Rendimento Mínimo Garantido (RMG)
A concretização de um novo direito social

Por Edgar Correia
Membro da Comissão Política




A lei nº 19-A/96 de 29 de Junho, que criou o rendimento mínimo garantido, instituiu uma prestação do regime não contributivo da segurança social e um programa de inserção social, por forma a assegurar aos indivíduos e seus agregados familiares recursos que contribuam para a satisfação das suas necessidades mínimas e para o favorecimento de uma progressiva inserção social e profissional.

A lei do RMG está a ser concretizada até 1 de Julho de 1997 apenas parcialmente, através de projectos piloto experimentais de acção social. A partir desta data entrar-se-á na fase da sua aplicação generalizada.

Importa salientar que o financiamento do rendimento mínimo - quer da prestação do rendimento não contributivo da segurança social e dos seus custos de administração - está assegurado através de transferências do Orçamento do Estado para o Orçamento da Segurança Social. Em 1996 o Orçamento do Estado estabeleceu uma verba de 3,5 milhões de contos para o rendimento mínimo garantido. No Orçamento do Estado para 1997 estão-lhe consignados 25,3 milhões de contos.



PCP, primeiro no RMG


O PCP, como se sabe, foi o primeiro partido a apresentar na Assembleia da República (em 6/5/93, no decurso da VI legislatura) um projecto de lei visando a fixação de um rendimento mínimo de subsistência a que todos os cidadãos residentes em Portugal tivessem direito. Só quase dez meses depois, em 25/2/94, é que o PS apresentou um projecto de lei com idêntica finalidade. Mas foram na altura ambos rejeitados com os votos contra do PSD e do CDS/PP.

O PCP voltou a apresentar o seu projecto de lei na presente legislatura. Embora se possam observar algumas diferenças entre o projecto de lei do PCP e o texto que acabaria por ser aprovado como lei na Assembleia da República - por exemplo a prestação pecuniária, na nossa proposta, não podia ser inferior a meio salário mínimo nacional - é um facto que o rendimento mínimo garantido passou a constituir um novo e importante direito social da população residente no nosso país.



O RMG e a situação política e social


Um aspecto que importa sublinhar é que o rendimento mínimo garantido - quer na sua vertente de prestação pecuniária, quer na da inserção social - não constitui uma medida de intervenção ao nível das causas das (crescentes) desigualdades nem é susceptível de curar os graves problemas sociais que atingem a nossa sociedade. E muito menos pode ser utilizada como factor desresponsabilizante das políticas, actualmente levadas a cabo pelo governo do PS, que estão a conduzir a uma rápida e acentuada degradação da situação social no nosso país.

Outra ideia igualmente a sublinhar é de que a pobreza e a exclusão social, na multidimensionalidade das suas dimensões, constituem gravíssimos flagelos sociais. Mas não constituem, na compreensão e perspectiva dos comunistas, realidades que a sociedade deva aceitar como fenómenos naturais ou como fatalidades.

Em relação ao rendimento mínimo garantido, isto significa que interessa promover a sua aplicação para limitar situações pessoais mais intoleráveis, mas uma aplicação como direito social, combatendo quaisquer propósitos que pretendam transformar a sua concessão numa benesse ou num favor político, religioso ou pessoal. E que importa igualmente associar a esta intervenção a continuação da luta mais geral contra as políticas que estão na origem das situações da pobreza e da exclusão social.

Os meses já decorridos de aplicação parcial do rendimento mínimo garantido, através de projectos piloto experimentais, fornecem um conjunto de interessantes indicações e de experiências.

Importa registar a estimativa oficial de que na fase de generalização o rendimento mínimo garantido deve abranger um total de cerca de 350 mil pessoas, número este que não é de excluir que possa ser mais elevado.

Além disso as informações disponíveis de vários pontos do país fazem sobressair: o acentuado interesse e empenhamento de estruturas ligadas à Igreja Católica na aplicação do RMG; e a visível mobilização das estruturas do PS a nível local e regional (governadores civis), procurando tirar dividendos políticos e eleitorais, nas próximas autárquicas, da aplicação deste novo direito social.



O RMG e as autarquias locais


A intervenção das autarquias locais e de outras estruturas de natureza associativa onde os comunistas têm influência, na concretização do RMG, tem constituído matéria de cuidada reflexão nos últimos meses.

A questão básica à qual essa reflexão tem procurado responder não é a de intervir ou de não intervir na aplicação do rendimento mínimo garantido, mas sim de como intervir.

A respeito das autarquias locais importa relevar, para além da prestação de serviços, o papel que elas têm como representantes políticos das populações à escala local. Nesta perspectiva, nada do que diga respeito ou interesse às populações deve ser estranho à atenção e ao empenhamento das autarquias locais.

Obviamente que esta perspectiva não colide com a velha e provada orientação das autarquias locais não deverem aceitar que lhes sejam transferidas (ou assacadas) novas responsabilidades, sem que elas tenham a ver com as suas competências e lhes tenham sido disponibilizados os meios indispensáveis.

A intervenção política geral, designadamente no âmbito das comissões locais de acompanhamento, para que a aplicação do rendimento mínimo garantido seja feita como direito social e de forma correcta e transparente, para que as prestações possam ser mais elevadas, constituem evidentemente posturas que importa assumir em quaisquer circunstâncias. Mas elas podem e devem ser articuladas com uma postura reivindicativa em relação aos meios necessários para a aplicação generalizada do rendimento mínimo, para a concretização de programas de inserção (emprego, formação profissional) e para a resolução de outros problemas sociais.

Nesta perspectiva importa em concreto valorizar a possibilidade e a perspectiva do desenvolvimento de uma nova e importante frente local de luta pelo emprego. Apontando várias informações para o propósito deliberado por parte de estruturas do PS de atirarem as responsabilidades da inserção social para cima das autarquias locais dirigidas pela CDU, estas necessitam de adoptar uma postura que combata efectivamente esse propósito e faça bater à porta do poder central as mais que justas reivindicações de trabalho para os desempregados.

Já no que respeita ao envolvimento directo das autarquias locais e de outras estruturas de natureza associativa na aplicação no terreno do RMG, as situações carecem de um exame particularizado e concreto.

Em quaisquer circunstâncias parece importante assegurar o envolvimento e a responsabilização da Segurança Social, das suas estruturas e técnicos, na aplicação no terreno do RMG, tanto mais quanto é à Segurança Social, aliás, que a lei atribui a decisão sobre as candidaturas que devem ser aceites. A exigência dos indispensáveis apoios técnicos para a implementação no terreno do RMG, o desenvolvimento de uma frente reivindicativa de base local de luta por condições para uma efectiva inserção social, o atendimento político das populações e a concretização de uma constante informação a respeito da aplicação do RMG, constituem sem dúvida outros aspectos aos quais importa igualmente prestar particular atenção.

Entrando a aplicação do RMG em 1 de Julho na fase da generalização, a atempada informação à população e os múltiplos problemas que coloca a sua concretização como direito social, são questões claramente colocadas na ordem do dia do trabalho dos comunistas.


«O Militante» Nº 229 de Julho/Agosto de 1997