Sessão legislativa
não deixa saudades



Octávio Teixeira
Membro da Comissão Política e Presidente do Grupo Parlamentar

A 3ª sessão legislativa da Assembleia da República não deixa saudades. Bem se pode dizer que esta foi uma sessão essencialmente marcada pelas trapalhadas e irresponsabilidades do PS e do Governo em torno da sua nova “febre” referendária.


O primeiro referendo

O ponto alto dessa irresponsabilidade registou-se no dia 5 de Fevereiro, quando menos de 24 horas após a aprovação, pelos deputados do PCP e do PS, da lei de interrupção voluntária da gravidez, o Primeiro-Ministro e Secretário-Geral do PS humilhou publicamente o seu grupo parlamentar, obrigando-o a dar o dito pelo não dito e a aprovar, em conjunto com o PSD e o PP, um referendo cozinhado entre António Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa.
Mas essa irresponsabilidade tinha um objectivo por parte dos principais dirigentes do PS: impedir que, de facto, fosse aprovada uma lei justa e necessária, de combate ao aborto clandestino e de defesa da saúde das mulheres portuguesas. Só essa vontade por parte de dirigentes do PS pode explicar que o PS, enquanto partido político, se tenha demitido ostensivamente de fazer campanha pelo SIM à despenalização e de o Governo se ter alheado totalmente do primeiro referendo realizado no Portugal democrático.


A regionalização

Em linha paralela se desenvolveu toda a acção do PS e do Governo no que se refere à regionalização. Depois de, no final da sessão legislativa anterior, o PS, mais uma vez conluiado com o PSD e o PP, ter imposto a obrigatoriedade constitucional de um referendo para a concretização da regionalização administrativa do País, o PS e o Governo andaram durante nove meses a “encanar a perna à rã”. Não avançaram, nem deixaram avançar, com o processo da regionalização. Foram-se opondo a todas as tentativas do PCP para que a regionalização avançasse. Publicamente foram dando mostras de grandes divisões no seio do seu partido quanto à regionalização. Fizeram declarações inacreditáveis para quem se diz favorável à regionalização. Tudo isto favorecendo objectivamente as posições dos anti-regionalistas.
Acordaram no dia 29 de Junho, um dia antes do encerramento desta sessão legislativa. E acordaram mal.
Sob os aplausos e com os votos da direita, aprovaram apressadamente a resolução para a realização do referendo sobre a regionalização. Antes mesmo de poderem, sequer, ter ponderado as múltiplas causas da enorme abstenção registada no dia anterior, no referendo sobre a despenalização do aborto. E deixando aos defensores da regionalização não mais que um ou dois meses para repor, junto da opinião pública, as razões e vantagens da regionalização que, durante mais de um ano e por responsabilidade do PS, os anti-regionalistas andaram a deturpar. Simultaneamente, e sob o riso largo e feliz do PSD, e também do PP, o PS assumiu a responsabilidade política de aprovar a resolução para a realização de um referendo fraude sobre a União Europeia.


Alteração do sistema eleitoral

Um outro marco importante desta sessão legislativa foi a iniciativa do Governo e do PS de promoverem uma profunda alteração do sistema eleitoral, visando, através da criação de círculos uninominais, obter mais mandatos de deputados com o mesmo (ou menos) número de votos e garantir a repartição de mandatos entre o PS e o PSD. Desprezando e secundarizando o voto e a escolha de mais de um milhão de portugueses que não se revêem nem votam nos partidos do bloco central. Projecto que, aliás, veio a ser derrotado, mas que o Governo já anunciou querer retomar na próxima sessão legislativa.


Reformas estruturais

Pela omissão registe-se a total falta de vontade política do Governo para dar corpo às tão propaladas reformas estruturais, em particular a reforma fiscal. Porque o Governo não quer ferir ilegítimos interesses instalados à mesa do orçamento, em especial os interesses do grande capital financeiro e da especulação financeira. Antes pelo contrário, neste último ano parlamentar o Governo do PS assumiu publicamente a sua ligação preferencial aos grupos económicos e a opção política de favorecimento desses mesmos grupos.
Entretanto, os malefícios do PS durante esta sessão legislativa não se ficaram por aqui. Lá estiveram a rejeitar projectos de lei do PCP, de interesse para grandes camadas da população, como os da actualização extraordinária das pensões de aposentação degradadas, da eliminação das taxas de “activação” das chamadas telefónicas, de alterações à lei de bases do sistema educativo, da obrigatoriedade de passagem dos certificados aos estudantes que acabaram os seus cursos no ensino superior e não pagaram as malfadadas propinas, etc.. Isto para já não falar na rejeição liminar e cega das propostas do PCP para o Orçamento de Estado de 1998.


Oposições fictícias

Por seu lado, o PSD foi vendo o PS fazer aprovar medidas e leis que correspondem à política que ele próprio anteriormente conduziu, sem ter que assumir responsabilidades junto dos portugueses. Antes ficando, simultaneamente, com o campo livre para aparentar ser oposição a políticas e práticas do Governo do PS. Oposição tão forte e verdadeira que, para não haver dúvidas, já anunciaram a aprovação do próximo Orçamento de Estado... mesmo antes de o conhecerem! De facto, a oposição do PSD ao Governo do PS é, no âmbito substantivo, meramente virtual. O que o PSD fez nesta sessão legislativa foi, basicamente, aproveitar e usar a Assembleia da República para potenciar e propagar as operações mediáticas de propaganda de Marcelo Rebelo de Sousa.
Quanto ao CDS/PP, viveu meia sessão a apoiar incondicionalmente o PS e o Governo, concretizando os acordos entre Guterres e Manuel Monteiro, e a última parte da sessão a fazer exercícios de contorcionismo político para, por um lado, não abandonar o PS e, por outro lado, satisfazer os acordos de Paulo Portas com Rebelo de Sousa.


Oposição clara e responsável

Nesta sessão legislativa, o PCP manteve a sua postura de oposição clara e responsável.
Nunca abdicando das suas convicções, apresentando e defendendo os seus projectos de lei que visam melhorar o País e as condições de trabalho e de vida dos portugueses. Nesta perspectiva, durante a sessão, o PCP apresentou 26 novos projectos de lei. E fazendo aprovar alguns deles, como a eliminação da discriminação salarial dos jovens ou a criação de empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais. E só pela iniciativa e tenacidade do PCP foi possível aprovar a lei sobre a despenalização do aborto, que o PS veio depois a inviabilizar.
Criticando frontalmente o Governo e as suas propostas e políticas, sempre que elas são contrárias aos interesses das camadas trabalhadoras e das populações ou apenas favorecem o grande capital. Mas não tendo qualquer dúvida em votar favoravelmente todas as propostas do Governo, ou de qualquer grupo parlamentar, quando elas são positivas, ainda que insuficientes. Aliás, e desmentindo algumas acusações do Governo e do PS, isto é demonstrado pelo facto de das 51 propostas de lei do Governo aprovadas nesta sessão legislativa, o PCP ter votado favoravelmente 27, mais de 50%.
E será esta postura que será prosseguida na próxima sessão legislativa. Apresentando, por exemplo, o nosso projecto de lei de bases da segurança social e fazendo votar o nosso projecto de aumento extraordinário das reformas. Mas combatendo, de forma muito clara e frontal, o pacote laboral do Governo visando a redução de direitos e garantias dos trabalhadores, tudo fazendo na Assembleia da República para que, em conjugação com a inevitável luta dos trabalhadores, as peças mais negativas deste pacote sejam derrotadas e não cheguem a ser lei.
Esse pacote laboral de regressão social e a luta contra a sua aprovação e implementação serão, com grande probabilidade, o grande facto da última sessão legislativa desta legislatura.


«O Militante» Nº 236 - Setembro / Outubro - 1998