Intervenção de

Programa Prós e Contras - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Declaração política, criticando a RTP1 pelo facto de, no programa Prós e Contras, realizado na passada segunda feira, intitulado «Choque de valores», não ter convidado alguém da área do Partido Comunista Português

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Realizou-se na passada segunda-feira uma manifestação pouco habitual. Centenas de pessoas protestaram, não em frente da sede do Governo, de um ministério ou de outro órgão do poder político, mas à frente de um teatro onde decorria um debate televisivo. O que à primeira vista poderia parecer inusitado é, afinal, um acto pleno de justeza e oportunidade.

É que o referido programa - Prós e Contras - emitido pela televisão pública, que sem eximir as restantes dessas obrigações, tem especiais responsabilidades em matéria de respeito pelos valores democráticos e pelo pluralismo político, cometeu naquele dia um descarado atropelo às mais elementares regras de isenção e equilíbrio.

Tratava-se de um programa intitulado Choque de Valores que a própria propaganda da RTP anunciava ir debruçar-se sobre as eleições francesas, as eleições madeirenses e a probabilidade de eleições em Lisboa, tudo à luz da divisão entre esquerda e direita. Bem interessantes e actuais matérias por sinal.

Acontece que, para debater estas matérias, a RTP optou por convidar personalidades de quatro áreas e partidos políticos: Adriano Moreira, Paulo Rangel, Mário Soares e Miguel Portas.

De nenhum deles se pode dizer que não representam para o espectador correntes político-partidárias bem definidas - PS, PSD, CDS-PP e Bloco de Esquerda. Estavam assim presentes, em termos de representação eleitoral e parlamentar, a primeira, a segunda, a quarta e a quinta forças políticas, enquanto a terceira força política nacional desaparecia sem explicação.

A RTP não incluiu deliberadamente nenhum convidado da área do Partido Comunista Português, nem sequer quando manifestado o nosso protesto e disponibilidade para que isso pudesse acontecer.

E repare-se bem que não defendemos que aquele programa se reduza a um painel permanente dos vários partidos em relação às várias temáticas. Certamente existem muitas temáticas e debates em que é de todo o interesse a presença de personalidades de tipo diverso, com opiniões e conhecimentos sobre as matérias em análise e não necessariamente alinhadas com as diversas opções partidárias. Mas isso é uma coisa. Outra bem diferente é debater temas em que é evidentemente o posicionamento das principais correntes partidárias que está em causa como neste caso.

Se não vejamos. Sobre as eleições em França, sendo certo que nenhum dos partidos portugueses participou, não se vislumbra que critério excluiria a participação do PCP e justificaria a participação dos restantes no seu debate. Sobre as eleições na Madeira, perante o resultado negativo que constitui a reedição da maioria do PSD/Madeira, a participação no debate do PCP impor-se-ia quanto mais não fosse por ter sido a única força política da oposição a resistir ao aumento de percentagem do partido de Alberto João Jardim, aumentando o número de votos absoluto, mantendo os mesmos Deputados, apesar de uma significativa redução do seu número, e passando a terceira força política na Região. Aliás, as eleições na Madeira e a sua cobertura são, também, um bom exemplo de discriminação de algumas forças políticas, como é o caso da CDU/Madeira.

Quanto às eleições em Lisboa, o PCP é neste município também a terceira força política, com um riquíssimo património de intervenção e de proposta, bem como de fiscalização dos executivos da direita, tendo estado na origem das primeiras queixas e denúncias do negócio da permuta dos terrenos com a Bragaparques, cuja investigação acabou por causar a queda da Câmara e votando, aliás, juntamente com os eleitos de Os Verdes, isoladamente, contra a decisão que permitiu essa permuta.

E se o debate se reconduzisse à questão esquerda/direita, mesmo na versão simplista com que a questão em regra é apresentada, se é verdade que a esquerda não é só o PCP, é inegável que, por muito que alguns o queiram fazer esquecer, não há esquerda sem o PCP, não há alternativa à política de direita que nos desgoverna sem o PCP.

Se trazemos hoje aqui este tema, não é porque seja caso único, original, no nosso panorama televisivo e comunicacional, nem sequer no próprio programa em causa. É porque ele atinge uma gravidade que não permite qualquer tolerância ou desvalorização.

O PCP foi rejeitado, não por resultado fortuito de qualquer critério subjectivo mas pela aplicação deliberada de um critério objectivo simples: excluir o PCP, branquear a importância da sua intervenção e presença na sociedade portuguesa, desvalorizar o seu papel determinante na oposição às políticas de direita e ao Governo e esconder o valor da alternativa política de esquerda que o PCP apresenta ao País.

A RTP e os responsáveis pelo programa Prós e Contras quiseram ter no seu debate um ex-líder do CDS, um ex-líder do PS e seu candidato por três vezes à Presidência da República, um Eurodeputado e destacado dirigente do Bloco de Esquerda e um Deputado do PSD, que, aliás, ainda recentemente, na sessão solene de comemoração da Revolução de Abril exigiu, a propósito da situação da comunicação social, «uma democracia assente nas regras do respeito, da verdade, da tolerância e do pluralismo», falando num tempo de «claustrofobia democrática». E foi assim que a RTP quis excluir o PCP deste debate.

A liberdade de imprensa e de auto-organização dos meios de comunicação social é um bem a preservar e a defender. Mas a decisão por um órgão de comunicação social de quais são os partidos que têm direito a intervir ou não, totalmente à revelia da representatividade que o povo lhes deu, não tem nada a ver com a liberdade de imprensa.

Trazemos hoje a esta Assembleia um tema da maior importância que justifica um sobressalto democrático de todos os que prezam a liberdade e o pluralismo: o caso concreto que agora contestamos, em que o chamado «choque de valores» anunciado se traduziu, afinal, num choque frontal com os valores da democracia e do pluralismo. Pela sua elevada gravidade e pelo seu simbolismo justifica plenamente a contestação que lhe fizemos e que aqui reiteramos e que permitiu que em poucas horas centenas de pessoas acorressem ao protesto convocado pelo PCP. Mas este caso concreto repete-se sistematicamente noutros espaços e com outras formas e consolida uma prática de silenciamento e discriminação.

É por isso que queremos afirmar que terão o nosso combate todos os que persistirem em condutas antidemocráticas e discriminatórias como esta. Podem tentar impor-nos o silêncio, mas nunca nos conseguirão calar. Não conseguirão calar a nossa opinião, não conseguirão calar a nossa intervenção e a nossa alternativa política. Porque é isso que se exige a todos os democratas e se impõe a uma sociedade pluralista.

 

 

 

 

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