Os media na sociedade portuguesa
Fernando Correia
Jornalista
A evolução da comunicação social em Portugal
na última dúzia de anos caracteriza-se pela ocorrência de
múltiplas e profundas transformações que alteraram o panorama
dos media em quase todos os aspectos. Aquilo que hoje
existe já pouco tem a ver com o que existia em meados da década
de oitenta.
Três grandes linhas de orientação têm estruturado as
transformações ocorridas: reprivatização de
praticamente todos os órgãos que estavam no sector público,
excepto RDP e RTP, e abertura ao capital privado da rádio e da
televisão; concentração da propriedade, com a
formação de grandes grupos económicos desenvolvidos (os
maiores) numa estratégia multimédia (juntando imprensa, rádio
e televisão) com o apoio de capital estrangeiro; comercialização
das políticas editoriais, com a introdução em força da
lógica do mercado, da concorrência, da luta pelas audiências,
e com a própria informação a ser sujeita aos critérios
mercantilistas que tudo contaminam.
1. Grandes transformações
As três grandes linhas citadas têm-se concretizado através de
múltiplos aspectos delas decorrentes ou que nelas se enquadram.
Retenhamos os principais desses aspectos (1), os quais, no seu
conjunto, moldam a nossa actual paisagem mediática:
· Houve jornais que desapareceram, ao mesmo
tempo que foram criadas dezenas de publicações especializadas
sobre as mais diversificadas temáticas; uma imprensa generalista
de tendência foi em grande parte substituída por
uma imprensa de referência e por uma imprensa
popular; a imprensa vespertina ficou reduzida a um
único título, ao mesmo tempo que, na imprensa desportiva, de
nenhum se passou para três diários.
· As rádios locais e regionais e os canais
privados de TV, antes inexistentes, afirmaram-se como uma
componente essencial da paisagem mediática.
· A imprensa regional continuou, em grande
parte, a não ver reconhecida pelo Estado a sua importância,
debatendo-se com uma falta de apoios que só o poder central
poderá dispensar.
· Surgiram projectos jornalísticos com
aspectos inovadores, nomeadamente no campo da informação, que,
com maior ou menor êxito, abriram novas perspectivas ao
exercício da profissão na imprensa, na rádio e na televisão.
· Assistiu-se à proliferação dos cursos de
jornalismo e de comunicação social nos ensinos profissional,
politécnico e universitário, público e privado, por vezes mais
vocacionados para
o negócio do que para a formação.
· Quadriplicou o número de jornalistas,
acentuaram-se a juvenilização e a feminização da classe,
melhoraram as qualificações profissionais, diversificaram-se as
tarefas e aumentaram as possibilidades de especialização - tudo
isto no quadro de importantes alterações sociológicas do grupo
profissional, que posteriormente desenvolveremos.
· A presença do Estado na imprensa diária, na
rádio e na TV foi drasticamente reduzida, passando o domínio
proprietário dos principais órgãos a pertencer a grupos
criados no quadro de uma política governamental favorecedora do
desenvolvimento de fortes grupos económicos nacionais, aliados,
geralmente, ao capital estrangeiro.
· A formação dos grupos económicos
contribuíu decisivamente para a introdução no sector (na
organização, nas práticas, nas estratégias, nos conteúdos)
de uma racionalidade própria das grandes empresas capitalistas,
com efeitos de reprodução em todo o campo mediático.
· Acentuou-se o clima de concorrência e
implantou-se a ditadura das audiências, levando ao aumento da
importância na informação dos critérios comerciais, da
obsessão pela cacha e do espectáculo.
· O serviço público de televisão deixou-se
arrastar para a concorrência com os canais privados e subestimou
ou esqueceu as suas obrigações e responsabilidades.
· Aumentou a confusão entre géneros
jornalísticos, nomeadamente entre a notícia e o comentário,
com a tendência crescente para a inclusão de opiniões, de
maneira mais ou menos disfarçada, naquilo que deveria ser só a
descrição dos factos.
· Aumentaram as dificuldades no acesso às redacções,
degradaram-se as condições de trabalho da maioria dos
jornalistas, acentuou-se a estratificação interna da classe,
multiplicaram-se nas grandes e nas pequenas empresas diversas
formas de precarização do vínculo laboral.
· Novos protagonistas passaram a participar na
produção da informação, afectando a autonomia e a função
dos jornalistas, nuns casos, como no dos animadores e
apresentadores, recorrendo a formatos jornalísticos sem as
competentes exigências técnicas e deontológicas, noutros
casos, como no dos publicitários e gestores, interferindo na
definição dos projectos e dos critérios jornalísticos.
· Institucionalizou-se nos media de
expansão nacional, nomeadamente na TV, o recurso a comentadores
e analistas externos, escolhidos mais por possuirem
características adequadas aos critérios mediáticos dominantes
ou por afinidades e/ou conveniências ideológicas, do que por
critérios de competência ou de pluralismo.
· Generalizou-se a aplicação das novas
tecnologias, abrindo novas possibilidades à melhoria da
informação proporcinada ao público, mas, simultaneamente,
aumentando as incertezas sobre o futuro dos media tradicionais
e da profissão jornalística.
· Aumentou significativamente o acesso à TV
por satélite e por cabo, assim como aos novos media,
como a Internet.
· Assistiu-se a uma crescente intrusão e
utilização dos media por parte dos poderes económico,
político, desportivo e outros, que colocaram os media no centro
das suas estratégias.
· Desenvolveu-se a capacidade das fontes mais
poderosas (públicas e privadas) para, substituindo-se à recolha
e à investigação directa dos factos, produzirem informação e
influenciarem a agenda dos media, com o recurso a
gabinetes de comunicação, assessores, conselheiros, etc.,
muitas vezes oriundos ou confundindo-se com o campo
jornalístico.
· Ganharam nova relevância os aspectos éticos
e deontológicos da actividade jornalística (aos quais as
empresas continuam a pretender manter-se alheias), em grande
parte devido às novas condições do exercício da profissão,
aos novos critérios dominantes nos valores-notícia e às novas
pressões exercidas sobre os jornalistas pelos diversos tipos de
poderes e de lobbies.
Estas transformações dizem respeito aos vários aspectos da
realidade mediática nacional, constituindo indicadores para a
configuração dessa realidade, quer nas suas diversas
componentes e nas suas ligações mútuas quer na sua
globalidade.
2. Sistema mediático e sistema social
Relativamente às relações entre o sistema mediático e o
sistema social, interessa sublinhar que as transformações
apontadas (nas estruturas, nos agentes, nos critérios, nos
conteúdos, nos efeitos, etc.) surgem simultaneamente como
consequência e como causa da evolução económica e social.
Isto é: as alterações na comunicação social e o seu actual
perfil são um reflexo das políticas globais prosseguidas nas
vertentes económicas, sociais e culturais, mas ao mesmo tempo
constituem também um instrumento e um contributo para a
aplicação e a concretização dessas políticas.
Com efeito, por um lado, a evolução da paisagem mediática
reflecte (sem esquecer a existência de aspectos específicos) as
políticas governamentais dirigidas para (ou propiciadoras de),
nomeadamente, o aumento da importância na nossa economia do
grande capital e do sector financeiro, no quadro da restauração
do capitalismo monopolista de Estado, através de vias
diversificadas - desde as reprivatizações e as privatizações
(em si próprias e pelo modo como foram efectuadas) até às
políticas fiscais, umas e outras favorecedoras dos grandes
grupos e empresas e do capital financeiro.
Políticas estas associadas, como é visível no campo
mediático, à destruição ou subvalorização do sector
público remanescente, ao agravamento das condições de trabalho
e das desigualdades, aos crescentes entraves (que podem chegar ao
despedimento) levantados ao exercício por parte dos
trabalhadores dos seus direitos e liberdades. E associadas
também à cada vez maior intervenção do capital estrangeiro e
à falta de apoios e incentivos relevantes à criação e
produção culturais de origem nacional.
Por outro lado, enquanto instrumento para a aplicação,
promoção e aceitação das políticas de que eles próprios
são em boa parte um produto, os media (falamos do
sistema mediático em geral, fundamentalmente determinado pelos
grandes órgão de imprensa, rádio e televisão nas mãos do
grande capital) veiculam mensagens, informativas e de outro tipo,
que constituem uma poderosa e multifacetada máquina de
condicionamento global das opiniões, dos comportamentos e dos
valores com um papel estruturante na sociedade (ver Os media
na sociedade capitalista, O Militante nº 232,
Jan.-Fev./98, no-meadamente pontos 5 e 6).
Para uma melhor compreensão da amplitude e da profundidade das
relações entre o sistema dos media e o sistema social,
refiram-se ainda três aspectos de grande significado relativos
às transformações em curso.
1 - Os media deixaram de ter a
política como um dos seus temas, para passarem a ser eles
próprios o centro da actividade política, no sentido em que a
actividade política se desenvolve cada vez mais através de
estratégias essencialmente comunicacionais e mediáticas (2). O
mesmo se passa em relação ao desporto e outros sectores.
Um governo, um ministério, um partido, uma empresa, um grupo de
pressão ou um lobby, um sindicato, uma colectividade,
para levarem à prática um plano, promover uma iniciativa ou
desenvolver uma campanha, têm necessariamente que pôr esta
questão: como vamos levar os media a falar disto?
Estão assim criadas as condições para o êxito dos que tudo
reduzem à visibilidade mediática e transformam esta no
objectivo último, ou dos que têm o poder para eles próprios
produzirem a informação e a imporem aos media.
2 - A crescente comercialização dos media
em geral e da informação em particular, as formas específicas
de os media abordarem a realidade, leva a que estes
tendam a atraír e a dedicar maior atenção quer aos produtores
e criadores quer aos objectos ou actos de criação (falando da
cultura, mas também se podia falar da política, da ciência,
etc.) mais próximos da dinâmica e da lógica dos media.
Trata-se de um fenómeno excelentemente tratado por Bourdieu (3).
Quem os media privilegiam para ocupar os seus espaços
são os agentes e os produtos que, independentemente das suas
qualidades propriamenete culturais, dispõem de melhores
condições para serem apropriados e utilizados pelos media dentro
da lógica comunicacional que os caracteriza.
A consequência disto é que a maior visibilidade e protagonismo
concedidos aos agentes e produtos culturais mais aptos ou mais
disponíveis para a comercialização, acabam por favorecer estes
em relação aos outros, menos vocacionados ou menos dispostos a
aderir à dinâmica do espectáculo e do entretenimento.
Ora estes efeitos negativos repercutem-se no interior do próprio
campo cultural, na medida em que a força e o impacto dos media,
nomeadamente da TV, faz com que estes agentes e produtos acabem
por projectar e impor o seu prestígio mediático nos meios
culturais, transformando-o em prestígio cultural.
Os critérios específicos de valorização próprios do campo
cultural são substituídos pelos critérios próprios de um
campo mediático submetido à ditadura das audiências. É bom o
que se vende muito, é mau o que se vende pouco. A qualidade
confunde-se com a popularidade. A visibilidade mediática e a
capacidade comunicacional passam a valer mais do que a
competência e a seriedade - o que não quer dizer, como é
óbvio, que não haja casos em que os dois tipos de qualidades
coincidam na mesma pessoa.
Isto faz com que os media se constituam não só como um
local de visibilidade e de afirmação, mas sejam também
procurados como local de legitimação e de credibilização.
3 - Os media são cada vez mais, entre
nós, um espaço de exposição e de publicitação de pequenas e
médias injustiças e abusos, abandonos e solidões (lembrem-se
programas televisivos como o Praça Pública, o
País Regiões, o Ponto de Encontro ou
mesmo alguns telejornais). O objectivo não é chamar a atenção
para problemas sociais graves e profundos, mas sim fabricar
produtos mediáticos que, pelo emocional, pelo trágico ou pelo
insólito, prendam a atenção das pessoas.
Aliás, os media não se limitam só a
expor os problemas, mas por vezes contribuem mesmo para a sua
parcial resolução, levando a câmara municipal a tapar o
buraco, angariando dinheiro para a criança ser operada no
estrangeiro, promovendo o reencontro de familiares há muito
separados, etc.. Isto dá aos media uma dimensão
popular e de ligação ao público (ou seja, as almejadas
audiências geradoras de publicidade) e, convergentemente, cria a
ilusão de que eles, principalmente a TV, são o lugar de todos
os debates, o espaço para a afirmação de todos os pluralismos,
o caminho para a resolução de todos os problemas.
Perversamente, os media assumem assim um certo papel
substitutivo relativamente às formas tradicionais de
participação dos cidadãos na vida democrática, contribuindo
para a diminuição dessa participação, para o individualismo e
o fechamento num círculo social restrito e, deste modo, para a
facilitação da supremacia de quem (das classes que), em última
instância, manda na economia, manda na política e, claro, manda
nos media.
3. A concentração da propriedade
A concepção dos media enquanto reflexo e instrumento
das políticas globais de desenvolvimento ganha particular
significado no que se refere à concentração da propriedade.
Concebida não numa perspectiva estreitamente economicista mas no
contexto de uma estratégia indissociável das próprias
estratégias de manutenção e reprodução da sociedade
capitalista, a concentração da propriedade revela-se como um
dos aspectos centrais e, simultaneamente, um dos motores das
transformações ocorridas no sector. Justifica-se, pois, que lhe
dediquemos um pouco mais de espaço (4).
O panorama actual não pode ser dissociado da evolução
verificada nos últimos anos. Vários factores estiveram na
origem e favoreceram o movimento de concentração desencadeado a
partir do final da década de 80:
- Por um lado, factores directamente ligados ao
campo dos media, como o aumento dos custos de produção
e a consequente necessidade de grandes investimentos, e as
possibilidades abertas ao alargamento da oferta a fim de
corresponder à diversificação dos interesses e ao aumento de
expectativas do público.
- Por outro lado, e de forma determinante,
factores de natureza mais geral, nomeadamente a existência de
uma política governamental incentivadora da reconstituição e
formação de fortes grupos económicos e facilitadora da
concentração da propriedade, no campo dos media como
noutros sectores. Tudo isto, recorde-se, no quadro da
integração na CE e de aproximação (em passo acelerado) aos
critérios e princípios vigentes na Europa capitalista
desenvolvida.
O movimento de concentração reveste-se de algumas
características marcantes:
- resulta quer da tentativa de alguns grandes
grupos económicos alargarem a sua influência à comunicação
social (como é o caso da Sonae), quer da expansão de empresas
já anteriormente ligadas, directa ou indirectamente, ao sector
(casos típicos, respectivamente, do grupo Balsemão e da
Lusomundo);
- assenta, no caso dos principais grupos, numa
estratégia multimédia, procurando juntar imprensa, rádio e TV
e explorando sinergias;
- obedece, em grande parte, a objectivos de
natureza económica, se bem que o desejo de exercer influência
política (ou sobre os políticos) nunca deixe de estar presente,
e até em alguns casos possa ser predominante;
- é sustentado por uma significativa
participação de capital estrangeiro, cujos contornos, em certos
casos, são do domínio público, mas em outros são muito mal
conhecidos (ou muito bem dissimulados).
O quadro da página 33 identifica os principais grupos (incluindo
o Estado e a Igreja, se bem que estes obedeçam a lógicas
próprias) e respectivos órgãos de comunicação social mais
importantes. Fornece um panorama actual, mas é certo que os
próximos tempos irão trazer importantes alterações,
nomeadamente se se concretizarem projectos já anunciados.
Relativamente à situação actual, é possível fazer um
balanço sintético, começando por sublinhar que uma dezena de
grupos económicos domina quase tudo o que é significativo em
termos de comunicação social de expanção nacional e de grande
audiência (com excepção - no que se refere exclusivamente ao
plano da propriedade - dos órgãos que pertencem ao Estado e à
Igreja Católica).
Note-se, entretanto, que entre os grandes grupos nem todos têm a
mesma ... grandeza. Só por si, os quatro maiores controlam:
- três dos principais diários nacionais,
incluindo o de maior tiragem e o único vespertino;
- os dois semanários de maior tiragem;
- a totalidade da imprensa económica, num total
de cerca de uma dezena de títulos;
- a grande maioria das revistas
femininas, populares e de
sociedade;
- os dois únicos canais privados de TV;
- duas das estações de rádio de maior
audiência nacional.
Para um mais profundo conhecimento dos grupos seria
indispensável dar conta dos seus interesses noutros sectores,
para além da imprensa, rádio e TV. Limitemo-nos, nesta
síntese, a registar que praticamente todos os de maior dimensão
possuem ou participam no capital de empresas de distribuição e
de artes gráficas, assim como de outros sectores directamente
ligados aos media, como a publicidade.
Cada grupo, aliás, constitui um caso particular, cujo retrato
completo só análises monográficas permitiriam revelar. Apenas
alguns breves exemplos da diversidade de características e de
percursos: a Lusomundo, não obstante a sua fortíssima presença
na imprensa, nasceu, cresceu e ainda hoje é dominante no sector
da exibição e distribuição de filmes; a Impala, à posição
dominante nas revistas femininas e populares, junta negócios
correlacionados como a moda e a perfumaria; a Projornal, nascida
a seguir ao 25 de Abril como uma sociedade de redactores, é hoje
dominada em mais de 99% por uma multinacional suíça; este mesmo
espírito, aliás, presidiria, em 1988, à criação da TSF,
posteriormente absorvida pela Lusomundo.
4. Grupos económicos e poder
Um elemento importante para o conhecimento da dimensão dos
grupos e do seu lugar no sistema dos media e na própria
sociedade, nomeadamente no que se refere às suas ligações com
o poder dominante, tem a ver com a identidade e o peso económico
dos seus proprietários/presidentes. Um estudo da Fortuna
(5) sobre os 400 mais ricos do nosso País mostra que
entre estes se incluem representantes de praticamente todos os
maiores grupos.
A revista publica uma listagem (encabeçada por António
Champalimaud, com um património líquido de 277,9 milhões de
contos) em que figuram em 3º lugar Belmiro de Azevedo (222,3
milhões), proprietário do Público, em 21º, José
Manuel de Mello (58,3 milhões), com participação na SIC, em
39º, Joe Berardo (41,9 milhões) e em 76º Dias da Cunha (14,9),
com acções na TVI. Os interesses prioritários dos nomes
citados, porém, pelo menos na maioria dos casos, não se centram
nos media.
Mas os proprietários dos principais grupos mediáticos ocupam
também lugares de destaque: em 41º e 42º estão Maria
Perpétua Bordallo da Silva e seu marido, Luís Silva (41,1
milhões), em 97º figura Francisco Pinto Balsemão (10,1
milhões) e em 130º está Jacques Rodrigues (5 milhões).
Entre os 400 mais ricos outros nomes são de reter,
ainda que o estudo não lhes atribua uma classificação nem
indique o património líquido, como são os casos de Miguel Paes
do Amaral, Carlos Barbosa e Maria Margarida Ribeiro dos Reis
(Vicra Desportiva, proprietária de A Bola).
Outro dado importante a considerar diz respeito aos interesses
fora do campo dos media. Sem falar em casos mais
conhecidos como os de Belmiro de Azevedo ou José Manuel de
Mello, refira-se, por exemplo, a ligação (como empresários ou
como proprietários) de Luís Silva, Francisco Balsemão, Jacques
Rodrigues e Miguel Paes do Amaral ao sector imobiliário, de Joe
Berardo aos vinhos, à banca e aos tabacos e de Miguel Paes do
Amaral às propriedades rurais e à gestão de fundos
internacionais.
O estudo da concentração dos media insere-se numa
direcção de investigação que concede a devida relevância aos
aspectos económicos do funcionamento da comunicação social.
Esta, com efeito, ao contrário do que alguns pretendem, não é
um fenómeno meramente superes-trutural, cuja evolução,
situação e repercussões se situem apenas, por exemplo, no
plano da cultura e das liberdades formais, ou se devam
exclusivamente aos aperfeiçoamentos tecnológicos.
Mas a importância concedida à vertente económica não pode
ficar reduzida a uma perspectiva economicista. Não se trata só,
com efeito, de identificar os grupos, analisar os investimentos,
estudar os cruzamentos de participações, o capital estrangeiro,
etc..
A análise quantitativa tem de ser complementada e aprofundada
pela análise qualitativa. Por um lado, tendo em vista a
detecção das ligações entre o plano mediático e o plano
económico e social, as estruturas, as relações e as
hierarquias de poder. Por outro lado, no sentido de apreender
quais as consequências e os reflexos, os condicionamentos e as
determinações da estrutura económica dos media (e da
sua inserção numa determinada configuração económica e
social englobante) sobre o processo da produção da informação
- nomeadamente no que se refere ao conteúdo e aos efeitos dos media,
à situação profissional e laboral dos jornalistas (e de outros
participantes na produção da informação) e à liberdade de
expressão e de informação, enquanto direito a informar e a ser
informado.
É nesta perspectiva que o estudo dos aspectos económicos da
comunicação social e, em particular, da concentração da
propriedade me parece não só útil mas também absolutamente
indispensável para a análise do lugar dos media na
sociedade e dos mecanismos de formação das opiniões e dos
comportamentos, em todas as suas componentes e implicações.
Sendo certo que sem o estudo e a compreensão do que existe não
será possível transformá-lo.
NOTAS:
(1) Caracterização em parte retomada de Os media,
o negócio e os jornalistas, intervenção no 3º Congresso
dos Jornalistas Portugueses, Fev. 1998.
(2) Ver José Luís Garcia, Os jornalistas portugueses
enquanto actores do espaço público mediatizado - Legitimidade,
poder e intermutação, Revista de Comunicação e
Linguagens, nº 21-22, Dez. 1995.
(3) Ver Pierre Bourdieu, Sobre a Televisão, Celta,
1997.
(4) A análise aqui feita da concentração retoma em parte e
actualiza o texto "O poder dos grupos em Portugal", Passapalavra,
Boletim do Sindicato dos Jornalistas. Ver também Os
Jornalistas e as Notícias, Caminho, 1998, Cap. II.
(5) Fortuna, nº 65, Agosto de 1997.
No próximo número: A informação e o Partido