Intervenção de Ana Mesquita na Assembleia de República

"Os problemas ambientais têm de recair sobre o sistema capitalista e sobre os grupos monopolistas"

Senhor Presidente,
Senhores Membros do Governo,
Senhoras e Senhores Deputados

O nosso planeta tem mais de 4 mil milhões de anos, ao longo dos quais registou extensas variações no clima. Neste momento, a concentração de CO2 na atmosfera atingiu o ponto mais alto dos últimos 500 mil anos.

A taxa de mudança de temperatura é maior do que a verificada durante as oscilações glaciares do Plistoceno. Os oceanos registam igualmente alterações térmicas, acentuando-se a subida de temperatura da camada superficial e consequentes alterações de circulação.
As conclusões da Cimeira de Paris e o acordo alcançado não nos podem deixar tranquilamente à espera que uma qualquer “mão invisível” venha resolver as questões em cima da mesa.

Posto isto, é preciso centrar o debate nos problemas reais, num contexto em que as soluções de mercado, comprovadamente, não podem ser o rumo a tomar.

Senão, vejamos: em que é que as licenças transaccionáveis, ao estilo de uma bolsa de valores ambiental, vieram contribuir para a diminuição da emissão de gases com efeito de estufa?

Contribuíram, isso sim, para a construção de mais um modelo especulativo, de privatização da atmosfera, de mercantilização da natureza e dos recursos naturais.

Mais, a capacidade temporária das florestas de agir como sumidouros de carbono está a ser usada como justificação para não só continuar, como até promover o uso de combustíveis fósseis.

Consideremos o exemplo de empresas cujas emissões estão limitadas e que fazem combustão de hidrocarbonetos acima do limite estipulado, alegando que os sumidouros compensam essas emissões.

Significa isto que os sumidouros de carbono estão a ser utilizados para justificar uma emissão que nem sequer devia ter acontecido, resultando num novo aumento da emissão de gases de efeito estufa.

Senhoras e Senhores Deputados,

Deixamos aqui um alerta para esta questão da suposta “neutralidade em carbono” que, consideramos, não é de somenos importância e, no limite, pode chegar a ser perversa.

A compensação de carbono é um mecanismo através do qual as emissões de carbono nos países desenvolvidos podem ser compensadas pela redução das emissões reivindicadas nos países em desenvolvimento.

Os créditos são atribuídos aos que reivindicarem que «evitam» ou «reduzem» o carbono, podendo ser posteriormente vendidos a taxas de mercado a agentes emissores de carbono.

Isto é, uma empresa que pretenda continuar ou até acentuar a taxa de emissão de gases… polui aqui, planta uma floresta noutro sítio, ganha créditos para poluir mais aqui, pode impor modelos de monocultura ambientalmente danosos nesse outro sítio… e ainda ganha créditos por destruir o equilíbrio ambiental.

No meio disto tudo, estamos irónica e desastrosamente a facilitar o aumento das emissões de carbono e, ainda, a promover a ingerência nos países em desenvolvimento.

As soluções de mercado comportam também outra dimensão. Com a descida do preço dos combustíveis, tornou-se mais barato poluir. Há casos comprovados de centrais eléctricas que regressaram ao uso de combustíveis fósseis porque, neste momento, essa é uma opção mais compensatória.

Paris não consagrou a assunção do princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada, entre países em desenvolvimento e países industrializados. O sistema único que é proposto aprofunda as injustiças entre os países que mais contribuem e contribuíram para a acumulação de carbono na atmosfera e os países em desenvolvimento.

O objetivo do reforço do Fundo Verde para os 100 mil milhões de dólares anuais não esconde que o jogo no tabuleiro é, afinal, uma oportunidade multimilionária de negócio para favorecer o financiamento dos projectos dos grandes grupos económicos e saciar o apetite predatório de dominação capitalista dos recursos dos países em desenvolvimento.

Senhoras e Senhores Deputados,

O PCP reafirma que o ónus dos problemas ambientais tem de recair sobre o sistema capitalista e sobre os grupos monopolistas e não pode ser descartado pelos grandes poluidores para os ombros dos trabalhadores e dos povos. Não é aceitável penalizar duramente os comportamentos individuais com taxas e taxinhas, como o embuste da chamada “fiscalidade verde” do último governo PSD/CDS, enquanto se isentam os maiores poluidores das suas responsabilidades.

Disse.

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