Projecto de Lei

Projecto de lei n.º 59/X - Lei de Bases do Sistema Educativo

Alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86, de 14 de Outubro, na redacção dada pela Lei nº 115/97, de 19 de Setembro)

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Preâmbulo

 

O presente projecto de lei visa alterar a Lei de Bases do Sistema Educativo no estritamente necessário à prossecução do designado “Processo de Bolonha”, dada a manifesta urgência da tramitação no conjunto dos países signatários, reservando-se a iniciativa relativa a outros aspectos para momento mais oportuno.

Os riscos inerentes à concretização do chamado “Espaço Europeu de Ensino Superior” e à livre circulação de diplomados só podem, no caso português, ser acautelados, em face da desastrosa escassez de força de trabalho qualificada (aqui reflectida em 11% de diplomados, contra os 24% da média europeia), se soubermos aproveitar o momento para aumentar a oferta e a qualidade de formação e de qualificação, com medidas que visem não só a democratização do acesso e da frequência dos cursos de formação inicial, mas também das formações subsequentes.

Reitera-se a necessidade da progressiva eliminação do numerus clausus.

Não podemos permitir que a reboque do chamado Processo de Bolonha seja diminuído o esforço público de investimento global na Investigação e Ensino Superior, seja reduzido o número médio de anos de formação superior, sejam reduzidos os níveis de qualidade e exigência, se diminua o número de docentes e se acentue a precarização dos seus vínculos laborais.

As reformas não podem redundar em alterações superficiais, cerceadoras do necessário desenvolvimento curricular e da subjacente adequação de metodologias de aprendizagem e de acreditação.

A diversificação da oferta e dos percursos formativos sobressai como uma importante mais-valia do modelo a criar. Neste contexto, a formação inicial de educadores e professores do ensino básico ou secundário vê-se enriquecida e consolidada, designadamente, quanto aos graus de exigência da componente de formação pedagógica.

Adopta-se o sistema de transferência e acumulação de créditos (ECTS), visando um ensino superior que procure a harmonização europeia com três ciclos (licenciatura, mestrado e doutoramento), mas em que se possam admitir durações variáveis, e se salvaguarde a soberania do nosso sistema educativo.

É inaceitável que se mantenham as propinas, que configuram a desresponsabilização estrutural do Estado numa das suas esferas estratégicas, em flagrante contrariedade com a declaração de Praga (2001) quando consagra o ensino superior como bem público.

A gratuitidade do ensino é garantida até ao final do mestrado, correspondendo isso à ausência de propinas, taxas e emolumentos relacionados com a matrícula, frequência ou certificação. A frequência dos cursos ou programas de doutoramento, na rede pública, deve ser comparticipada de forma significativa pelo Estado, na proporção do crescente interesse social desse nível de formação.

A diferença de tratamento, em sede de financiamento, no tocante à frequência de cursos conferentes do grau de mestre conduziria impreterivelmente ao condicionamento de opções estruturais, por parte das instituições de ensino superior, quanto à salvaguarda da sustentabilidade financeira, em detrimento do modelo de graus que decorresse do livre exercício do inalienável direito às autonomias pedagógica e científica. Só em presença de idêntico financiamento se viabilizará efectivamente a criação de formações de banda larga, ao nível da licenciatura, para culminarem em especializações ou complementação cruzada de competências, até à conclusão do mestrado.

Importa ter em conta que uma carreira contributiva com base no exercício de profissões correspondentes às formações adquiridas cobre várias vezes o investimento feito nessas formações, que também são reprodutivas no aumento da produtividade. A gratuitidade constitui uma das formas de resistir às pressões para a crescente mercantilização dos saberes, sendo sempre certo que a gratuitidade é uma condição necessária, mas não suficiente, para a democratização do ensino .

A gratuitidade decorre do necessário contributo para a democratização, num quadro de origens sociais muito diferenciadas, de diferentes condições de frequência e sucesso daí derivadas e de elevados encargos associados à frequência do ensino, mesmo quando ele é gratuito.

É de acordo também com esta necessidade, apesar de não constituir matéria desta iniciativa legislativa, que reafirmamos que a Acção Social Escolar deve abranger todos os estudantes, independentemente da natureza jurídica da instituição, com vista a, também por essa via, contribuir para a democratização do acesso e frequência, em condições de maior igualdade de oportunidades, e dando atenção particular aos trabalhadores-estudantes e estudantes deslocados, com “custos de oportunidade” muito elevados.

Será garantido o reconhecimento, a validação e a certificação das competências adquiridas.

Enquanto persistir o sistema binário do ensino superior, é imprescindível fixar condições objectivas comuns a todas as instituições para a aquisição e reconhecimento da faculdade de atribuição de cada um dos graus académicos.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projecto de Lei:

 

Artigo 1º
Alteração à Lei nº 46/86, de 14 de Outubro, na redacção dada pela Lei nº 115/97, de 19 de Setembro

 

Os artigos 12º, 13º e 31º da Lei nº 46/86, de 14 de Outubro, na redacção dada pela Lei nº 115/97, de 19 de Setembro, passam a ter a seguinte redacção:

 

Artigo 12º
(…)

 

1- (…).

2- O Governo define, através de decreto-lei, os regimes de acesso e ingresso no ensino superior, em obediência aos seguintes princípios:

a) (…);

b) Objectividade, rigor e universalidade dos critérios utilizados para a selecção e seriação dos candidatos;

c) Eliminada.

d) (…).

e) (…).

f) (…).

g) (…).

h) Exigência de pré-requisitos ou comprovação de aptidão vocacional naqueles domínios científicos e profissionais para os quais sejam aconselháveis.

3- (…).

4- (…).

5- Têm igualmente acesso ao ensino superior os indivíduos maiores de 23 anos que, não estando habilitados com um curso do ensino secundário ou equivalente, façam prova, especialmente adequada, de capacidade para a sua frequência.

6 – Os estabelecimentos de Ensino Superior reconhecem, através da atribuição de créditos, as competências adquiridas por via formal ou não formal

7- Anterior nº 6

8- Os trabalhadores estudantes terão regimes especiais de acesso e ingresso e de frequência do ensino superior, que garantam os objectivos da aprendizagem ao longo da vida e da flexibilidade e mobilidade dos percursos escolares.

 

Artigo 13º
Graus académicos e diplomas

 

1- O ensino superior compreende três ciclos de estudo:

a) No primeiro ciclo é conferido o grau de licenciado;

b) No segundo ciclo é conferido o grau de mestre;

c) No terceiro ciclo é conferido o grau de doutor.

2- Os graus académicos são conferidos mediante cursos ou programas com estrutura curricular e extensão adequadas aos objectivos da formação e ao domínio do saber, em termos de comparabilidade nacional e internacional, competindo ao Estado a verificação dos seguintes critérios:

  • Os cursos conferentes de graus são organizados pelo regime de créditos ECTS (European Credit Transfer System) favorecendo a mobilidade dos percursos escolares dos alunos e a flexibilidade no reconhecimento das competências adquiridas;
  • A Licenciatura tem a duração de 8 semestres, podendo ter, em casos excepcionais, devidamente justificados, diferente duração;
  • O Mestrado tem a duração de 3/4 semestres, tendo uma componente curricular e uma exclusivamente de trabalho de investigação científica ou de desenvolvimento experimental, conducente à elaboração de uma dissertação;
  • O Mestrado pode ser organizado de forma integrada com a licenciatura, tendo a duração total de dez semestres, incluindo uma componente dedicada exclusivamente à dissertação;
  • Nos programas de Mestrado integrado com Licenciatura, os alunos têm a opção do Mestrado, concluído o 3º Ano;
  • O Doutoramento tem uma duração mínima de 6 semestres para os detentores de grau de mestre. A sua organização poderá incluir cursos, seminários ou outras actividades. A dissertação será um trabalho original de investigação científica.
  • O Doutoramento que tenha por base o grau de licenciado tem a duração mínima de 8 semestres. A sua organização poderá incluir cursos, seminários ou outras actividades. A dissertação será um trabalho original de investigação científica.

3- As condições de atribuição de todos os graus académicos, nomeadamente quanto à qualificação do corpo docente, às instalações e aos equipamentos educativos, às tipologias das unidades curriculares, às áreas científicas, e ao número de unidades de crédito e à escala de aferição das aprendizagens, são objecto de regulamentação de aplicação universal a todo o sistema de ensino superior, em cada domínio do saber.

4- Os cursos e programas reconhecidos nos termos do número anterior são objecto de registo.

5- Os cursos conferentes de grau académico funcionarão presencialmente, em modalidades e horários diversificados, oferecidos seja por adequação pedagógica e científica, seja por conveniência de utilização das infra-estruturas e de outros meios de ensino, seja por conveniência da população escolar.

6- As modalidades de ensino à distância e em diferido podem e devem ser exploradas, tendo em vista alargar o universo do acesso e da frequência ao ensino e melhorar a qualidade das aprendizagens, sem prejuízo da centralidade da relação docente – discente e das componentes de ensino presencial exigidas em todos os domínios do conhecimento.

7- A frequência dos cursos do primeiro e do segundo ciclos do ensino superior público está isenta do pagamento de taxas ou de propinas de matrícula ou de inscrição.

8- A frequência de cursos e programas do terceiro ciclo, no ensino superior público, é comparticipada pelo Estado na proporção do crescente interesse social dos respectivos níveis e domínios de qualificação.

 

9- Os estabelecimentos do ensino superior podem realizar cursos não conferentes de grau académico cuja conclusão com aproveitamento conduza à atribuição de um diploma.

 

Artigo 31º
(…)

1- Os educadores de infância e os professores dos ensinos básico e secundário adquirem a qualificação profissional através de cursos superiores que conferem o grau de licenciado ou de mestre, conformes com as necessidades do desempenho profissional no respectivo nível de educação e ensino.

2- Os perfis de competência e de formação de educadores e professores para ingresso na carreira docente são definidos pelo Governo através de decreto-lei específico.

3- A formação dos educadores de infância e dos professores do ensino básico e secundário realiza-se em instituições do ensino superior, independentemente do subsistema em que estão integrados.

4- O Governo define, por decreto-lei, os requisitos que as instituições de ensino superior devem satisfazer para poderem ministrar cursos de formação inicial de educadores e professores, nomeadamente no que se refere a recursos humanos e materiais, de forma que seja garantido o nível científico da formação adquirida.

5- Eliminado.

6- A qualificação profissional dos professores de disciplinas de natureza profissional, vocacional ou artística dos ensinos básico ou secundário pode adquirir-se através de cursos de licenciatura ou de mestrado que assegurem a formação na área da disciplina respectiva, e contemplem a formação pedagógica adequada.

7- A qualificação profissional dos professores do ensino básico ou secundário pode ainda adquirir-se através de cursos de licenciatura que assegurem a formação específica na área de docência respectiva, complementados por curso de mestrado que proporcione a formação pedagógica adequada.»

 

Artigo 2º
Norma revogatória

 

São revogadas todas as normas constantes de diplomas gerais ou especiais que contrariem o disposto na presente lei.

 

Artigo 3º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com a aprovação do Orçamento do Estado para o ano seguinte ao da sua publicação.

 

 

Assembleia da República, em 6 de Maio de 2005

 

 

 

 

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