Projecto de Lei N.º 52/XIII/1.ª

Proíbe os bancos de alterar unilateralmente taxas de juro e outras condições contratuais

Proíbe os bancos de alterar unilateralmente taxas de juro e outras condições contratuais

Exposição de motivos

Entre os bancos e os respetivos clientes há uma forte assimetria de poder negocial na contratação de créditos e de produtos de poupança, resultante da natureza e do crescente poder que, fruto da política que tem sido conduzida, o setor financeiro assume na vida económica e social do país. No entanto, apesar das diferenças significativas de poder negocial entre bancos e os respetivos clientes, por regra, na contratação de crédito, tanto para financiamento de investimentos, como para a aquisição de bens de consumo duradouros ou de habitação própria ou ainda para gestão de tesouraria, aplicam-se os princípios da chamada livre contratação.

Apesar das regras da chamada livre contratação e do direito dos consumidores impedirem a alteração unilateral dos termos contratados, as diferenças de poder negocial acabam por se traduzir em alterações de spread da taxa de juro nos créditos, em alterações nas tabelas de preços de alegados serviços bancários associados aos produtos financeiros contratados ou, no caso das poupanças, na redução dos montantes que os planos de poupança contratados admitem. Nestes casos, sempre com prejuízo dos clientes, os bancos alteram de forma significativa os termos contratados alegando alterações significativas no ambiente e contexto económico, o que conduz à degradação dos direitos dos utilizadores de serviços bancários consagrados na legislação sobre a chamada livre contratação.

A evolução dos preçários bancários, com o crescente peso das comissões e taxas no produto bancário, numa altura em que os juros se encontram em níveis historicamente baixos – situação particularmente ilustrada com a taxa de juro de referência assumida no quadro da Euribor –, demonstra que no negócio bancário a relação entre os bancos e os respetivos clientes apresenta uma forte assimetria de poder, favorável aos primeiros.

São conhecidos casos em que, perante alterações das condições do mercado interbancário ou, em termos abstratos, do risco de incumprimento de crédito, os bancos alteram condições contratuais, aumentando spreads, criando e encarecendo comissões de gestão, manutenção de depósitos ou serviços bancários, etc. No fundo, uma realidade que permite que, face a alterações de mercado, a variável de ajustamento seja sempre acionada em prejuízo dos clientes e nunca das entidades financeiras.

Não é por acaso que, para promover a concorrência e dessa forma retirar algum poder aos bancos na relação destes com os seus clientes, o legislador e o Banco de Portugal tenham optado por eliminar as barreiras à transferência de clientes de crédito para outros bancos. No entanto, a crescente concentração do setor e a crise financeira têm vindo a demonstrar que não basta facilitar a transferência de clientes entre instituições de crédito para resolver o problema de diferença de poder entre bancos e respetivos clientes.

A resposta da banca à evolução recente das taxas de juro Euribor introduziu um novo fator de perturbação nas relações entre os bancos e os respetivos clientes. A generalidade dos créditos contratados está indexada a taxas de juro Euribor. Por norma estes créditos encontram-se indexados à Euribor a 3 meses, a 6 meses ou, mais recentemente, a 12 meses. No passado dia 23 de novembro as taxas de juro Euribor, com exceção das taxas a 9 e 12 meses, encontravam-se em terreno negativo (Euribor 1 mês: -0,155%; Euribor 2 meses: -0,144%; Euribor 3 meses: -0,099%; e Euribor 6 meses: -0,030%).

Sabendo que a taxa indexante é, de uma forma geral, calculada através da «média aritmética simples das taxas em vigor nos dias úteis do mês (de calendário) anterior», existe fundada expectativa que brevemente a taxa indexada à Euribor a 6 meses apresente valores negativos. Perante esta possibilidade, determinados bancos assumiram nos seus preçários que em caso algum a taxa de referência dos empréstimos concedidos pode ser negativa, considerando-a nula nesses casos e cobrando a totalidade do spread negociado.

Nesse sentido, a própria Associação Portuguesa de Bancos afirmou: «entendemos não fazer sentido que a evolução negativa da Euribor possa afetar a taxa de juro global do empréstimo a ponto de esta vir a ser inferior ao “spread”, ou seja, à remuneração devida pelo risco suportado pelo banco». Desta forma, a banca pretende transferir unilateralmente para os seus clientes de crédito todo o risco da evolução das taxas de juro Euribor, as quais são definidas pelas instruções transmitidas pelos maiores bancos do Eurosistema.

Por outro lado, é conhecida a prática da banca de impor cláusulas contratuais que, apesar da aparência acabam por estar condicionadas à consideração de que as condições de contexto se alteraram. Esta prática acontece nomeadamente no crédito ou nas contas correntes dirigidos às micro, pequenas e médias empresas. Face à forte dependência que estas empresas apresentam destes instrumentos financeiros para a sua gestão de tesouraria, este comportamento da banca representa de facto uma prática de abuso de dependência económica e financeira que deverá ser clarificada e proibida de forma inequívoca pela lei.

Perante o papel estratégico que a banca assume, tanto no plano social como económico, face às profundas assimetrias que se revelam nas relações entre bancos e clientes, com claro prejuízo para os últimos, o PCP entende que é necessário introduzir um conjunto de normas que obriguem os bancos a refletir nos seus produtos e serviços de crédito a evolução das taxas de juro de referência, quando os mesmos se encontram indexados, como a assumir o risco próprio de qualquer negócio em que a flutuação dos preços se reflete na internalização de custos sem a respetiva transferência para os clientes.

Pelo exposto, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto

A presente lei regula as relações entre as instituições de crédito e os seus clientes na contratação de créditos ou depósitos, proibindo as instituições de crédito de alterarem unilateralmente as taxas de juro ou outras condições contratuais.

Artigo 2.º
Alteração de taxas de juro e de outras condições contratuais

1 – As instituições de crédito estão impedidas de inserir, no plano contratual, condições que permitam a alteração da taxa de juro contratada com mutuário de crédito ou com depositante sempre que a mesma esteja fixada, indexada ou condicionada a uma base ou a um teto.

2 – As instituições de crédito estão impedidas de inserir, no plano contratual, em qualquer circunstância, de modo unilateral ou contratual, condições que permitam a ocorrência de alterações aos contratos de depósito bancário ou de crédito das quais resulte a modificação do preço dos serviços ou do valor das comissões previamente acordados com os clientes no momento da sua celebração.

Artigo 3.º
Alteração das condições contratadas

Durante a vigência dos contratos de depósito bancário ou de crédito, qualquer alteração das condições contratadas depende do prévio acordo das partes e não pode resultar em prejuízo único para o cliente.

Artigo 4.º
Incumprimento e regime sancionatório

1 – O incumprimento do disposto na presente lei implica a nulidade das condições contratuais inseridas ou alteradas.
2 – Em caso de incumprimento por parte da instituição bancária, as consequências decorrentes da declaração de nulidade prevista no nº 1 são da exclusiva responsabilidade desta, afastando-se qualquer encargo ou prejuízo para o cliente.
3 – Verificada a situação de incumprimento, as instituições de crédito ficam sujeitas ao regime sancionatório previsto no artigo 210.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.

Artigo 5.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, em 25 de novembro de 2015

  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Assembleia da República
  • Projectos de Lei
  • sistema bancário
  • taxas de juro