O sonho materializa-se

Trabalhadores têxteis deixam de trabalhar ao sábado!




Manuel Freitas
Membro do Comité Central e da DORP e Coordenador da Fesete

Ao fim de cerca de 15 meses de intervenção sindical e lutas diversificadas, foi possível negociar uma das reivindicações mais sentidas e mais desejadas pelos trabalhadores têxteis, nomeadamente as mulheres, o fim do trabalho ao sábado, reduzindo a semana de trabalho a 5 dias de 2ª a 6ª feira. O sonho materializou-se para dezenas de milhares de trabalhadores. Esta vitória, fruto da unidade, da luta, da confiança e da razão contra a “Burla” em que se empenhou a maioria do patronato e o Governo, foi e está a ser comemorada pelos trabalhadores com muita alegria e com um novo registo na suaconsciência social: a luta foi longa, implicou sacrifícios, mas permitiu atingir o principal objectivo porque lutavam.


A experiência dos 15 meses de luta

A luta travada desde Dezembro de 1996 até Fevereiro de 1998, sem interrupção, onde a greve esteve sempre presente, aliada a uma grande diversidade de iniciativas de massas das quais se destacam: desfiles em Lisboa junto do Primeiro Ministro e Assembleia da República; dezenas de marchas e concentrações nos principais concelhos como Espinho, Porto, Santo Tirso, Famalicão e Guimarães; centenas de plenários, concentrações e cortes de estrada junto das empresas. A greve, que no início da luta era apenas ao tempo que excedia as 40 horas, quando a luta terminou tinha grandes empresas totalmente paralisadas. Não será exagerado afirmar estarmos perante uma das lutas mais importantes dos têxteis na defesa dos seus direitos contratuais.

Mas só foi possível chegar à vitória pela conjugação de vários factores e atitudes:

1. A reivindicação do fim do trabalho ao sábado era aquela que os trabalhadores há anos mais aspiravam.

2. A denúncia firme, clara e atempada dos Sindicatos, da “Burla” que o patronato e o Governo pretendiam impor.

3. A denúncia pública da “Burla”, colocando os deputados do PS, PSD e PP perante as suas posições políticas quando da votação da Lei 21/96, levando-os a admitir que os trabalhadores tinham razão e colocando-os perante a posição contraditória do Governo.

4. Uma atitude dos Sindicatos e da Fesete (Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles), que consideraram esta luta a primeira prioridade do trabalho dos seus dirigentes e dos seus meios disponíveis deixando para trás muitas outras tarefas, também importantes.

5. O envolvimento e a participação democrática dos trabalhadores nas decisões mais importantes da luta ao longo dos 15 meses.

6. Uma total disponibilidade e entrega de dezenas de dirigentes e activistas sindicais que, ao longo de 15 meses, tudo sacrificaram em prol da direcção e organização da luta, no esclarecimento dos trabalhadores, na denúncia do patronato e do Governo e na exigência de soluções.

7. O envolvimento das Uniões Distritais, da CGTP/IN e dos seus dirigentes mais destacados no acompanhamento do conflito; intervenção pública e institucional, nomeadamente, junto dos diversos orgãos do poder, levando-os a pronunciarem-se sobre o conflito.

8. O apoio e as justas posições do PCP e do seu Grupo Parlamentar.

9. O amplo movimento de solidariedade criado na sociedade portuguesa, que incluiu autarcas, deputados, cientistas, professores universitários, juristas, músicos, artistas de teatro, dirigentes dos Sindicatos independentes e de Sindicatos da UGT e ainda outras personalidades.

É verdade que o determinante para a vitória foi a unidade e a luta dos trabalhadores, mas, esta luta só chegou ao fim em crescendo face aos envolvimentos, apoios e atitudes solidárias atrás descritas.


Em promessas Guterres e Cavaco Silva estão empatados

Primeiro foi Cavaco Silva quem prometeu que até 1995, o período normal de trabalho seria reduzido para as 40 horas. 1995 chegou e a promessa não foi cumprida. O PS prometeu rectificar a falha e em plena campanha eleitoral prometeu aos trabalhadores têxteis as 40 horas. Ganhas as eleições com os votos da maioria dos trabalhadores têxteis, o Primeiro Ministro esqueceu as promessas feitas, cedeu ao poder económico do sector e deu o dito por não dito. Fazendo uma interpretação abusiva da lei, patronato e Governo unem-se na “Burla” aos direitos contratuais dos trabalhadores, a qual só não se concretizou porque estes, organizados nos seus Sindicatos e conscientes da sua razão, lutaram e ganharam, contra um Governo que durante 15 meses insistiu impunemente numa interpretação contrária ao texto e espírito da lei aprovada.


Falta ainda esclarecer as pausas no Vestuário e os sábados na Cordoaria

Se o fim do trabalho ao sábado está garantido nos têxteis, há ainda uma parte do conflito nos sectores do vestuário e da cordoaria que está por resolver.
Contratualmente estão negociadas como tempo de trabalho pausas de 10 minutos nas linhas de trabalho intensivo e cadenciado no vestuário, como forma de proteger a saúde dos trabalhadores e manter a produtividade das empresas. Também neste caso, patronato e Governo se uniram para pôr em causa este direito e obrigando os trabalhadores a pagarem à sua custa as duas pausas diárias que há décadas são tempo de trabalho.
Na cordoaria, onde a luta dos trabalhadores não teve o mesmo impacto da têxtil, o patronato até ao momento recusou-se a negociar o fim do trabalho ao sábado.
Só a unidade e a luta dos trabalhadores pode levar à negociação e ao respeito dos direitos contratuais. É necessário que se alargue e fortaleça entre os trabalhadores a consciência da sua força e a luta pelos seus direitos. A luta dos têxteis é um bom exemplo a seguir.




«O Militante» Nº 234 - Maio / Junho - 1998