Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

Propomos que a lei possa contemplar a possibilidade de inseminação post mortem

Ver vídeo

''

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,

Em primeiro lugar, saudamos os cidadãos que tomaram a iniciativa de apresentar à Assembleia da República uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos a propor a alteração da lei que regula as técnicas de procriação medicamento assistida no sentido de permitir a inseminação post mortem.

Se hoje discutimos no plenário da Assembleia da República um tema tão sensível, mas tão relevante, devemo-lo à intervenção e à participação dos cidadãos.

O PCP quis dar o seu contributo para que seja encontrada uma solução que inscreva na lei a inseminação post mortem e por isso trouxemos a debate uma iniciativa legislativa.

A evolução do conhecimento técnico e científico possibilitou extraordinários avanços na medicina e nas ciências da vida. A evolução dos tratamentos de infertilidade, é um bom exemplo disso.

O acesso às técnicas de procriação medicamente assistida e a sua regulação na legislação, constituiu um enorme progresso no plano dos direitos sexuais e reprodutivos, ao mesmo tempo que, abriu novas perspetivas na investigação científica e uma nova oportunidade para melhorar a saúde e o bem-estar das pessoas.

As técnicas de PMA são responsáveis pela concretização do sonho de muitas famílias com diagnóstico de infertilidade, de ter o tão desejado filho.

De 2006 até aos dias de hoje, a lei que regula as técnicas de procriação medicamente assistida foi sofrendo alterações. Uma das alterações mais significativas foi o alargamento das técnicas de procriação medicamento assistida a todas as mulheres.

As técnicas de procriação medicamente assistida não são uma forma alternativa de reprodução, mas sim o tratamento clínico para uma doença, a infertilidade, e entendemos que deve ser salvaguardada a não instrumentalização da vida, do corpo humano e dos órgãos de reprodução, não permitindo a utilização destas técnicas para fins indesejados.

O princípio da lei vai neste sentido ao determinar que e passa-se a citar que “as técnicas de PMA são um método subsidiário, e não alternativo, de procriação” e que “a utilização de técnicas de PMA só pode verificar-se medicante diagnóstico de infertilidade”.

Porém, a lei previu desde o início uma exceção que é possibilidade de recurso às técnicas de PMA para tratamento de doença grave ou do risco de transmissão de doenças de origem genética, infeciosa ou outras às crianças. Entretanto, foi introduzida uma segunda exceção, a permissão às mulheres, independentemente de diagnóstico de infertilidade o acesso às técnicas de PMA. Fica assim assegurado às mulheres o seu direito à maternidade e o seu direito à saúde, com recurso a gâmetas de dador.

A Iniciativa Legislativa de Cidadãos alerta para uma injustiça presente na lei e considera “de extrema crueldade e discriminação que uma mulher que inicie um processo de PMA, durante a doença do seu marido ou companheiro, tendo crio-preservado o seu sémen e com consentimento prévio assinado, não possa dar continuidade ao desejo do casal e a um projeto de vida ponderado cuidadosamente e conjuntamente”, e acrescenta que “esta mulher, poderá no entanto, recorrer a material genético de dador desconhecido, que pode estar vivo ou morto”.

Hoje a lei já permite “a transferência post mortem de embrião para realizar um projeto parental claramente estabelecido por escrito antes do falecimento do pai”. Trata-se assim, de alargar a possibilidade à inseminação post mortem, tornando-a lícita.

Por isso, propomos que a lei permita a inseminação post mortem, nos casos em que tenha sido iniciado um processo de procriação medicamente assistida, e que devido a doença do marido ou companheiro, e este crio-preservado o seu sémen e com consentimento prévio assinado, caso venha a falecer, a mulher possa dar seguimento ao desejo do casal e a um projeto de vida em comum e refletida em conjunto.

Consideramos também que é necessário assegurar a dignidade das pessoas e o superior interesse da criança que venha a nascer.
Expressamos desde já a nossa disponibilidade, em especialidade, para aprofundar a discussão e encontrar uma solução que vá ao encontro da pretensão dos cidadãos.

Entendemos também que a capacidade de resposta dos centros públicos de procriação medicamente assistida no SNS tem de ser reforçada, de forma a que os direitos consagrados na lei sejam efetivos. São conhecidas inúmeras dificuldades no acesso às técnicas de procriação medicamente assistida e que são evidentes nos elevados tempos de espera e no reduzido número de centros públicos de procriação medicamente assistida, bem como na sua localização assimétrica no território. Dificuldades que veem detrás, mas que se têm vindo a agravar. Já em 2015, por iniciativa do PCP foi aprovada a Resolução da Assembleia da República n.º 117/2015, sobre a garantia da acessibilidade dos tratamentos de infertilidade, que recomenda ao Governo o alargamento do número de centros públicos de procriação medicamente assistida. Para além da necessidade da concretização desta resolução pelo Governo é também necessário reforçar o número de profissionais de saúde na área da medicina de reprodução e a sua multidisciplinaridade, para eliminar as listas de espera e assegurar o acesso aos tratamentos de PMA.

  • Saúde
  • Intervenções
  • post mortem
  • procriação medicamente assistida