Projecto de Resolução

Projecto de Resolução nº 66/X - Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida

Recomenda ao Governo a revogação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 141/2005, de 23 de Agosto, e o desenvolvimento de um novo processo de elaboração e regulamentação do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida

 

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I

A definição e regulamentação de um Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (POPNA) constitui, sem dúvida, um instrumento necessário para o Ordenamento do Território e Conservação da Natureza de toda uma região que tem vindo a ser penalizada pela ausência de uma estratégia nesse sentido, aliada à falta de empenho político e de fiscalização.

No entanto, a verdade é que a aprovação do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (POPNA), com a publicação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 141/2005, de 23 de Agosto, constitui uma decisão política que vem ameaçar gravemente o futuro daquele território e das populações locais, pelas implicações que apresenta nos domínios social, económico e mesmo ambiental.

Desde o início de todo o processo que conduziu à aprovação do actual POPNA, têm vindo a público o protesto e a viva oposição de amplas e diversas camadas da população dos concelhos envolvidos. Tendo assumido natural destaque neste âmbito o sector da pesca e suas estruturas representativas, verificou-se entretanto uma mobilização e adesão popular de extraordinário relevo, em defesa do futuro daquela região e daquela comunidade, com a acção e o apoio das autarquias locais.

Do ponto de vista das consequências e implicações do referido diploma para o território e a população em causa, avultam, pela sua particular gravidade, as disposições relativas à actividade da pesca profissional; bem como as que se referem à co-incineração de resíduos industriais perigosos; e ainda as que se prendem com a construção e edificação na zona de intervenção.

Existem factos incontornáveis a que se deve atentar na elaboração de qualquer regulamentação dos instrumentos de Ordenamento do Território para a região do Parque Natural da Arrábida:

  1. O Concelho de Sesimbra, profundamente ligado à actividade piscatória, é caracterizado essencialmente por um laço entre a sua população, o mar e a pesca. Essa é uma das principais características, inclusivamente da própria Vila de Sesimbra, o que a torna única no quadro da região. Além disso, grande parte do tecido comercial e económico do Concelho é particularmente dependente da pesca e dos hábitos populares a ela associados. A própria mais-valia turística do Concelho tem óbvia ligação com a actividade piscatória. Sesimbra e as suas gentes viveram durante décadas em íntima ligação com esta actividade e é dessa relação que Sesimbra ganha a sua tipicidade.
  2. A Serra da Arrábida, inserida no Parque Natural da Arrábida, constitui um precioso e único património natural do país, quer pelas suas características geológicas, quer pelas faunísticas e botânicas. A sua unicidade é reconhecida mundialmente e as populações de Sesimbra, Setúbal, Azeitão e Palmela vivem uma ligação económica, de lazer e emocional com a própria Serra.
  3. As populações de Setúbal e Azeitão, por mais de uma vez, já levaram a cabo um conjunto de acções de contestação de grande relevo em defesa da sua própria saúde, da Serra da Arrábida e dos tesouros que encerra e contra a possibilidade de instalação de um processo de co-incineração de resíduos industriais perigosos na cimenteira Secil que explora a matéria-prima em plena Serra da Arrábida e procede à sua transformação também em pleno Parque Natural da Arrábida.

II

Após grande contestação por parte dos pescadores e suas estruturas representativas, bem como da população de Sesimbra que a eles se associou, frente ao projecto de POPNA do anterior governo, o actual Executivo vem agora aprovar um diploma que contém a mesma raiz de discordância. A criação do Parque Marinho Luís Saldanha, tal como é definido na Resolução do Conselho de Ministros n.º 141/2005 de 23 de Agosto, é uma frontal ofensa à pesca e, consequentemente, aos pescadores e à população de Sesimbra. O Governo não pode, desta forma, ignorar os relevantes processos de mobilização popular do Concelho que juntam as diversas camadas e sectores daquela comunidade.

A aprovação por Resolução do Conselho de Ministros da regulamentação do POPNA vem impor restrições que se reflectem no agravamento das condições de vida destas populações, fortemente dependentes da pesca na área do parque, em consequência da crise provocada pela anulação dos acordos de pesca com Marrocos, que lançaram no desemprego centenas de pescadores.

A criação do Parque Marinho, como é concebido no diploma, impede na prática o desenvolvimento das actividades de pesca artesanal e a utilização económica das embarcações. São cerca de 300 os pescadores que serão directamente afectados por esta medida e próximo será o número das suas famílias. O Parque Marinho não é, em si, um factor negativo. No entanto, os instrumentos de Conservação da Natureza não podem ser utilizados como instrumento fundamentalista e antes devem ter em conta a realidade social, económica e as necessidades das comunidades que afectam. A Conservação da Natureza deve estar ao serviço da preservação dos recursos para benefício do próprio Homem.

Ao determinar restrições na área de protecção total, interditando, pura e simplesmente a pesca tradicional numa área que corresponde a 8% dos 28 quilómetros de costa abrangidos pelo parque marinho, proibindo a pesca comercial, com excepção da pesca com armadilhas de gaiola e da pesca à linha com toneira, a distâncias não inferiores a 200 metros (proibindo a pesca à linha com cana, pesca à linha de mão, pesca com palangre, com armadilhas de abrigo e rede) numa zona de protecção parcial (a qual corresponde a cerca de mais 40% da extensão da costa), e delimitando uma zona de protecção complementar, sem imposição de restrições, zona que, em grande parte, não tem peixe, a aprovação do POPNA cria uma situação de inexistência de alternativa de subsistência para as comunidades piscatórias afectadas.

Face à forma como o processo tem vindo a ser desenvolvido, culminando com a sua publicação, não podemos deixar de defender a actividade típica de Sesimbra, nem aqueles que dela dependem, o que, passa necessariamente, pela revogação do diploma em causa.

Introduzida após o processo de discussão pública e sem dele resultar é a alteração que toca a possibilidade de instalação e funcionamento de uma co-incineradora de resíduos industriais perigosos na Fábrica da Secil. O Governo, apostado nesta medida que já mereceu a maior contestação das populações da região, ignora a vontade popular e a própria gestão ambiental adequada ao país. Esta possibilidade, agora aberta e real com a entrada em vigor do POPNA já foi há muito e por várias vezes rejeitada pelas populações em significativas acções de protesto, criando, inclusivamente largos movimentos e plataformas populares e associativas. Com efeito, foi pura e simplesmente eliminada da versão anterior do Regulamento a norma que proibia a co-incineração daquele tipo de resíduos no território em questão. Com o desaparecimento dessa proibição, são evidentes as implicações, ao nível do ambiente, da saúde pública, etc., que tal perspectiva pode trazer para a região. Por outro lado, com este diploma é aberta à iniciativa da Secil a possibilidade (que anteriormente lhe era vedada) de aprofundar a cota de exploração das pedreiras.

III

O POPNA, tal como é anunciado agora, pretende ser mostrado como um desenvolvimento do trabalho do anterior governo, sendo que não foi submetido a novo processo de discussão pública. Deveria entender-se, assim, que este POPNA surge do anterior, como fora resultado do processo de discussão pública já havido.

No entanto, durante o dito processo, várias foram as questões levantadas em torno de muitos dos eixos fundamentais do POPNA e várias foram as discordâncias mostradas por vastos sectores envolvidos na discussão pública. Ainda assim, o actual governo decide avançar com a regulamentação sem atentar às críticas que lhe foram apontadas e introduzindo novos parâmetros de impacto significativo sem que estes tenham, de modo algum, resultado do processo de discussão pública.

No essencial, o actual POPNA é diferente do projecto que havia sido colocado à discussão pública, facto a que o governo se alheou, procedendo directamente à sua regulamentação.

Ora, se já o anterior projecto de regulamentação do POPNA continha em si numerosas falhas, incapacidades e injustiças, o actual mostra-se ainda mais incapaz de responder às verdadeiras necessidades da região e das suas populações.

Por outro lado, o diploma em apreço contém medidas de alteração do Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) Sintra/Sado, sumariamente decididas em Conselho de Ministros, já que não constavam do Regulamento em causa e que nunca foram mencionadas ou consideradas no processo de discussão pública – tendo apenas sido conhecidas com a publicação do POPNA em Diário da República, quando até então nada havia sido dito.

A opção do Governo em aprovar o Plano de Ordenamento em causa surge assim como corolário de um processo de decisão que fica marcado por um profundo desrespeito pela vontade popular e pela própria lei portuguesa.

Com efeito, ao longo dos anos, as populações, as autarquias locais, as organizações dos trabalhadores de vários sectores (a começar pela pesca) têm vindo a afirmar a reivindicação e a exigência de que a elaboração do POPNA resulte num instrumento de gestão e ordenamento daquele território que consagre efectivamente uma visão de equilíbrio ambiental e de harmonia entre as comunidades humanas e a natureza.

Contudo, a opção que o Governo de forma intransigente revelou, com este diploma, confirmou as piores preocupações relativamente ao processo em questão, numa matéria cuja complexidade e importância exigiam a sensatez e a responsabilidade política de promover de forma séria um indispensável diálogo e envolvimento dos interessados – desde logo junto dos pescadores e das suas organizações.

É de salientar também a forma como o Governo assumiu o relacionamento com as estruturas envolvidas e afectadas pela vigência deste POPNA. O Executivo optou por uma posição prepotente, sem considerar o diálogo como forma de alcançar melhores soluções e manteve exactamente a mesma configuração do POPNA até à sua divulgação. Os receios e reivindicações das populações não foram, em nenhum dos casos, factores de ponderação. O diálogo não existiu.

A gravidade da atitude do Governo neste processo é visível ainda pelo secretismo e absoluta falta de cooperação para com as autarquias com atribuições de gestão do território em causa, desde logo com a recusa reiterada em facultar a estas o conhecimento sobre a versão do POPNA aprovada. O resultado desta prática foi o lamentável facto de estas entidades terem apenas tomado conhecimento do conteúdo do Plano através da leitura do Diário da República, após a sua publicação.

Foi ainda publicamente denunciada a inaceitável situação, no âmbito do processo de discussão pública do POPNA, da pura e simples ausência de resposta às reclamações apresentadas por diversas entidades, desde logo as autarquias locais, como foi o caso da Câmara Municipal de Sesimbra, numa atitude que configura uma grosseira violação da legislação em vigor, nomeadamente do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 310/2003, de 10 de Dezembro).

IV

O POPNA não serve os interesses e as necessidades ecológicas e económicas da região nem as necessidades sociais das populações. a pesca artesanal é tida, na perspectiva deste diploma, como inimiga do desenvolvimento e da conservação da Natureza – mas a perpetuação da actividade dos grandes interesses económicos da extracção de recursos minerais, a instalação da co-incineração de resíduos industriais perigosos, o alargamento das pedreiras e a implantação de grandes empreendimentos turísticos são vistos como questões acessórias no desígnio da protecção da Natureza e do Ordenamento do Território.

 

Assim, tendo em consideração os factos acima expostos, a Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo a revogação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 141/2005, de 23 de Agosto, e a promoção de um novo processo de elaboração do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida e respectiva regulamentação, em efectiva cooperação com as entidades representativas dos cidadãos da região, desenvolvendo um processo de discussão pública em moldes sérios e de sincero diálogo, e conciliando as necessidades do Ordenamento do Território e Conservação da Natureza com as reais necessidades da região e das populações, ao invés de as fazer contrapor.

 

Assembleia da República, em 13 de Setembro de 2005.

 

 

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