Intervenção de Paula Santos, Membro do Comité Central e Deputada, Debate «Crianças e pais com direitos. Portugal com futuro»

A problemática da natalidade

A problemática da natalidade

A baixa natalidade no nosso país não é uma fatalidade, nem é obra do acaso e muitos menos estamos condenados à redução demográfica. O envelhecimento da população por si não é um aspecto negativo, nem pode ser visto como uma despesa ou um fardo, muito pelo contrário, é um aspecto muito positivo porque representa as melhorias do ponto de vista de saúde pública, conquistadas após a Revolução de Abril. Coisa diferente é a necessidade de uma intervenção política, por um lado para assegurar a qualidade de vida à população idosa, algo que ainda estamos muito longe e, por outro, para garantir a substituição das gerações.

Portugal é um dos países da Europa com menor índice de fecundidade e desde os anos 80 que o índice de fecundidade está abaixo do limiar que assegura a renovação de gerações.

Constata-se o adiamento da maternidade e paternidade e que há cada vez mais famílias com um único filho.

Os partidos da política de direita, PS, PSD e CDS, rapidamente culpabilizam as famílias, em particular as mulheres, pela redução da natalidade, para esconder as responsabilidades de sucessivos governos e as consequências das suas opções políticas.

A reduzida natalidade em Portugal não é um problema individual, nem de cada família. É um problema do Estado.

As famílias não têm mais filhos não é porque não queiram, é porque não podem. O Inquérito à Fecundidade de 2013 é muito claro quando refere que ter filhos hoje «não é um direito, é um privilégio». Constituir família e ter os filhos que se deseja não é para quem quer, é para quem pode.

Podemos também, nesta matéria, identificar uma discriminação dos trabalhadores e da classe operária.

Para entender esta realidade é preciso identificar as suas reais causas, identificar as causas que levam as famílias a adiar o momento de ter filhos ou de ter menos filhos do que aqueles que desejavam. Não há uma única justificação para esta situação, antes resulta de diversos factores, que pesam de forma diferente em cada caso concreto.

Baixos salários, precariedade e instabilidade nos vínculos laborais, desemprego, desregulação dos horários de trabalho, desrespeito pelos direitos de maternidade e paternidade, reduzidos apoios sociais, ausência de uma rede pública de creches e uma insuficiente rede pública de jardins-de-infância, dificuldades no acesso à saúde, dificuldades no acesso à habitação, constituem os principais condicionalismos que impedem que as famílias tomem uma decisão livre e consciente.

E não é justo que acusem de egoísmo as jovens gerações, quando é o actual modelo de sociedade capitalista que não lhes dá perspectiva de futuro.
Ao longo dos tempos, PS, PSD e CDS nunca quiseram abordar as questões de fundo que conduzem à baixa natalidade, optando sempre por discussões e propostas parcelares. Não lhes faltam palavras para descrever as pretensas preocupações com a natalidade e a evolução demográfica, mas no que toca a medidas concretas estas não passam de paliativos para que tudo fique na mesma.

PSD e CDS defenderam o trabalho a tempo parcial, obviamente com salário parcial, o tele-trabalho, creches abertas no período nocturno e ao fim-de-semana, e até a isenção do imposto sobre veículos para famílias numerosas, sempre na lógica da dita conciliação (termo utilizado pelos próprios) entre a vida profissional e a vida pessoal. Para além de terem tido o cuidado de proporem medidas que não colidem com os interesses do patronato e dos grupos económicos, pode-se perguntar ainda: quem está em condições de prescindir de parte do seu salário? Certamente não são os trabalhadores.
Nesta lógica não faltam também propostas de atribuição de benefícios fiscais a empresas que tenham incentivos à natalidade, introduzindo uma contrapartida ou um benefício para que cumpram o que é de lei.

As crianças podem ficar 10/12 horas numa creche ou ainda durante e o fim-de-semana, para que os pais possam ter horários desregulados, trabalhar aos fins-de-semana como se fossem dias normais de trabalho, isto é para que os pais possam ser explorados à vontade. São estes exemplos da dita conciliação entre a vida pessoal e profissional, que prejudica sempre o trabalhador e não beliscam um milímetro os interesses do patronato.

PSD e CDS muito preocupados com a natalidade, não tiveram pejo nenhum em cortar em salários, em destruir milhares de postos de trabalho, em cortar nos apoios sociais, nomeadamente no abono de família e em não proteger a morada de família.

É oportuno questionar: onde está o «visto familiar» do CDS? Tudo pura hipocrisia.

E quando, nós PCP, propusemos o combate à precariedade, a estabilidade dos vínculos laborais, a valorização dos salários, o respeito e garantia do cumprimento dos direitos de maternidade e paternidade, o reforço do apoio social, a valorização do Serviço Nacional de Saúde e da Escola Pública, eram sempre propostas rejeitadas.

O PS aborda o tema na Moção de António Costa a propósito do Congresso do PS. Também o PS não dá resposta às reais causas da natalidade. Considera que o problema demográfico e a natalidade se resolvem com mais imigração, varrendo para debaixo do tapete os problemas que afectam os trabalhadores e que impedem a livre decisão das famílias. Uma opção que tem subjacente a existência de mão-de-obra barata, com o objectivo de reduzir os direitos dos trabalhadores.

Na discussão sobre as questões da natalidade regressaram concepções conservadores e retrógradas que deveriam estar fechadas a sete-chaves num baú para nunca mais de lá saírem. Concepções retrógradas quanto ao papel da mulher no mundo do trabalho e na sociedade e à função social da maternidade.
De uma forma subtil responsabilizam as mulheres pela reduzida natalidade, acusando-as de priorizarem a carreira profissional e de terem abandonado o lar, que para muitos deveria ser a sua função, cuidar dos filhos, do marido e da família, numa posição de subalternização e de subjugação.

A inversão da baixa natalidade e a evolução demográfica positiva só se resolvem com a ruptura com a política de direita e a adopção de uma política alternativa, patriótica e de esquerda.

Uma politica que assuma a função social da maternidade e da paternidade e a concretização de uma maternidade e paternidade consciente, livre e responsável; que proteja as crianças e jovens e promova o seu desenvolvimento integral, que garanta o direito da criança ser desejada e amada, assim como as condições económicas e sociais para que lhe sejam asseguradas todas as oportunidades; que garanta as condições de vida das famílias, assegurando à mulher um papel activo na sociedade no plano profissional compatível com o plano familiar e pessoal.

Uma política que garanta os direitos dos trabalhadores e o emprego com direitos, a valorização dos salários e remunerações, o reforço dos direitos de maternidade e paternidade, o acesso às funções sociais do Estado, o direito a uma habitação condigna.

Não é por acaso que a última vez que se verificou um aumento significativo da natalidade, contrariando a tendência decrescente, foi logo após o 25 de Abril – um momento de significativa elevação das condições de vida do povo e de enorme confiança e esperança no futuro.

Portanto, condições de vida dignas, confiança e estabilidade são essenciais para um futuro melhor para todas as gerações.

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