Projecto de Lei N.º 375/XIII-2ª

Previne e combate o assédio no local de trabalho

Previne e combate o assédio no local de trabalho

(12.ª alteração ao Código do Trabalho e 5.ª alteração ao Código do Processo do Trabalho)

Exposição de motivos

Sucessivas alterações legislativas introduzidas ao longo dos últimos anos, e em particular nos últimos quatro anos do Governo PSD/CDS, caracterizadas pela facilitação e embaratecimento do despedimento, a generalização da precariedade, o aumento e desregulação dos horários de trabalho, os custos com a Justiça e a morosidade dos processos, agravaram a vulnerabilidade e desproteção dos trabalhadores face a práticas reiteradas e atentatórias da sua dignidade.

Nos últimos anos agravou-se de forma muito acelerada o clima de desrespeito e violação de direitos nos locais de trabalho, práticas reiteradas de ameaça, pressão direta e indireta, chantagem, violência psicológica, repressão sobre os trabalhadores, como forma de reforço do poder do patronato e de fragilização da ação reivindicativa.

Quase sempre estas práticas tendem a transformar-se em coação psicológica permanente, com consequências para lá do espaço do local de trabalho, gerando profundas instabilidades e angústias na vida pessoal e familiar. Para além desta dimensão individual, a promoção desta “política do medo” comporta uma dimensão coletiva, de condicionamento ou mesmo impedimento do exercício de direitos, liberdades e garantias constitucionais dos trabalhadores em muitas empresas e serviços, do sector privado e público, o que desde logo representa uma profunda degradação do regime democrático.

Em Portugal, o estudo e acompanhamento do assédio no local de trabalho, pese embora não sejam uma realidade recente, tem sido alvo de estudo e análise ainda insuficiente.

O assédio não é um ato isolado, mas um processo de aproveitamento da debilidade ou fragilidade da vítima, ou da sua posição profissional hierarquicamente inferior, ou do seu vínculo precário, com vista a atingir a sua dignidade, provocando danos nos seus direitos, na sua integridade moral e física.

A psiquiatra e psicoterapeuta Marie-France Hirigoyen, especialista nas áreas da vitimologia e gestão do stress no local de trabalho, define o assédio no local de trabalho como “qualquer comportamento abusivo (gesto, palavra, comportamento, atitude), que atente, pela sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, pondo em perigo o seu emprego ou degradando o clima de trabalho”.

A Task Force on the Prevention of Workplace Bullyng no Relatório de 2001, definiu o assédio no local de trabalho como “o comportamento inadequado repetitivo, direto ou indireto, verbal ou fisico, levado a cabo por uma ou mais pessoas, contra uma ou mais pessoas, no local de trabalho, que pode ser considerada, em termos razoáveis, contrário ao direito do indivíduo à dignidade no trabalho. Um incidente isolado do comportamento descrito nesta definição pode ser uma afronta à dignidade no trabalho(…)".

Estudos e realidade têm provado a existência de uma relação direta entre o assédio no trabalho e o stress ou o trabalho sob forte tensão, uma concorrência acrescida, uma segurança profissional reduzida ou uma situação laboral precária. A precariedade e instabilidade no ambiente de trabalho, constantes alterações de equipas de trabalho, o estímulo a práticas competitivas entre profissionais que desempenham as mesmas funções, por meio de avaliações de desempenho individualizadas, são, alguns dos fatores que propiciam o desenvolvimento crescente de práticas de assédio no trabalho.

O assédio tem consequências profundas na saúde física e psíquica não só na própria vítima como também nos familiares e pessoas próximas (vítimas indiretas), que de forma geral obriga a assistência médica e psicoterapêutica; induz a ausências por razões de doença ou os conduz à demissão; aumento do absentismo, redução da produtividade não conseguindo exercer o seu trabalho eficazmente e sem constrangimentos.

Num documento específico de ação da CGTP de combate ao assédio, são destacados como “os principais sintomas, físicos e psicológicos, que afetam as vítimas de assédio, destacam-se: dores generalizadas, crises de choro, palpitações, tremores, sentimento de inutilidade, insónia ou sonolência excessiva, depressão, vontade de vingança, aumento da pressão arterial, dor de cabeça, distúrbios digestivos, tonturas, tentativa ou ideia de suicídio, falta de apetite, falta de ar”.

Na verdade, o assédio não representa um desvio organizacional, mas antes, o espírito e princípio da “gestão dos recursos humanos” sustentado nos valores da “excelência” e do individualismo, imposto através de mecanismos de controlo subtis da subjetividade e pela degradação das relações de trabalho. Ora, o assédio é parte integrante de uma estratégia de gestão de controlo do trabalho de acordo com as necessidades imediatas do capital.

II

No âmbito de um projeto de parceria promovido pela CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego), o CIEG – Centro Interdisciplinar de Estudos de Género desenvolveu em 2015 o estudo “Assédio Sexual e Moral no local de trabalho” .

De acordo com este estudo conclui-se que, no nosso país embora a maioria das vítimas do assédio sejam mulheres, estas formas de violência psicológica no local de trabalho afetam também um número expressivo de homens (15,9%). Comparando estes resultados com a média nos outros países europeus conclui-se que, em Portugal quer o assédio sexual, quer o assédio em geral apresenta números muito elevados.

Identifica também que, as situações de assédio mais frequentes no local de trabalho em Portugal são a intimidação (48,1%) e a perseguição profissional (46,5%), sendo que a proporção de mulheres e de homens que se dizem alvo de intimidação ou de perseguição profissional é relativamente aproximada.

No entanto, a frequência de mulheres a referir ser intimidada é superior à dos homens (respetivamente 49% de mulheres e cerca de 46% de homens) sendo de assinalar que cerca de metade das mulheres assediadas é alvo de assédio do tipo intimidação. Por sua vez, o número de homens alvo de perseguição profissional é superior ao número de mulheres (respetivamente cerca de 49% de homens e cerca de 45% de mulheres) representando cerca de metade dos homens assediados.

O assédio no local de trabalho afeta cerca de metade das mulheres (51,9%) e dos homens (50,5%) até aos 34 anos de idade. Apesar disto, entre os homens é mais frequente ocorrer assédio entre os 35 e os 44 anos, enquanto entre as mulheres é mais frequente entre 25 e os 34 anos, o escalão etário abaixo, ou seja, mais jovem.

O estudo identifica como os sectores de atividade mais representativos das situações de assédio vividas pelas mulheres são: Alojamento, restauração e similares (16,9%); Comércio por grosso ou retalho (16,4%); Atividades administrativas e dos serviços de apoio (9,7%). Os sectores de atividade onde é mais frequente acontecer assédio entre os homens são: Comércio por grosso ou retalho (17%); Alojamento, restauração e similares (15,9%); Construção (12,5%).

Outro dado importante, a maioria das mulheres e dos homens alvo de assédio no local de trabalho têm vínculos laborais marcados pela precariedade, isto é, pelo conjunto dos seguintes vínculos: contratos a termo certo (48,8% dos homens; 52,3% das mulheres), recibos verdes (2,3% dos homens; 1% das mulheres) ou estágios remunerados (1,2% dos homens e 2,5% das mulheres).

III

Conscientes de que este é um flagelo complexo e que exige medidas multidisciplinares, o PCP visa com esta iniciativa legislativa reforçar um caminho simultaneamente preventivo, punitivo e reparador. Não excluímos, pelo contrário, continuar a intervir sobre este tema, na ligação com as áreas da saúde, educação, fiscalização.

Assim propomos:

1 - Que os atos discriminatórios lesivos de trabalhador, consubstanciados na prática de assédio, se considerem riscos laborais para a saúde do trabalhador.

2 - Responsabilização solidária da entidade empregadora pelos danos causados ao trabalhador vítima de assédio, por outro trabalhador.

3 - A proteção do trabalhador vitima e das testemunhas, os quais não poderão ser alvo de quaisquer procedimentos disciplinares com fundamento em factos ou declarações prestadas no âmbito do processo judicial e/ou contraordenacional com base na prática de assédio

4 - Fundamentação do despedimento ilícito e do despedimento por justa causa por iniciativa do trabalhador, com fundamento na prática de assédio.

5-Seja considerado um elenco de sanções acessórias a imputar ao empregador pela prática de assédio, como a interdição do exercício de atividade no estabelecimento, unidade fabril ou estaleiro onde se verificar a infração, a privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos e a privação do direito em candidatar-se a quaisquer medidas ativas de emprego e estágios profissionais, cofinanciados pelos organismos públicos, tudo por um período mínimo de dois anos.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto

A presente lei procede à alteração do regime jurídico aplicável ao assédio no trabalho, procedendo à 12.ª alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12 de fevereiro e à 5.ª alteração ao Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99 de 9 de novembro.

Artigo 2.º
Alteração ao Código do Trabalho

Os artigos 28.º, 29.º, 127.º, 331.º, 350.º, 381.º, 394.º, 562.º e 563.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro, com as alterações que lhe foram introduzidas, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 28.º
(…)

1 – […].
2 - [novo] Aos atos discriminatórios lesivos de trabalhador, consubstanciados na prática de assédio, aplica-se o disposto no número anterior.
3 - [novo] Nas situações do número anterior, quando a prática de assédio é levada a cabo por outro trabalhador, a entidade empregadora responde solidariamente pelos danos causados ao trabalhador vítima de assédio, que venham a ser apurados.

Artigo 29.º
(…)

1 – […]
2 – […]
3 – [novo] Presume-se ainda assédio, o conjunto de atos de natureza intimidatória, constrangedores ou humilhantes, ocorridos no âmbito de uma relação laboral, como a agressão verbal ou gestual, a ameaça, a redução da retribuição ou de funções injustificada ou sem fundamento, e que violem direitos fundamentais do trabalhador.
4 - À prática de assédio aplica-se o disposto nos artigos 127.º, 129.º, 281.º, 283.º, 331.º, 349.º, 350.º, 381.º, 394.º, 400.º, 562.º e 563.º.
5 – [novo] O Trabalhador vítima de assédio deve alegar os factos que constituem a prática de assédio, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 394.º n.º 2 al. b), d) e f) e/ou 548.º e seguintes, bem como indicar os trabalhadores que tenham conhecimento dos factos que integram o assédio.
6 – [novo] Tanto o trabalhador vitima de assédio, como as testemunhas por si indicadas, não podem ser alvo de quaisquer procedimentos disciplinares com fundamento em factos ou declarações prestadas no âmbito do processo judicial e/ou contraordenacional com base na prática de assédio.
7 – [novo] Compete à Entidade Empregadora a prova da inexistência da prática de assédio.
8 – [Anterior n.º 4].

Artigo 127.º
(…)

1 - O empregador deve, nomeadamente:
a) Respeitar e tratar o trabalhador com urbanidade e probidade, afastando quaisquer atos que possam afetar a dignidade do trabalhador, que sejam discriminatórios lesivos, intimidatórios, hostis ou humilhantes do trabalhador, nomeadamente assédio;
b) […];
c) […]
d) […];
e) […];
f) […];
g) […];
h) […];
i) […];
j) […].
2 – […].
3 – […].
4 – […].
5 – […].
6 – […].
7 – […].
8 – [novo] Constitui contraordenação muito grave, a violação da alínea a) do n.º1 do presente artigo.

Artigo 331º
(…)

1 - Considera-se abusiva a sanção disciplinar motivada pelo facto de o trabalhador:
a) […];
b) […];
c) […];
d) [novo] Tenha alegado ser vitima de assédio ou ser testemunha em processo judicial e/ou contraordenacional de assédio.
e) [anterior al. d)].
2 – […]:
a) […];
b) […].
3 - […].
4 - […]
5 - […].
6 - […]:
a) […];
b) […].
7 - Constitui contraordenação muito grave a aplicação de sanção abusiva.

Artigo 350.º
(…)

1 - O trabalhador pode fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho mediante comunicação escrita dirigida ao empregador, devidamente fundamentada e com indicação circunstanciada dos factos, incluindo nos casos em que o trabalhador alegue ser vítima de assédio, até ao sétimo dia seguinte à data da respetiva celebração.
2 - […].
3 - […].
4 - Excetua-se do disposto nos números anteriores o acordo de revogação devidamente datado e cujas assinaturas sejam objeto de reconhecimento notarial presencial, nos termos da lei, salvo nos casos em que o trabalhador alegue ter sido vítima de assédio.

Artigo 381.º
(…)

Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes ou em legislação específica, o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito:
a) […];
b) […];
c) […];
d) […].
e) [novo] Se for precedido da prática de assédio sobre o trabalhador e o mesmo já o tiver denunciado ao serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral, para efeitos contraordenacionais.

Artigo 394.º
(…)

1 – […].
2 - Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) […];
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, nomeadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores;
c) […];
d) […];
e) […];
f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, nomeadamente a prática de assédio, praticada pelo empregador ou seu representante.
3 – […]:
a) […];
b) […];
c) […].
4 – A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações, sendo que nos casos de assédio constante das alíneas b) e f) do presente artigo, caberá ao trabalhador demonstrar os factos constitutivos da prática de assédio, recaindo sobre o empregador o ónus da prova.
5 – […].

Artigo 562.º
(…)

1 – […].
2 – […]:
a) […];
b) […].

3 – [novo] No caso de contraordenação muito grave pela prática de assédio, tendo em conta os efeitos gravosos para o trabalhador e/ou as lesões provocadas com o incumprimento, podem ainda ser aplicadas as seguintes sanções acessórias:
a) Interdição do exercício de atividade no estabelecimento, unidade fabril ou estaleiro onde se verificar a infração, por um período até dois anos;
b) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos, por um período até dois anos.
c) Privação do direito em candidatar-se a quaisquer medidas ativas de emprego e estágios profissionais, cofinanciados pelos organismos públicos, por um período de dois anos.
3 - […].
4 – […].

Artigo 563.º
(…)

1 - A sanção acessória de publicidade pode ser dispensada, salvo nos casos constantes dos n.º 2 e 3 do artigo 28.º e artigo 29.º, tendo em conta as circunstâncias da infração, se o agente tiver pago imediatamente a coima a que foi condenado e se não tiver praticado qualquer contraordenação grave ou muito grave nos cinco anos anteriores.
2 – […].»

Artigo 3.º
Alteração ao Código de Processo do Trabalho

O artigo 66.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99 de 9 de novembro, com as alterações que lhe foram introduzidas, passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 66.º
(…)

1 – […].
2 – [Novo] As testemunhas em processo judicial cuja causa de pedir seja a prática de assédio, são sempre notificadas pelo Tribunal, não podendo ser dispensadas.

Artigo 4º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.

Assembleia da República, 20 de janeiro de 2017

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