Eleições para o Conselho das Comunidades Portuguesas

Por uma mudança real
na política de emigração

Por João Armando
Membro do Comité Central




No passado dia 27 de Abril, e pela primeira vez, os emigrantes puderam eleger directamente os seus representantes para o Conselho das Comunidades Portuguesas. Estas eleições transcendem, em importância, a leitura simplista que alguns pretendem fazer a partir de uma grande abstenção, numa tentativa de desvalorização do próprio órgão, só porque os resultados não lhes foram favoráveis.

É um facto que, tal como o PCP previu, a participação dos emigrantes neste acto eleitoral ficou muito aquém do possível, devido à falta de medidas eficazes por parte do Governo, quer em relação à informação junto dos emigrantes, quer na organização dos cadernos eleitorais, que deveriam ter sido informatizados de forma a permitir o desdobramento de mesas de voto, tendo em conta a grande dispersão geográfica (existem localidades com forte presença de portugueses que ficam a mais de 100 Km do consulado).



As Comissões Consulares de Emigrantes


Logo a seguir à Revolução de Abril, o PCP defendeu a criação de uma estrutura formada pelos próprios emigrantes, proposta que se manteve e foi evoluindo e adaptando às modificações surgidas no seio da própria emigração.

A existência de um tal órgão é parte constitutiva indispensável para a concretização de uma verdadeira política de emigração. Os problemas dos emigrantes devem ser resolvidos com os próprios emigrantes, com a sua colaboração e participação activas, sem as quais, como a vida tem vindo a confirmar, não se encontrarão soluções válidas, duradouras e democráticas para a melhoria da situação deste universo tão complexo como é a diáspora portuguesa.

Em 1979, o PCP apresentou na Assembleia da República (AR) um projecto de lei que criava as Comissões Consulares de Emigrantes. Esse projecto foi aprovado com os votos do PCP e do PS; o CDS absteve-se e o PSD votou contra. Estes dois partidos deram assim mostras do desprezo a que desde sempre votaram os emigrantes, só deles falando praticamente quando se trata da caça ao voto.

Em muitos países, desde logo, os emigrantes e o seu movimento associativo começaram a organizar listas para concorrer a estas eleições, que seriam as primeiras a ser realizadas nos consulados, por voto directo. Em alguns países (Luxemburgo, por exemplo), houve mesmo eleições que tiveram lugar nas sedes das associações portuguesas. Ou seja, as eleições do passado dia 27 de Abril chegaram com 18 anos de atraso.

Entretanto surgem eleições legislativas que dão a maioria à AD. Com o novo Governo, a lei das Comissões Consulares não foi regulamentada e estas nunca chegaram a ser formadas.



O primeiro Conselho das Comunidades Portuguesas


Face à forte movimentação dos emigrantes contra a não aplicação da lei, o Governo da AD - com Manuela Aguiar como Secretária de Estado da Emigração - procura uma saída. E em 1980 cria, por decreto governamental, o Conselho das Comunidades Portuguesas, formado na base de representantes do movimento associativo. Desde logo as tendências para a sua governamentalização são evidentes, nomeadamente através do excessivo peso de membros nomeados pelo Governo. Em 1987, já com a maioria absoluta do PSD, realiza-se em Albufeira aquela que viria a ser a última reunião mundial do Conselho. Os conselheiros, vindos de todos os continentes, manifestaram, em uníssono e pela primeira vez, “o seu descontentamento pela forma pouco dignificante com que foram e continuam a ser tratados pelo Governo português”, ao mesmo tempo que declaravam a sua vontade em “defender um Conselho das Comunidades Portuguesas, cuja orgânica seja um verdadeiro instrumento de consulta e reconhecido com a dignidade que a emigração portuguesa merece" (do Comunicado aprovado na reunião).

Por parte do Governo do PSD a resposta não podia ser pior. Ignorou os Conselhos de País e os seus membros, desrespeitou a legislação em vigor deixando de convocar os Conselhos Regionais e o Conselho Mundial.

Como o descontentamento se mantém e se aproximam as eleições legislativas, o Governo, em 1990, e de forma autoritária, no melhor estilo cavaquista, cria por Decreto, o célebre 101/90, as “novas estruturas representativas das comunidades portuguesas”, ao mesmo tempo que revoga a lei do CCP.

As reações de protesto não se fazem esperar mas o Governo faz ouvidos de mercador.

O PCP e o PS pedem a ratificação do decreto-lei para discussão no Parlamento. A maioria absoluta do PSD recusa, assim como virá a recusar a discussão e votação do projecto de lei do PCP de criação do Conselho Consultivo das Comunidades Portuguesas. O esquema que o Governo pretendia montar com o DL 101/90 era de tal ordem aberrante que foi ignorado pelos emigrantes. Foi uma “coisa” que abortou à nascença.



O segundo Conselho das Comunidades Portuguesas


Logo a seguir às eleições legislativas de Outubro de 95, e perante a denúncia e a persistência do PCP, o Governo do PS e o PSD viram-se na obrigação, seguindo o exemplo do PCP, de apresentar propostas legislativas na AR sobre esta matéria.

Em Junho de 1996 é aprovada, por unanimidade, a Lei 48/96 que cria o actual Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP). A lei aprovada contempla, no essencial, a proposta do Governo. Lamentamos que o PS não tenha acolhido na redacção final alguns aspectos da proposta do PCP que sabemos serem bem aceites por amplos sectores das comunidades portuguesas, nomeadamente a criação e intervenção autónoma de Conselhos de País.

O PCP votou favoravelmente esta lei por estar convicto que a existência desta estrutura é um passo importante no bom sentido, mas também porque o texto final, apesar do que dizemos acima, deu acolhimento a algumas das propostas no sentido de “garantir uma maior democraticidade do processo, bem como uma participapação mais alargada”: os membros eleitos aumentaram de 75 para 100; dois presidentes de mesa de voto passam a integrar a assembleia de apuramento geral; a criação de secções (órgão ao nível de país) deixou de depender de decisão do Conselho, em reunião mundial, mas sim da vontade e capacidade da comunidade no respectivo país; no Conselho Permanente (15 membros) não existirão mais de 2 membros por país.



As eleições de 27 de Abril de 97


No entanto, os desenvolvimentos e acontecimentos ocorridos durante este processo eleitoral vieram confirmar as apreensões manifestadas na altura pelo Grupo Parlamentar do PCP, na sua Declaração de voto, onde avançava com algumas críticas ao diploma aprovado por ser “excessivamente governamentalizado e insuficientemente propicia-dor da participação dos principais interessados, os nossos emigrantes e as suas organizações representativas”.

Com efeito, da Venezuela, do Brasil, do Canadá, da África do Sul, da Espanha, do Luxemburgo, da Bélgica, da Suíça, chegaram notícias de protestos de listas concorrentes referindo diversas anomalias e ilegalidades quer na organização do processo eleitoral, quer no dia das eleições. São feitas sérias acusações à falta de isenção por parte das entidades oficiais - consulados e embaixadas - e mesmo da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, entidade responsável pelo processo, e do próprio Secretário de Estado, Eng. José Lello, e assessores do seu gabinete, os quais, durante a campanha eleitoral, participaram em iniciativas promovidas por organizações promotoras de listas concorrentes. Comportamento condenável foi também o do deputado do PS eleito pela emigração, assim como de algumas organizações do PS na emigração, que não só partidarizaram este acto como utilizaram o aparelho diplomático a seu favor e alguns dos seus membros, na Suíça, utilizaram métodos fraudulentos tais como a falsificação de assinaturas.

De facto, a direita em Portugal nunca esteve, nem está interessada, na existência de uma verdadeira estrutura democrática e representativa dos emigrantes. O actual Governo do PS, pela sua postura neste processo, já demonstrou que não é diferente. Para eles é muito mais fácil tratar os problemas de forma isolada, ficando de mãos livres para escolher, em cada país e em cada momento, os seus interlocutores de acordo com a afinidade político-partidária.

O controlo e a fiscalização do processo eleitoral não pode continuar a ficar dependente do Governo, parte interessada no resultado eleitoral. Esta é uma das questões que deve ser alterada na actual legislação.

Estas eleições puseram ainda em evidência a importância e a necessidade de dar tratamento adequado às estatísticas sobre o número real de portugueses residentes no estrangeiro, como se verifica pelos números do quadro da página 40.



Os emigrantes saberão travar as tendências corporativas daqueles que, por razões político-partidárias, procuram limitar a participação e representatividade do CCP ao movimento associativo, ignorando a realidade das comunidades portuguesas.

A participação de dezenas de milhares de emigrantes neste acto eleitoral é um sinal importante de que este é o caminho que, naturalmente, terá de ser aperfeiçoado.

Um CCP mais representativo e mais democrático será o produto de uma ampla participação das comunidades portuguesas emigradas, que tenham em conta o movimento associativo, os sindicalistas e outros sectores sociais muito diversos.



No dia 17 de Maio realizou-se em Neuchâtel, na Suíça, o Encontro de Coordenação das Organizações do PCP na emigração portuguesa na Europa.

Das conclusões do Encontro extraímos alguns dos pontos referentes às eleições para o CCP:

br> (...) Considerando que a abstenção verificada não deve pôr em causa este processo de eleição directa pelos emigrantes dos seus representantes, julga-se entretanto necessário aprofundar o conhecimento das causas de abstenção e agir para elevar no seio dos emigrantes a consciência da necessidade da sua participação activa e combater o alheamento e o conformismo quanto ao exercício dos seus direitos.

O Encontro salientou a necessidade de, sem prejuízo da entrada em funcionamento do Conselho eleito, ser necessário introduzir correcções significativas na sua futura estrutura e processo eleitoral, para reforço da sua democraticidade e representatividade, de modo a eliminar traços negativos que marcaram as recentes eleições:

a) A concentração de funções contraditórias na Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas - entidade para quem não é indiferente a eleição desta ou daquela lista - que organizou e fiscalizou o processo eleitoral, ao mesmo tempo que o Secretário de Estado e outros membros do seu Gabinete e do aparelho consular intervieram na campanha eleitoral em favor de listas concorrentes;

b) a correcção das distorções na distribuição de mandatos por países tendo em conta o número real dos inscritos nos consulados, em vez da sua distribuição a partir da estimativa dos portugueses residentes, tal como sucedeu nestas eleições;

c) uma maior intervenção e valorização das comissões eleitorais em cada país no acompanhamento do processo eleitoral;

d) tendo em conta a experiência, marcadamente negativa, da participação de funcionários consulares em listas concorrentes, torna-se necessário estabelecer regras que, sem excluir a sua participação neste importante órgão, dêem maior garantia de isenção por parte dos consulados e embaixadas;

e) a urgente correcção dos cadernos eleitorais para garantir maior rigor, visando eliminar as duplas inscrições e também garantir o direito de voto aos emigrantes que comprovadamente estão inscritos nos postos consulares e que nestas eleições, sem razões compreensíveis, ficaram impossibilitados de votar porque o seu nome não figurava nos cadernos eleitorais.


O Encontro defendeu a realização da primeira reunião plenária do Conselho eleito ainda este ano e necessariamente antes da discussão na Assembleia da República do Orçamento do Estado, permitindo assim que o CCP possa pronunciar-se sobre a política de emigração e os meios que o Governo prevê atribuir a esta estrutura.(...)


«O Militante» Nº 229 de Julho/Agosto de 1997