Intervenção de Ana Mesquita na Assembleia de República

«É preciso que a Cultura deixe de ser o parente pobre e que acabe a indigência orçamental»

Senhor Presidente,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhores Membros do Governo,
Senhoras e Senhores Deputados,

70 anos. Ao ritmo que cresceu a despesa, entre o orçamento inicial de 2017 e o proposto para 2018, em serviços culturais, recreativos e religiosos – especificamente para a Cultura – seriam necessários quase 70 anos para alcançarmos 1% do Orçamento do Estado para a Cultura. É preciso que a Cultura deixe de ser o parente pobre e que acabe a indigência orçamental a que tem vindo a ser votada por sucessivos governos.

A reivindicação de 1% do Orçamento do Estado para a Cultura e, posteriormente, rumo ao 1% do PIB, alicerça-se não num arranjo contabilístico em que se tenta incluir numa conta satélite o investimento de autarquias locais e diversos ministérios da Administração Central, mas antes numa realidade: Portugal ocupa a penúltima posição na União Europeia em termos de gastos públicos com Cultura, seja em percentagem do PIB, seja em percentagem do Orçamento do Estado.

Uma realidade que se tem traduzido cruel e friamente no definhar do tecido cultural, no encerramento de companhias, no cancelamento de espectáculos e festivais, no condicionamento da liberdade de criação às escassas ou nulas condições materiais, humanas e financeiras, no desemprego e na precariedade que grassa, no esvaziamento da tutela do património cultural, na destruição de património histórico e arqueológico, na degradação de monumentos nacionais que depois são concessionados a pataco com vista à exploração comercial e turística durante décadas a privados, na falta de pessoal nos museus num contexto que enorme aumento do fluxo de visitantes. Sabemos que é preciso fazer um esforço considerável para reverter este cenário. Mas é preciso e é urgente.

O PCP propõe uma outra política para a Cultura. Uma política que acabe com o subfinanciamento crónico das actividades culturais; que invista nos apoios centrais à democratização da cultura; que combata a burocratização das estruturas e dos procedimentos; que rejeite a mercantilização da cultura, a mercadorização dos bens culturais, a elitização e a privatização. Uma política que responsabilize a Administração Central e a tutela da Cultura e acabe com a desresponsabilização de décadas.

Isto implica a tomada de medidas de carácter orçamental, como o traçar de metas mais concretas para alcançar, numa primeira fase, 1% do Orçamento do Estado para a Cultura. Não podemos esperar 70 anos para que isso aconteça! E não falamos da contabilização de meios dispersos que desoneram a tutela da definição da orientação política geral para a Cultura.

Precisamos de medidas que reforcem, desde já, os apoios públicos à criação artística. Assinalamos o crescimento registado neste capítulo, mas consideramos que é claramente insuficiente. Propomos que se aumente, já em 2018, às linhas existentes de apoio às artes para 25 milhões de euros, que mais não é do que a reposição dos valores de 2009, último ano em que os concursos abriram sem os cortes cegos aplicados a pretexto dos PEC no governo PS/Sócrates e dos cortes a pretexto do Pacto de Agressão da Troika no governo PSD/CDS, acrescidos do valor da inflação.

Saudamos, como não poderíamos deixar de o fazer, o acolhimento da proposta do PCP - e reivindicação de há vários anos da Juventude Comunista Portuguesa - de redução do IVA dos instrumentos musicais, deixando de ser taxados como objectos de luxo. É um avanço importante para quem trabalha, estuda e divulga a Música. Outros passos noutros capítulos podem e devem ser dados.

Se há lugares por preencher no quadro de Museus, Palácios e Monumentos Nacionais, que sejam desde já tomadas todas as diligências para o seu rápido preenchimento. Se há necessidades de salvaguarda e protecção do Património Cultural, que se tomem medidas de investimento público para que tal aconteça, sem destinar apenas os que têm potencial económico e turístico à gula dos privados, privando os trabalhadores e o povo da sua fruição.

Até porque o que pagamos em juros da dívida num só ano dava para quase 10 anos de 1% para a Cultura no Orçamento do Estado. Este é um verdadeiro constrangimento à reposição de direitos e rendimentos, reposição que tem de chegar a todos os campos na vida e, também, a este pilar da Democracia que é a Cultura.

A estruturação de um verdadeiro Serviço Público de Cultura exige um Ministério da Cultura com meios materiais, humanos e financeiros que ultrapassem aqueles normalmente destinados a uma mera Secretaria de Estado. Só com esses meios é possível ao Estado promover a democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos a toda a Cultura, o acesso de todos à fruição e à criação culturais.

O senhor Primeiro-Ministro disse ontem que se ainda exercesse as funções de deputado e pudesse votar favoravelmente na especialidade propostas para melhorar o orçamento da Cultura que o faria. Pois então, senhor Primeiro-Ministro, o PCP vai proporcionar várias oportunidades para que os deputados da bancada do Partido Socialista o possam acompanhar nessa vontade. É esse o nosso compromisso. Para que possamos voar sem que saiam da lama garras de chão que nos prendam os tornozelos.

Disse.

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