Projecto de Resolução

Projecto de Resolução n.º 328/X - Combate à droga e à toxicodependência em meio prisional

 

Por uma efectiva resposta no combate à droga e à toxicodependência em meio prisional

 

 

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Exposição de motivos

 

Da mesma forma que o contexto e as condições sociais constituem factor fundamental no enquadramento geral do problema da droga e da toxicodependência, também em meio prisional se coloca com grande acuidade no combate à toxicodependência o problema das condições de cumprimento da pena, num sistema prisional que carece de condições mais humanas e dignas.

Porque uma elevadíssima percentagem de reclusos está presa directa ou indirectamente por razões que se prendem com o tráfico e o consumo de drogas, porque este fenómeno (neste caso) se desenvolve em ambiente "fechado" e privado das liberdades, porque decorre num quadro de uma "cultura prisional" própria, a realidade da toxicodependência em meio prisional merece uma abordagem dirigida e integradora das diferentes dimensões em que os reclusos se encontram.

Para o PCP é necessária uma resposta que tenha por princípio que a reabilitação do recluso para a sociedade, também passa pelo contributo que o sistema prisional, no quadro de uma concepção humanista, pode dar na resolução dos seus problemas com as drogas.

Em 2006, o Governo criou um grupo de trabalho (conhecido como Grupo de Trabalho Justiça/Saúde), com vista à implementação de um Plano de Acção Nacional para Combate à Propagação de Doenças Infecto-Contagiosas em Meio Prisional (despacho conjunto n.º 72/2006 dos Ministros da Justiça e da Saúde, de 24 de Janeiro), com especial enfoque na prevenção e no tratamento das toxicodependências e das patologias associadas ao consumo.

O Relatório elaborado por esse Grupo de Trabalho apresenta nesta matéria uma afirmação de particular significado: «É controverso que os serviços prisionais tenham sob a sua alçada, durante vários anos, reclusos toxicodependentes condenados e não disponham dos meios necessários para tratá-los. É também questionável que, na sequência de um tratamento bem sucedido, confirmado pela ausência prolongada de consumos tóxicos e pelos progressos psicossociais, não haja uma medida especial de atenuação de pena, o que tem conduzido a que os toxicodependentes com penas longas não sejam seleccionados para os tratamentos mais estruturados».

Foi exactamente nesse sentido que o Grupo Parlamentar do PCP apresentou uma proposta de alteração ao Código Penal, proposta essa que, apesar de inviabilizada com os votos contra da maioria PS, não perdeu justeza nem actualidade, e apresenta agora um conjunto de propostas que, a serem concretizadas constituiriam um passo importante naquilo que se quer que seja uma efectiva resposta no combate à droga e à toxicodependência em meio prisional.

Uma das questões centrais nesta matéria é o dispositivo para a prestação de cuidados de saúde nas prisões. A verdade é que há insuficiências preocupantes a nível de pessoal médico, técnico e de enfermagem que se verificam no conjunto do sistema prisional. Importa recordar que vários Relatórios do Provedor de Justiça reiteram a recomendação de que cada Estabelecimento Prisional disponha de serviço próprio de enfermagem, medida que está muito longe de ser concretizada, até porque, comprovadamente, é o próprio corpo de guardas prisionais - à margem das suas reais competências - que assegura em parte estas tarefas.

No Relatório do Grupo de Trabalho Justiça/Saúde afirma-se, nomeadamente, que «a procura/oferta de haxixe é generalizada, existe procura/oferta de heroína e que a procura/oferta de cocaína é mais elevada nos estabelecimentos com reclusos a entrar de novo no sistema prisional. (...) a população reclusa requer cuidados de saúde específicos em múltiplas áreas além da infecciologia, como a saúde mental e a saúde oral».

Estes aspectos merecem uma resposta urgente e em sentido inverso à linha de privatização dos serviços de saúde em meio prisional que está sendo desenvolvida pelo Governo/PS, como pode ser confirmado pelo caso do Estabelecimento Prisional de Lisboa, onde a prestação de cuidados de saúde é actualmente garantida através do recurso a uma empresa privada, ou ainda por um documento de definição de objectivos da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, onde se afirma com toda a clareza a orientação da entrega ao sector privado da estrutura de serviços de prestação de cuidados de saúde do sistema prisional.

Para o PCP, para além de uma assunção por parte do Estado das suas responsabilidades, deve ser tida em conta como factor decisivo, para o sucesso no combate à droga e à toxicodependência no contexto do meio prisional, uma estreita articulação e colaboração entre os serviços prisionais, o serviço nacional de saúde e a estrutura pública competente a nível nacional para o combate à droga e à toxicodependência (o IDT), mantendo sempre a perspectiva de acompanhamento e continuidade na situação anterior, durante e posterior ao cumprimento da pena.

Sendo também a questão do programa de "troca de seringas" um dos aspectos que mais atenções tem despertado, o PCP considera que esta é apenas parte de uma intervenção que se quer mais geral nas políticas de redução de riscos e minimização de danos, associada neste caso, a medidas de prevenção e rastreio de doenças infecto-contagiosas, que, a ser introduzida, deverá realizar-se sem precipitações e onde se justifique, obedecendo a um necessário acompanhamento e avaliação do programa.

O PCP considera ainda da maior importância que sejam atendidas pelo Estado as situações de grande instabilidade e incerteza com que muitos ex-reclusos se confrontam nos primeiros tempos de regresso à vida em liberdade. Verifica-se ainda uma enorme insuficiência ao nível da continuidade do acompanhamento e tratamento nestas fases de transição, relativamente às quais se exigem medidas no plano do acompanhamento médico, do acesso ao mercado de trabalho e de reinserção social.

A passagem de um cidadão recluso, em regime de tratamento da toxicodependência, à situação de liberdade condicional deve ser considerada como uma etapa da sua reintegração, com o devido acompanhamento, e o prosseguimento do tratamento, se necessário.

No quadro em que esta realidade emerge deve ser também sublinhado e valorizado o importantíssimo papel dos profissionais que diariamente asseguram o funcionamento do sistema prisional, registando o desgaste e a pressão a que estão sujeitos. É urgente inverter a actual linha de rumo que o Governo impõe, de ataque aos direitos dos trabalhadores do Estado. É indispensável reforçar os efectivos da Guarda Prisional, respondendo às insuficiências sentidas, bem como dotar os serviços prisionais dos necessários meios a este nível.

Assim, tendo em consideração o acima exposto, e ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do Artigo 4.º do Regimento, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República recomende ao Governo, nos termos do n.º 5 do Artigo 166.º da Constituição, a implementação das seguintes medidas:

1. A efectiva garantia, a todo o cidadão recluso, do direito à saúde e ao acesso a todas as modalidades de prevenção e tratamento, incluindo as relativas à toxicodependência e às doenças infecciosas, no âmbito do Sistema Nacional de Saúde e de outras estruturas do Ministério da Saúde,

2. A plena manutenção no sector público da estrutura da prestação de cuidados de saúde no sistema prisional e a clara rejeição da entrega ao sector privado dessa intervenção;

3. O reforço do número de efectivos do corpo da Guarda Prisional, investindo na sua formação, valorização e em melhores condições de trabalho.

4. A efectiva e integral concretização das recomendações aprovadas pelo Governo no âmbito do Plano de Acção Nacional para Combate à Propagação de Doenças Infecciosas em Meio Prisional, pela importância das medidas apontadas nas vertentes da droga e toxicodependência e em particular na redução de riscos e minimização de danos;

5. O reforço das medidas de combate à entrada e à circulação de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e outras de uso ilícito nos estabelecimentos prisionais, designadamente no recrutamento e formação de efectivos, no incremento de meios técnicos e condições de segurança, bem como, na articulação entre o corpo de Guarda Prisional e as restantes entidades competentes para o efeito;

6. A adopção de um plano de intervenção para o combate à droga e à toxicodependência em meio prisional, a aplicar em todos os estabelecimentos prisionais, que inclua as seguintes vertentes:

6.1. A realização de um estudo, com continuidade na respectiva monitorização, sobre os verdadeiros níveis e tipos de consumo em meio prisional, bem como do conjunto de doenças e patologias que daí decorrem que contribua para o acerto quanto à linha de intervenção a seguir;

6.2. A consideração de que a cada estabelecimento prisional devem estar associados o conjunto de serviços médicos indicados por via do SNS e também da unidade do IDT mais próxima

6.3. O investimento para o reforço das condições do Hospital Prisional e avaliação da criação de uma infra-estrutura hospitalar prisional de nível correspondente na região Norte;

6.4. O desenvolvimento de programas de prevenção e dissuasão direccionados para o quadro actual e específico das dependências e dos padrões de consumo de drogas em contexto prisional;

6.5. A concretização, em todo o sistema prisional, de uma rede de unidades de apoio especifico, em articulação com o Instituto da Droga e da Toxicodependência e sob a coordenação/orientação de pessoal técnico com experiência no tratamento de toxicodependentes, com um programa estruturado de apoio psicossocial e desenvolvimento de competências, e de meios próprios, podendo coexistir várias destas unidades no mesmo EP;

6.6. A criação de efectivas condições para a prestação de cuidados de saúde aos reclusos preferencialmente em meio prisional, por razões de segurança e racionalização de meios, e de modo a evitar exposições estigmatizantes

6.7. O aprofundamento e generalização do acompanhamento dos reclusos toxicodependentes após o termo do cumprimento da pena, garantindo a continuidade do seu tratamento e promovendo a sua reinserção social, com destaque para as acções para a formação e o emprego, através de uma intervenção reforçada e mais eficazmente articulada entre a Direcção-Geral de Reinserção Social e o Instituto do Emprego e Formação Profissional, promovendo-se uma resposta mais adequada do Programa Vida Emprego.

6.8. A criação de uma estrutura de articulação e coordenação de trabalho entre a Direcção Geral dos Serviços Prisionais, o Serviço Nacional de Saúde e o Instituto da Droga e Toxicodependência, que vise o diagnóstico e o acompanhamento da implementação das medidas a aplicar.

 

Assembleia da República,  em 13 de Maio de 2008.

 

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