As eleições autárquicas/97 nos distritos de Lisboa e Setúbal

Resultados, causas e acção futura




O texto que se apresenta é uma síntese de ideias produzidas pelas Direcções de Organização Regional de Lisboa e Setúbal, no âmbito de uma primeira análise que foi feita aos resultados eleitorais.


Sobre os resultados das últimas eleições nos distritos de Lisboa e Setúbal, que incluem toda a Área Metropolitana de Lisboa (AML), o que sumariamente se pode dizer é que eles ficam marcados pela perda das Câmaras Municipais de Amadora, Vila Franca de Xira, Montijo e Sesimbra, num quadro caracterizado por uma tendência de perda de posições, aqui ou ali contrariada por progressos, como se verificam nos concelhos de Arruda, Azambuja, Cadaval, Alcácer do Sal, Almada, Palmela, Setúbal e em algumas freguesias.
Em termos mais concretos, resultam destas eleições, no distrito de Lisboa, o mesmo número de vereadores, menos 8 freguesias de presidência CDU, uma ligeira redução do número de eleitos em Assembleias Municipais e Assembleias de Freguesia, uma quebra de presença nas Juntas de Freguesia, um crescimento do número de freguesias onde não temos qualquer eleito e uma quebra de cerca de 20.000 votos, essencialmente concentrada em dois concelhos (Sintra e Amadora).
Em Setúbal, a CDU perde cerca de 10.000 votos e fica com 10 Câmaras Municipais, com a maioria em 10 Assembleias Municipais e a presidência de 54 Juntas de Freguesia.


As causas

O que é posssível adiantar da avaliação e reflexão até agora realizada sobre as causas e consequências que estão na origem ou poderão explicar os resultados eleitorais obtidos nos distritos de Lisboa e Setúbal?
Em síntese, são identificadas duas ordens de razões:

Uma primeira, que identifica e testemunha o peso dos fenómenos políticos globais e de causas objectivas que percorreram e atravessaram horizontalmente o quadro político envolvente e que influíram no comportamento e opções eleitorais de largas faixas da população.
Neste primeiro grupo de razões estão questões como: o papel negativo da Comunicação Social, a imagem e acção do Governo, a associação da ideia de estabilidade política aos resultados das eleições, o esbatimento do carácter e objectivos locais das eleições autárquicas e a campanha levada a cabo pelo PS com amplo recurso e apoio do aparelho de Estado e que teve, nesta zona, particular expressão no que se refere à despudorada confusão entre funções institucionais e partidárias.

Uma segunda, que confirma que a par destes factores nacionais coexistem fenómenos, causas e razões locais que contribuíram para os acentuar ou atenuar e que explicam, pelo menos em parte, comportamentos e resultados diferentes entre os concelhos e no interior de cada concelho, o que constituíria um erro não ter em devida conta.
Sem se ser exaustivo e sem pretender precipitar, em definitivo, um exame e avaliação que necessariamente terá de prosseguir, pode-se adiantar, de forma agrupada, as seguintes questões:

. As características e valor eleitoral das candidaturas em presença (quer das nossas, quer das de outros) que explicam a situação de progresso obtido por vária forças políticas, em diversas freguesias e concelhos.

. A quantidade e a qualidade do nosso trabalho nas autarquias, no seu todo ou em aspectos parcelares, e a forma como ele se impõe ou não junto da população, contribuindo para alimentar insatisfações, dar pasto a avaliações críticas, cimentar desencantos.

. A perda ou esbatimento de características inerentes ao nosso projecto e à forma de intervenção política, traduzida aqui e ali no distanciamento face aos problemas por parte dos eleitos e das organizações do Partido, um refúgio e isolamento na gestão com a progressiva quebra do peso e do espaço dados à intervenção política, no aprisionamento progresssivo a critérios de rotina e inércia que não permitiram dar aqueles novos passos e iniciativas que a situação exigiria.

. A existência de algumas dificuldades detectadas em organizações do Partido, sobretudo no que respeita à sua ligação às populações e à sua real capacidade de influir social e politicamente, o que se traduziu, nalguns casos, numa evidente dificuldade de percepção do ambiente político local e de capacidade para querer ouvir e perceber sinais e opiniões que agora se configuram existirem antes das eleições.

São ainda assinaladas outras razões que se situam nos eventuais efeitos perversos de sondagens e das consequentes reacções que terão ocasionado, quer a motivação de sectores de eleitorado dos nossos adversários, quer o excesso de confiança que terá causado entre os nossos eleitores, bem como a de uma assinalada insuficiência em alguns locais no desenvolvimento do trabalho da campanha.


Trabalho futuro

A importância do esforço que está a ser feito no conjunto dos dois distritos pelas várias organizações para avaliar, com rigor, causas e razões dos resultados eleitorais está, naturalmente, ligada à capacidade que revelarmos para incorporar experiências e ensinamentos, de sentido positivo e negativo, na nossa acção e actividades futuras.
É isto que, agora, fundamentalmente, se deve ter em conta, reforçando o debate, as resoluções e o trabalho que permitam maior margem de êxito e progresso no futuro próximo.
A evolução da situação torna necessária uma crescente exigência e profundidade no nosso trabalho nas autarquias.
O valor e a qualidade do nosso trabalho autárquico é cada vez mais chamado a vencer a diferença que nos separa, em eleições legislativas, dos nossos principais adversários. E, ainda que com limites, alguns resultados provam que o nosso trabalho nas autarquias pode constituir aquela força de atracção necessária à concretização de objectivos e à afirmação de valores que contribuam para o alargamento do prestígio e influência do Partido.
É necessário identificar e apostar naquilo que pode marcar a mais significativa diferença entre o nosso trabalho e o dos outros, capaz de ser reconhecida e tida em conta por todos no momento das suas opções eleitorais.
Podemos e devemos ser capazes de ver afirmada e consolidada essa diferença. Neste sentido, deixam-se colocadas algumas ideias quanto à nossa intervenção:

. Continuar, reforçadamente, a considerar como prioridade das prioridades a participação popular, a nossa proximidade aos seus problemas, a acessibilidade da população aos eleitos, a sensibilidade para os pequenos problemas, o seu desenvolvimento nas decisões e o estímulo à proposta e sugestão da população, de agentes e de associações.

. A consideração das componentes de intervenção social e cultural como componentes da obra, alargando o espaço para as acções de dinamização social e económica, de intervenção solidária, de acompanhamento e identificação com reivindicações e aspirações de sectores da população, designadamente a que mais precisa, e com a qual há que garantir, em primeiro lugar, níveis de identificação recíproca.

. Um maior rigor na nossa conduta e procedimentos no exercício dos cargos, tendo em conta a maior exigência e expectativas sobre nós e os inevitáveis custos acrescidamente desproporcionados que pagamos, se comparados com atitudes e procedimentos idênticos noutros.
Todos temos de ter consciência que há questões - tais como: incumprimentos de regras ou preceitos administrativos, utilização menos sóbria de meios que o poder faculta, menor dedicação ou empenhamento no trabalho, afastamento relativamente às pessoas, ou às vezes até menor manifestação de simpatia - que são, entre nós, julgados com critérios de severidade e exigência incomparavelmente maiores.

As características, qualidade e quantidade do nosso trabalho autárquico não é um problema dos nossos eleitos - no conjunto ou individualmente tomados. É um problema do Partido, da sua direcção e estruturas organizativas onde naturalmente os eleitos se inserem.
É a este e não àqueles que cabem as primeiras responsabilidades.

A elevação do conteúdo do trabalho das organizações locais assume um papel decisivo. São de considerar, entre outros aspectos:

. Uma intervenção mais próxima da população, dos seus problemas locais, e mais capaz de promover, organizar e liderar os movimentos e a luta reivindicativa.

. Uma acção orientada para uma e mais organizada presença dos comunistas e de muitos outros activistas que nos acompanham nas eleições, na vida associativa (colectividades, associações sociais, clubes, movimentos informais).

. A organização do trabalho de direcção que garanta a articulação do trabalho na autarquia com as outras áreas de intervenção locais, uma proximidade dos eleitos às organizações locais e de base que viabilize uma percepção mais precisa do sentir e dos problemas, factores indispensáveis a uma “humanização” da nossa acção autárquica.

Estamos perante a necessidade de, rapidamente, avaliar quais os objectivos, orientações e linhas de trabalho que vamos adoptar no futuro. Desde logo no sentido de responder a novas situações de trabalho em vários concelhos:

. trabalho em minoria em concelhos onde, desde sempre, estivemos em maioria, agora, com pelouros e responsabilidades ou sem eles, e num quadro que se apresenta muito exigente de procura de retoma da posição maioritária;

. trabalho, também, num quadro de disputa da maioria nas próximas eleições;

.
confirmação do trabalho, nas actuais maiorias, que permita a ampliação e consolidação das nossas posições municipais e de recuperação de muitas posições em freguesias, continuando o projecto de desenvolvimento integrado e sustentado, contribuindo para a construção de um caminho de procura de mais qualidade de vida para as populações;

. indispensável afimação do PCP no quadro da gestão na cidade de Lisboa e da AML.

Mas também, e sobretudo, para transmitir às nossas organizações locais o conteúdo de trabalho capaz de inverter a perda da influência política e social verificada e de garantir a oposição firme do PCP à política de direita que vem sendo desenvolvida e que tem agravado as injustiças sociais, e o seu permanente empenhamento, no presente e no futuro, para intensificar a sua actividade e iniciativa transformadora da sociedade.




«O Militante» Nº 234 - Maio / Junho - 1998