Por Jerónimo de Sousa
Membro da Comissão Política
Quando em Dezembro se realizou o XV Congresso do Partido e se
sublinhou na Resolução Política o carácter determinante da
luta de massas e, em particular, a luta do movimento operário e
sindical para fazer frente à política de direita do Governo PS,
a situação parecia contradizer esta tese. A acção e as
atitudes do Governo ainda estavam de algum modo envoltas e
protegidas pelas promessas, pelo diálogo, pelas expectativas da
mudança aliadas à lembrança ainda viva da arrogância e do
carácter anti-social do consulado cavaquista.
Exemplos disso eram o Acordo estabelecido com as organizações sindicais da Administração Pública e o processo que decorria em sede de concertação social visando um Acordo de Concertação Estratégica centrado nas questões do Emprego.
Só que a peça de conteúdo estratégico sobre o horário de trabalho apresentado e aprovado pelo Governo à margem do processo que decorria na Concertação, constituiu a primeira prova de uma política social que não correspondia às esperanças de mudança.
A abusiva interpretação e aplicação por parte de um vasto sector do patronato, particularmente da têxtil, após algumas escaramuças preliminares nos sectores da metalurgia, indústrias eléctricas e na química, foi um ponto de viragem na luta já que quebrou ilusões e expectativas.
Quase em simultâneo o Governo PS estabelecia como fasquia para os aumentos salariais a percentagem da inflação previsível tentando garantir exclusivamente para o lucro do capital todos os ganhos de produtividade.
Foi também o momento em que o executivo de Guterres aprovou o seu Programa de Privatizações que, com objectivos demolidores, se propunha não deixar pedra sobre pedra do Sector Público Empresarial.
O horário de trabalho, tanto no seu conceito como na sua
efectiva redução, transformou-se numa questão central para os
trabalhadores e para o movimento sindical unitário. Tanto por
ser um direito e uma conquista histórica como por, directa ou
indirectamente, estarem colocados em causa outros direitos
individuais e colectivos.
Mantendo uma posição dúplice conforme o interlocutor, o PS, ora por via do Governo, ora pelo Grupo Parlamentar, ou até dos autarcas do Vale do Ave ou da Corda da Serra, onde têm influência e se desenvolvia a luta, só clarificou a sua posição quando, em conjunto com as Confederações Patronais e a UGT, produziu a célebre Nota Interpretativa da Lei e posteriormente votou contra o projecto de lei do PCP que visava a clarificação dos conceitos dos tempos de trabalho.
A luta dos trabalhadores que na têxtil se prolonga por vários meses em empresas onde há muitos anos não se lutava consegue importantes êxitos na defesa das pausas e dos intervalos dos turnos. A crítica ao Governo e a sua responsabilização verificam-se hoje em regiões de maioria PS.
Nos Caminhos de Ferro, onde se tinha instalado a ideia de que sem
maquinistas a luta não valia a pena, a Federação dos
Ferroviários, que durante anos foi confrontada com tentativas de
isolamento por parte dos sucessivos governos e das
administrações e com a maior pulverização sindical fabricada
pela UGT, TSDs e TSSs, sustentada por concepções corporativas,
recupera e protagoniza a luta em torno da contratação
colectiva, dos direitos dos ferroviários e de defesa da função
social dos Caminhos de Ferro.
Os sindicatos da frente Comum da Função Pública constatam que, com o arrastamento das negociações, o Governo se preocupou mais com os ganhos políticos da assinatura do Acordo do que com a resolução das grandes questões consubstanciada na proposta. A luta dos trabalhadores da Administração Local e dos precários da Função Pública foram o sinal e o aviso da desmistificação do diálogo pelo diálogo.
Sucedem-se as greves na ex-Rodoviária e no sector das pescas. Os professores e os polícias movimentam-se. Na Lisnave, na Siderugia Nacional, no Casino Estoril, nas Minas de Aljustrel, na Quimigal, no Chiado, os trabalhadores realizam acções de luta diversificadas.
Com as acções de rua, a luta assume uma nova dimensão, sendo de destacar a manifestação de mulheres promovida pela CGTP e MDM, no dia 8 de Março. Segue-se a acção desenvolvida pela USL e USS, do dia 22 do mesmo mês. No Vale do Ave e na Corda da Serra prossegue e alarga-se a luta determinada pelos trabalhadores da têxtil, do vestuário e do calçado.
As questões sociais marcam as amplas comemorações populares do 25 de Abril. O 1º de Maio, convocado pela CGTP e realizado em diversas capitais de Distrito e outras localidades, constituiu, pela sua amplitude e participação, uma prova inequívoca que a luta tem condições de desenvolvimento num quadro que tende para o agravamento dos problemas e para o redobrar da ofensiva aos direitos dos trabalhadores, tanto por parte do patronato como por parte do Governo PS.
A grande acção da CGTP em Lisboa e no Porto, convocada pela CES, em torno do emprego, a iniciativa das ORTs, no dia 5 de Junho, contra as privatizações e em defesa do Sector Público e das funções sociais do Estado, e a decisão da CGTP de diversificar, ampliar e fazer convergir a luta durante a 2ª quinzena de Junho, demonstram as reais possibilidades do desenvolvimento da luta de massas.
Perante o sacudir do conformismo por parte dos trabalhadores,
sentindo que a imagem dialogante do Governo se vai finando, o PS
ensaia duas medidas legislativas reveladoras da sua crispação
face à luta dos trabalhadores.
Acordou com o PSD constitucionalizar os chamados serviços mínimos durante a greve, nos termos experimentados pelo Governo de Cavaco Silva, por via de lei ordinária.
Pensando naturalmente que os trabalhadores dos transportes, da Administração Pública, da Energia, vão resistir à política que conduz a mais despedimentos e a menos direitos, tenta dar força constitucional àquilo que foram serviços máximos durante a greve na CP, Carris, EDP, no sector da Saúde, num claro propósito de condicionar o exercício e o impacto da greve.
Quase em simultâneo, avançou com uma série de propostas de alteração ao Código Penal, enxertando nelas o princípio de crime sujeito a pena maior quando existam manifestações com cortes de estrada.
A perspectiva de um Orçamento de Estado com restrições sociais leoninas impostas por Maastricht e pela caminhada cega para a moeda única, os persistentes anúncios de eliminação de milhares de postos de trabalho nas empresas privatizadas ou a privatizar (Banca, Transportes, EDP), a nova fase do ataque faseado ao sistema de Segurança Social delineado no chamado Livro Branco, uma nova revisão das leis laborais em gestação na Concertação Social e trabalhada pelos três parceiros Governo - CIP - UGT, constituem uma linha de horizonte mais ou menos próxima conducente ao confronto entre os trabalhadores e uma política de retrocesso social que o Governo PS, por opção, tenta levar por diante.
Neste quadro de ofensiva e de resistência, releva a formação
de consciência social quanto ao papel e a caracterização do
Governo e da sua política e quanto ao comportamento da UGT como
instrumento dessa política contra os interesses e direitos dos
trabalhadores. A vitória da lista unitária para a Direcção do
Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas e o apoio maioritário
às listas de unidade para os Secretariados dos Bancos e dos
Reformados, com maiorias absolutas em importantes instituições
bancárias, foram reveladores de uma nova consciência com
consequências político-sindicais. Na Auto Europa, nas
eleições para a Comissão de Trabalhadores, a lista unitária
que partia com uma enorme desvantagem, tendo em conta o anterior
resultado, ficou à beira de alcançar a maioria nesta empresa
com milhares de jovens formados na escola da multinacional.
As Coordenadoras das Comissões de Trabalhadores (CTs) das regiões de Lisboa e Setúbal foram eleitas com o apoio massivo dos membros das CTs que coordenam. Ao contrário dos vaticínios do PS, da direita e da UGT, aumenta o número de CTs e Sub-CTs como resultado do desmembramento das empresas, com os trabalhadores a demonstrarem uma elevada capacidade de resposta organizada à reestruturação empresarial que visa, entre outros objectivos, destruir essas estruturas unitárias.
Na sua acção política geral, no acompanhamento às
organizações, organismos e células e no plano institucional o
Partido definiu orientação e assumiu a iniciativa mobilizando
os militantes e as massas ante as grandes questões sociais, na
denúncia, na previsão e caracterização da política do
Governo. Soube, com a sua justa linha de intervenção política,
capitalizar maior prestígio social a exigir, ainda assim, que se
continue o esclarecimento, a mobilização e o combate político
na medida em que existem condições para elevar a consciência
do trabalhador que luta para o cidadão que vote em
correspondência com as suas aspirações, que adira ao Partido
que está em condições de contribuir para a mudança política.
Para uma mudança à esquerda, na batalha das autárquicas,
importa também fazer reflectir essa mesma consciência.
Animar a luta e dar confiança a quem a trava continua a constituir uma tarefa central do PCP.