Trabalhadores da Administração Local
Razões de uma luta



António Augusto Pires
Dirigente Nacional do STAL

O Acordo salarial para 96 e compromissos de médio e longo prazo que o Governo então assinou com as organizações sindicais componentes da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, é hoje conhecido, para a grande maioria dos trabalhadores da Administração Local, como um documento que não passou de meras intenções e apenas serviu como instrumento de propaganda política e valorização de um Governo (e do partido que o sustenta) que assumiu - e assinou - compromissos que sabia não querer vir a cumprir!
Recordemos que foi assinado um acordo que visava a resolução de um enorme conjunto de problemas dos trabalhadores. Dezanove medidas de carácter imediato e 13 Mesas Parcelares (estas com datas previamente definidas), foram então, no papel, os grandes compromissos do actual Governo para com os trabalhadores da Administração Local, compromissos assumidos em Janeiro de 1996 mas que até hoje, mais de dois anos e meio de Governo, não foram respeitados por falta de vontade política.
A grande maioria das 19 medidas de carácter imediato acabaram por ser postas em prática com substanciais atrasos. Com o beneplácito do SINTAP/UGT, as mesas parcelares de negociação (grande parte das quais tem os seus prazos largamente ultrapassados) apresentaram conclusões que se afastam dos objectivos do acordo de 96.
Em resultado, os trabalhadores vêem-se confrontados, praticamente, com os mesmos problemas que durante anos foram as principais razões da luta contra o Governo do PSD de Cavaco Silva.


Carreiras profissionais

A Mesa Parcelar número 3, cuja conclusão estava prevista no acordo para 31/Outubro/97, arrasta-se ainda hoje em discussões incessantes e divorciadas da realidade da Administração Local. Porém, em Janeiro deste ano, com a UGT e o Sindicato dos Quadros Técnicos, conheceu um “acordo” que na prática se veio a revelar como um mero “frete” destas “organizações sindicais” ao Governo.
O STAL e o STML (Sindicato dos Trabalhadores Municipais de Lisboa), em tempo oportuno, denunciaram tal acordo e as nefastas implicações que acarretaria para os trabalhadores da Administração Local caso viesse a ser posto em prática. É que, para além de não se tratar de um acordo inicialmente aplicável à Administração Local (pelo que os trabalhadores das autarquias ficaram a aguardar a saída de legislação regulamentar), está repleto de injustiças e erros técnicos com graves prejuízos para os trabalhadores.
Em fase de discussão estão, ainda, as carreiras específicas da Administração Local, assim como permanece aberto o processo de negociação suplementar exigido pelo STAL.
Não sendo conhecidas as propostas do Governo para as carreiras do regime geral, estamos confiantes que o Governo, apercebendo-se finalmente da justeza das reivindicações dos trabalhadores da Administração Local, acatará as exigências do STAL, das quais se destacam as seguintes questões de princípio:

- a consagração de mecanismos que permitam a todos os trabalhadores uma revalorização mínima de 10 pontos;
- a uniformização do tempo necessário para a mudança de escalão em 3 anos acabando com a discriminação que actualmente existe: (carreiras horizontais - 4 anos, carreiras verticais - 3 anos);
- uma verdadeira reestruturação das carreiras profissionais tendo em conta as evoluções e as novas realidades das autarquias.

Um documento de carreiras, tal como o que actualmente existe, que venha a ser publicado sem ter em conta estes pressupostos, merecerá sempre a condenação do STAL e dos Trabalhadores da Administração Local que não hesitarão em denunciá-lo publicamente.


Suplemento de risco

No acordo, o Governo comprometeu-se a regulamentar o Suplemento de Insalubridade, Penosidade e Risco até 30 de Julho/96. O que se passou, no entanto, foi um arrastar de negociação e o protelar da publicação de uma Lei há muito tempo - demasiado mesmo - pronta.
Só em Março deste ano, e depois do STAL e o STML terem organizado uma Conferência sobre o tema, apressadamente, o Governo fez publicar uma primeira fase daquilo que prometera realizar em seis meses.

Apesar do atraso verificado na publicação desta lei (quase dois anos) e apesar desta ainda não criar condições aos trabalhadores da Administração Local para que possam começar a receber o suplemento (recorde-se que se trata ainda de uma primeira fase da lei, que carece de regulamentação final), apesar da falaciosa propaganda do Governo e do SINTAP/UGT que davam como adquirido, em Março passado, um Suplemento que os trabalhadores ainda não viram no seu recibo de vencimento, o STAL congratula-se com a saída de tal legislação, sublinhando que os trabalhadores devem começar a receber o suplemento de Insalubridade, Penosidade e Risco, com retroactivos a partir de 30/Julho/96, data com a qual o Governo se comprometeu no Acordo/96.


Os salários e o índice 100

É incontestável que os trabalhadores das autarquias são hoje os mais mal pagos deste País e, mesmo, desta Europa.
Salários, em início de carreira como os de um pedreiro e de um motorista (69.200$00 mensais), de um jardineiro (66.400$) de um auxiliar dos serviços gerais (60.900$00) ou de um oficial administrativo (99.600$00) são muito pouco dignificantes de uma Administração Pública que se quer e exige melhor, de trabalhadores que têm direito a uma vida diferente.
Por outro lado, mantém-se, ainda e cada vez com uma diferença maior, o índice 100 (55.300$00) abaixo do salário mínimo nacional (58.900$00).
Enquanto candidato a formar Governo, o Engº António Guterres não se cansou de dar razão a esta luta dos trabalhadores, chegando mesmo a afirmar, em 95, que 6,5% seria o mínimo exigível em termos de aumentos salariais...
A realidade, no entanto, é outra: 4,25% em 96; 3% em 97; 2,75% em 98 e o índice 100 ficou por resolver. É isto que os trabalhadores constatam e é contra esta política de salários de miséria que continuam a protestar.
Já em 97 os trabalhadores da Administração Local exigiram uma actualização salarial intercalar de 5.000$00 para cada trabalhador. Para além de se tratar de um aumento que poderia repor alguma justiça nos salários, poderia ainda ajudar a diminuir a diferença existente entre o índice 100 e o salário mínimo nacional. Esta é novamente uma reivindicação que o STAL e o STML voltam a fazer este ano, alertando, desde já, que o rítmo de aumentos salariais verificados nos últimos anos não pode continuar em 99.


Privatizações

Alguns autarcas, prosseguindo ao nível local a política privatizadora sucessivamente desencadeada pelos Governos do PSD e hoje idolatrada pelo PS, continuam a optar pela entrega à gestão privada de serviços públicos essenciais, como os serviços de água (abastecimento) e resíduos sólidos (esgotos) urbanos, revelando um entendimento exclusivamente orçamental e sectorial da acção municipal e colocando em causa direitos de trabalhadores e populações.


Um combate que continuamos a travar

Para o STAL, a defesa dos serviços públicos e do seu aprofundamento revela a sua grande identificação com o poder local democrático e a sua ligação aos trabalhadores da Administração Local, enquanto interlocutor fundamental na defesa dos seus direitos e aspirações.
Com naturais dificuldades, considerando a diferença dos meios ao nosso dispor e daqueles que hoje propõem a privatização como remédio universal, há que, naturalmente, encontrar novas formas de intervenção que mobilizem e promovam uma crescente consciencialização em torno da defesa dos direitos do emprego, dos serviços públicos.
Na acção sindical, a defesa da gestão pública, por um lado, e a regulamentação da gestão privada, por outro, constituem objectivos centrais. A recente reunião nacional sobre este tema permitiu reforçar e encontrar novas estratégias para o seu cumprimento.
Na luta pela defesa dos direitos dos trabalhadores em processos de transferência para empresas privadas, considerando o emprego com direitos, o vínculo à Administração Pública transformou-se numa linha de defesa decisiva.
No caso da gestão privada impõe-se ainda, em colaboração com outras forças sociais, a monitorização do desempenho da empresa aos mais diversos níveis, seja ambiental, social, económico e sindical, através da exigência da criação e funcionamento de mecanismos democráticos e participados de regulação, pela intervenção e contacto assíduo com os trabalhadores.


«O Militante» Nº 236 - Setembro / Outubro - 1998