ABERTURA

É preciso virar à esquerda


Os números que caracterizam a situação social no nosso país continuam a ser muito alarmantes.

É certo que nos países da União Europeia (números de 1993 das Estatísticas Sociais e Regionais do Eurostat) há mais de 57 milhões de pobres e cerca de 20 milhões de desempregados. Mas Portugal em quase todos os números está colocado em último lugar (Expresso, 11/5/97). Enquanto, nos (então) Doze, 17% dos agregados familiares estavam abaixo do limiar de pobreza, em Portugal essa percentagem atingia 29%, quase um em cada três agregados. Mesmo a Grécia está à nossa frente com 24%. E nas famílias mais numerosas (casais com três ou mais crianças), Portugal tem a percentagem mais elevada - 43% (média comunitária de 23%).

Mais de metade (55%) dos idosos (idade igual ou superior a 65 anos) portugueses, que viviam só, estavam abaixo do limiar da pobreza. É a maior taxa na UE, que tem como média 27%.

O rendimento mensal líquido equivalizado (em Paridades de Poder de Compra) vai de 311, em Portugal, até 990 no Luxemburgo; a média é 849.

Portugal coloca-se também em último lugar nas desigualdades (medidas pelo coeficiente Gini). Para Portugal o seu valor é 0,41, sendo a média 0,33.

E o número de pobres está a aumentar (DN>/i>, 7/5/97).

Em relação ao desemprego, o Governo de Guterres não se farta de afirmar que diminuiu. Mas os números que são divulgados, aliás até emendados, são «arranjados». Muitos desempregados são agora contados como inactivos e muitos empregados são simplesmete trabalhadores que perderam o emprego e voltaram à terra para poderem colher da agricultura algo para matarem a fome. E entre os que são considerados empregados 46% têm trabalho precário (!).

Tudo isto passa-se depois dos longos anos de cavaquismo, anos de «sucessos» e até de «oásis». Mas a situação que se vive em Portugal é o resultado das políticas de direita que vêm desde o primeiro Governo do PS.

Esta situação só pode agudizar-se com a actual política do Governo PS. Guterres, como o Presidente da CIP (Ferraz da Costa) afirmou com uma boa base de conhecimentos, ainda «é mais liberal que Cavaco». Aliás, o «patrão dos patrões» não esconde que este é o melhor governo que tem conhecido.



É evidente e crescente o atraso que caracteriza o nosso país nos diversos aspectos sociais, seja na saúde, na educação, na habitação, na segurança social, etc.. Por exemplo, como dizia há pouco tempo o DN
(27/5/97), em Portugal, apenas 50% das crianças entre os três e os cinco anos frequentam o ensino pré-escolar, quando na generalidade dos países da UE aquela percentagem é superior a 75. Só a Grécia e a Irlanda estão próximo de nós.

No mesmo diário (29/5/97) pode ler-se que a taxa de população urbana nacional é de 36%, «muito longe de alguns parceiros da União Europeia». Repare-se que na Albânia é 37%. O analfabetismo mantem-se perto dos 11% (8% nos homens e 13% nas mulheres). Em virtude desta situação em geral não nos podemos admirar que em Portugal a sua população vá e irá diminuindo, tendência contrária ao crescimento ligeiro no resto da Europa meridional.

O Governo diz que o orçamento não permite maiores despesas. E apregoa muito o rendimento mínimo garantido (ver artigo neste número), ao qual vai dedicar, este ano, 25,3 milhões de contos.

Mas há dinheiro, e muito, para outras coisas como, por exemplo, os benefícios fiscais às empresas. Entre 91 e 94, 22 bancos e 25 seguradoras tiveram cerca de 200 milhões de contos de benefícios fiscais e nos últimos seis anos, o valor desses benefícios fiscais atingiram mais de mil milhões de contos, metade dos quais obtidos por empresas privadas. Isso é uma das causas do défice da segurança social (Diário Económico, 5/7/97). Para os agrários o Governo disponibiliza 60 milhões de contos. Com a política de direita não se tira aos ricos para dar aos pobres. É ao contrário.

E não é o facto de estar no Governo um partido dito socialista que impede tal política. Trata-se de um partido que não tem nada a ver com o socialismo. Ou, se se quiser, é um partido que está contra o socialismo.



Como se diz no Comunicado aprovado pelo Comité Central (ver documentos) na reunião que realizou em 7 de Maio passado, é um primeiro aspecto relevante, nos últimos meses, «o indiscutível alargamento na sociedade portuguesa da consciência de que o PS prossegue, e em muitos domínios agrava, as linhas essenciais da política de direita antes imposta pelo PSD (...)».

Um segundo aspecto relevante é «a ampliação do descontentamento popular com a política governamental e o significativo desenvolvimento de um vasto movimento de protesto e de luta dos trabalhadores e de outros sectores sociais (...)».

Importa lembrar a comemoração do 25 de Abril, não só pela sua expansão por todo o país e nas comunidades portuguesas de emigrantes, mas também pela alta expressão que tomou particularmente em Lisboa.

O 1º de Maio foi uma excelente jornada, que se estendeu a novas regiões e locais e incentivou o alargamento e a intensificação das lutas não só dos trabalhadores. Uma e outra data deram saliência à crescente vontade e necessidade de uma viragem à esquerda.

Prosseguem as prolongadas e importantes lutas pelo horário das 40 horas que tanto têm desmascarado a política do PS de defesa dos interesses dos grandes patrões contra as justas reivindicações dos operários e outros trabalhadores e as próprias promessas do PS. Lutam também os operários da Grundig, do sector naval, da Siderurgia e outras empresas, os ferroviários, os trabalhadores da função pública, da administração local e de outros sectores. Lutam os professores e os estudantes. Os agricultores erguem de novo e com mais força as suas reclamações. Os agentes da PSP manifestam-se contra a não resolução dos seus problemas que até foi prometida pelo PS. A contestação à política de direita do PS alastra e fortalece-se.



É para esconder todo este descontentamento que o PS, conjuntamente com o PSD, cria «importantes» factos políticos que pretendem dar a ideia de uma grande disputa entre os dois partidos. É a questão da regionalização que, evidentemente, o PS não deseja. Se a pretendesse não teria aceite a realização de referendos sobre um assunto que faz parte da própria Constituição. É a questão da revisão constitucional que está cada vez mais embrulhada. É a ameaça de novas eleições a propósito das finanças locais.

Tudo isto são formas habilidosas de substituir a discussão séria dos graves problemas nacionais por cenas de política virtual em que o Primeiro-Ministro se serve dos ministros para avançar ideias dele próprio e em que o dirigente do PSD, como é seu hábito, muda frequentemente de opinião, até, por vezes, durante um dia.



O terceiro aspecto relevante nos últimos meses é «a confirmação do PCP como a principal força de real oposição à política do Governo e como o mais destacado protagonista da luta por uma política democrática alternativa (...)».

Na situação actual é necessário ter em conta que muitos e muitos trabalhadores e democratas em geral, que têm seguido as posições do PS, do PSD e do próprio CDS/PP e nesses partidos têm votado, vão apercebendo-se que de nada tem valido o seguimento e o voto que têm defendido.

É necessário que os comunistas e todos aqueles que compreendem o papel que o nosso Partido e a CDU, como grande coligação de esquerda, desempenham na actual situação política tenham em conta a natural evolução de muita gente honesta e bem formada e procurem ajudar tal evolução, necessária para que se alcance uma alternativa à política de direita que tem dominado o País há mais de 20 anos.

O reforço da organização é indispensável pois ela é uma arma fundamental de que dispomos para chegar aos outros, para divulgar a nossa imprensa e os nossos documentos, para esclarecer as nossas posições políticas, para ganhar votos, para conquistar novos simpatizantes e militantes.

As eleições autárquicas de Dezembro constituem uma batalha de muito relevo a que é necessário dar uma grande atenção.

É muito importante aumentar a votação por todo o lado. É o meio fundamental para obter maior número de eleitos e conquistar novas autarquias. Um bom resultado será um contributo muito valioso para abrir caminho para a necessária viragem à esquerda.



O Comício Internacional que se realizou no dia 24 de Maio no Campo Pequeno foi um êxito político muito importante. Todos os representantes dos partidos comunistas ou progressistas que estiveram presentes sentiram (apesar da ameaça da chuva e dos choviscos que chegaram a cair) o calor dos largos milhares de participantes, das suas palmas e canções, do seu entusiasmo e da sua vontade de prosseguir a luta.

Depois de uma Saudação aos convidados apresentada pelo camarada Albano Nunes, membro do Secretariado do CC, tomaram a palavra: Lothar Bisky (Presidente do Partido do Socialismo Democrático - Alemanha), Andreas Christou (membro da Comissão Política e do Secretariado do CC do Partido AKEL - Chipre), Julio Anguita (Coordenador-Geral da Esquerda Unida de Espanha), Tapani Kaakkuriniemi (Aliança da Esquerda da Finlândia), Jordi Guillot (porta-voz do Grupo Parlamentar da Iniciativa - Os Verdes, no Parlamento da Catalunha), Mensagem de Robert Hue (Secretário-Nacional do Partido Comunista Francês - lida por Francis Wurtz), Aleka Papariga (Secretária-Geral do CC do Partido Comunista da Grécia), Fausto Bertinotti (Secretário-Geral do Partido da Refundação Comunista de Itália), Nicos Hounti (membro do Secretariado Político do Synaspismos - Coligação da Esquerda e do Progresso/Grécia), Luciano Pettinari - membro da Direcção Nacional do Movimento dos Comunistas Unitários - Itália), Isabel Castro (Partido Ecologista «Os Verdes»), Ken Coates (deputado trabalhista britânico no Parlamento Europeu), Gudrun Schyman (Presidente do Partido da Esquerda da Suécia). Finalizou as intervenções o camarada Carlos Carvalhas, Secretário-Geral do nosso Partido (ver documentos). Só vencendo as políticas de direita que predominam na UE, só dando a palavra aos povos para decidirem sobre o futuro da Europa, é possível ter emprego com direitos e chegar a uma Europa de progresso social, paz e cooperação.


«O Militante» Nº 229 de Julho/Agosto de 1997