCP, não se estava perante um ajustamento legislativo, mas, antes e fundamentalmente, de um pacote laboral que visa minar alguns dos principais pilares do direito do trabalho e procura alterar radicalmente a correlação de forças nas empresas, a favor do capital.
Originários do denominado Acordo de Concertação Estratégica, acordado entre o Governo, a UGT e as Confederações Patronais, surgem agora 34 medidas e propostas de lei que cobrem sete peças de extrema gravidade:

· Trabalho a tempo parcial
· Alteração do conceito de retribuição
· Alteração da lei das férias
· Alteração do regime de trabalho nocturno
· Alargamento do período dos contratos a prazo
· Alteração do regime do lay-off
· Reconhecimento às associações patronais de participação na elaboração da legislação laboral

O Governo tentou fazer aprovar o pacote à socapa

Este “núcleo duro” está articulado com a lei, já em vigor, da flexibilidade dos horários e a da polivalência, e com a ofensiva ao sistema de Segurança Social.
Estas medidas e propostas não tiveram andamento ime diato à aprovação, em 1996, do Acordo de Concertação Estratégica devido à luta notável e prolongada dos trabalhadores dos diversos sectores, em particular dos têxteis que, em torno das 40 horas, procuraram impedir a destruição do conceito de tempo de trabalho efectivo. As fortes movimentações e greves sectoriais e de empresas que entretanto se seguiram no princípio deste ano constituíram factor de contenção para o Governo PS, no receio que o pacote laboral fosse um elemento decisivo para fazer confluir e convergir as lutas travadas com carácter sectorial.
Mas, “entalado” entre fortes compromissos com o grande capital (reforçados no célebre jantar de Cascais, onde participaram meio Governo e o primeiro-ministro, banqueiros e os patrões dos grandes grupos económicos) e a aproximação do ano eleitoral de 1999, o executivo de Guterres decidiu avançar no Verão, procurando no período de férias fazer aprovar algumas das peças em Conselho de Ministros e outras a priorizar no agendamento da Assembleia da República, mal houvesse o início da última sessão legislativa. Evitava, assim, o tempo de esclarecimento e resposta dos trabalhadores e do movimento sindical e, pela dispersão, o carácter de um grave pacote laboral.

Lei do trabalho a tempo parcial

O Governo avaliou mal a capacidade de resposta do movimento sindical unitário e o empenhamento do Partido. Na Campanha Nacional de Maio/Junho, realizada pelo Partido em todo o País, centenas de milhares de trabalhadores foram contactados em cerca de mil empresas e locais de trabalho. A CGTP, reunindo milhares de dirigentes e activistas, reuniu-se em manifestação para o Ministério do Trabalho, recusando qualquer aprovação das propostas. Estas acções levaram ao primeiro recuo do Governo quanto ao tempo e ao modo de concretização das alterações legislativas.
Mas persistirá por opção política e por razões de compromisso com o grande capital.
Foi com esse sentido que fez saber na Assembleia da República que quer, até Dezembro, ver aprovada, pelo menos, a Lei do trabalho a tempo parcial. Esta proposta, sem se subestimar as restantes, constitui a peça chave do pacote laboral.

1º - Porque, pelo seu carácter imperativo e sua aplicação geral, transforma um regime de excepção numa regra geral, substitui o conceito de emprego pelo da “empregabilidade”, visa a partilha do emprego e do salário entre empregados e desempregados.
2º - Não só deixaria o lucro intocável como propõe fabulosos benefícios e isenções fiscais para os patrões que admitam trabalhadores a tempo parcial.
- A Segurança Social sofreria um rude golpe nas receitas e um aumento de encargos.
4º - O grau de precarização e insegurança a que estes trabalhadores seriam sujeitos, com menos salários e menos direitos, conduziria a dificuldades ou à abdicação de exercício de direitos colectivos, de participação e sindicalização.

A importância do estar na empresa

Mais uma vez o PCP deu uma valiosa contribuição na batalha do esclarecimento e mobilização dos trabalhadores na semana de 26 de Setembro a 3 de Outubro, que culminou no Encontro Nacional de Quadros, em Lisboa.
O contacto directo com os trabalhadores, a grande aceitação de documentos e a mensagem do Partido, sob o lema “os trabalhadores precisam do PCP, o PCP precisa dos trabalhadores”, a ideia que só o Partido surge nas empresas sem ser em campanhas eleitorais, demonstraram a validade da orientação congressual quanto à necessidade de reforçar a acção, a intervenção e a organização do Partido junto dos trabalhadores.
Mas estas valiosas iniciativas de Maio/Junho e da semana de 26/9 a 3/10 e o Encontro Nacional de Quadros demonstraram também que, sendo importante ir lá, mais importante ainda é estar lá nas empresas, nos locais de trabalho.
Provou-se que as iniciativas que mais êxito tiveram foi quando houve planificação com base na informação dos camaradas da empresa ou do camarada sindicalista sobre o momento da distribuição ou do mini-comício. Revelou-se o valor do conteúdo da actividade dos organismos dos trabalhadores comunistas, a sua iniciativa e posições próprias, o melhor aproveitamento da informação e da imprensa partidária, uma relação mais estreita com os trabalhadores, a divulgação das posições e análises do Partido, as reais possibilidades de recrutamento, renovação e rejuvenescimento da própria organização.
Mas esta batalha contra o pacote laboral, se confirmou a larga influência social do Partido, confirmou também ser um caminho a aprofundar para testar a indissociabilidade da acção social e sindical na empresa da acção política, no combate às tentativas de moldar e restringir as atitudes e valores dos trabalhadores nos quadros e limites ideológicos do capitalismo. Demonstrou a possibilidade de elevar a consciência e a compreensão dos trabalhadores sobre os mecanismos de exploração, relações e dependências cada vez mais enlaçadas entre o poder económico e o poder político, que actualmente caracterizam as relações entre o grande capital e o Governo PS.
Demonstrou também a necessidade de articular a nossa denúncia e a nossa luta de resistência contra o pacote laboral com a divulgação e valorização das nossas propostas de garantia dos direitos sociais e laborais, como vertente de uma política alternativa.
O empenhamento nesta batalha, a capacidade de iniciativa, intervenção e luta criarão novas condições, tanto para o reforço da influência e organização do Partido junto dos trabalhadores, como para o aumento das possibilidades de alargar a sua influência política e eleitoral.


«O Militante» Nº 237 - Novembro / Dezembro - 1998