Notas e Comentários

A propósito de mudanças




Não são poucos aqueles que, com o desenrolar do tempo, vão modificando o seu pensamento político, o seu voto e até a sua filiação partidária. As razões são numerosas e podem ter fundamentos muito diferentes. Podem considerar-se como motivações mais frequentes os conhecimentos e as experiências que se vão adquirindo, os interesses materiais e certas influências de tipo muito diverso.

Como é conhecido há aqueles que se deslocam de posições de direita para posições de esquerda mas também há o contrário.

Estamos a viver um período em que, em virtude da grande decepção dos que votaram no PS em 1995 na esperança de uma política diferente da do período cavaquista, é natural que haja a perspectiva de mudança de muitos votos. Isso está, na realidade e tanto quanto se pode ir conhecendo, a suceder e, decerto, desempenham a esse respeito um papel muito importante as lutas que as massas trabalhadoras e outras camadas laboriosas estão travando contra a clara política de direita do actual Governo.

Mas existem outro tipo de razões que fazem com que mudanças num sentido oposto continuem a efectuar-se. Há uns anos atrás, influenciados, pensa-se, pelas dificuldades vividas pelos comunistas em virtude do sucessivo agravamento da política reaccionária no nosso País e, ainda mais, pelos acontecimentos internacionais que chegaram até à derrocada da União Soviética, numerosos membros do Partido afastaram-se e alguns deles começaram a aparecer ligados a outros partidos, particularmente ao PS, mas não só. É certo, no entanto, que muitos daqueles que tomaram atitudes de maior ou menor protesto contra o nosso Partido, mais depressa ou menos depressa, reconsideraram as suas posições.

Agora, neste período de preparação das eleições autárquicas, é natural que na composição das listas que irão aparecer se observem mudanças de posição política de vários dos seus componentes. Num sentido e também no outro sentido.

Tornou-se público, por exemplo, o facto de um membro do PCP, que fora, em tempos, vereador da Câmara de Almodôvar, ter defendido a sua participação numa lista do PSD e tudo leva a crer que irá concretizar essa sua ideia, não já como membro do Partido porque a sua posição, incompatível com aquela qualidade, obrigou à sua expulsão do PCP. Parece que um outro elemento, que também fora vereador como membro do PS também se inclui na lista e, em Almodôvar, o que se diz é que o objectivo dum e doutro é alcançarem mais algum período como vereadores para atingirem o tempo necessário para usufruirem de uma reforma.

Também é público e conhecido que o cabeça de lista do PS para a Câmara de Évora é um ex-membro do PCP que aparece como candidato independente. Quando foi da apresentação do candidato da CDU ao mesmo executivo, que é o nosso camarada Abílio Fernandes, actual Presidente da Câmara, houve um outro ex-membro do PCP que pediu para falar. Foi o médico António Jara que quis tomar publicamente não só a sua posição de apoio à candidatura da CDU mas também afirmar que «mais do que nunca, o Partido Socialista precisa de um cartão vermelho. Apesar de o candidato independente (à Câmara de Évora) que, por sinal, é meu colega e amigo, esse candidato deixa de ser independente a partir do momento em que é apoiado pelo Partido Socialista. Portanto, votar nesse candidato é votar no Partido Socialista, é votar numa política de direita» (Diário do Alentejo, 11/4/97).

O cabeça de lista do PS à Câmara de Palmela é também um ex-membro do Partido que, aliás, foi presidente daquela Câmara entre 1976 e 1982.

Numa longa entrevista que deu a O Diabo (22/4/97), cujo título é «O PCP é excessivamente básico» e ante-título «Edgar Costa explicou a O DIABO as razões da deserção», diz que foi em 1995 «que me demiti, uns meses antes das eleições legislativas». E à pergunta do entrevistador - «Existiu alguma razão especial para a demissão ter sido apresentada nessa altura?» - respondeu:

«A realidade política indicava-me que ia haver mudança em Outubro, pressenti que o PS iria ganhar as eleições, que estava a chegar um outro tempo político, depois de dez anos de cavaquismo que saturou todos os portugueses. Era, repito, tempo de mudança, e eu aproveitei também para mudar e, finalmente, tranquilizar a minha consciência.» A franqueza é uma boa qualidade...


«O Militante» Nº 229 de Julho/Agosto de 1997