Intervenção de Jorge Machado na Assembleia de República

"Portugal precisa de uma política que coloque em primeiro lugar os interesses do nosso país e do nosso povo"

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Senhora Presidente,
Senhores membros do Governo
Senhores Deputados,

Se há matéria que é clarificadora das opções políticas de cada um dos partidos, essa matéria é a da política de rendimentos e a forma como é distribuída a riqueza nacional.

O país, além de necessitar de aumentar a riqueza produzida, está sobretudo confrontado com uma gigantesca e insustentável injustiça na distribuição da riqueza nacional.

Portugal cria, por ano, cerca de 165 mil milhões de euros de riqueza. Para onde vai a riqueza produzida? Como é distribuída entre as classes sociais? E porque é que a riqueza é desta forma distribuída?

No fundamental, são quatros as matérias que influenciam a distribuição da riqueza:

- Qual a política salarial e das diferentes formas de remuneração do trabalho, nos salários e pensões?
- Qual é a política fiscal e como são tributados os rendimentos do trabalho e do capital?
- Qual é a política económica e quais as opções em matéria de privatizações, investimento, rendimento das atividades produtivas e financeiras em que se incluem PPP´s, SWAP´s e outras formas de transferência de riqueza?
- E qual é a política de prestações sociais?

A resposta a estas perguntas demonstra como nos últimos 38 anos, e nos últimos três em particular, sucessivos governos promoveram uma política de concentração de riqueza em meia dúzia de grupos económicos e financeiros, recuperando muitos dos que enriqueceram com o fascismo, criando outros e promovendo a acumulação nos grupos transnacionais, à custa da miséria e da fome de milhares de trabalhadores.

Concentrar a riqueza nacional à custa da exploração de quem trabalha: eis o eixo central da política de direita.

Por via da não valorização salarial; por via de sucessivas alterações à legislação do trabalho sempre a favor do patronato; por via dos impostos e da injusta e excessiva tributação de quem trabalha em benefício do grande capital; por via da entrega de empresas de todos nós a grupos transnacionais; por via dos cortes em prestações sociais; sucessivos Governos, com destaque para ao atual, alteraram profundamente a estrutura da distribuição da riqueza no nosso país.

Senhora Presidente
Senhores membros do Governo
Senhores Deputados

Nenhum Governo foi tão longe como o atual no ataque aos salários, do setor público e privado, no ataque aos direitos e outras componentes da retribuição.

Seguindo as pisadas de anteriores governos PS, PSD e CDS promoveram cortes diretos nos salários e sucessivas alterações à legislação do trabalho reduzindo a remuneração do trabalho.

Desde 1986, por via dos Orçamentos do Estado e de sucessivos pacotes laborais, os governos PS, PSD e CDS reduzem as remunerações dos trabalhadores e aumentam os horários de trabalho, impondo a exploração.

Os Orçamentos do Estado deste Governo PSD/CDS e as suas opções foram particularmente graves a este respeito.

Congelaram e cortaram salários, congelaram as progressões e promoções, aumentaram os descontos para os subsistemas de saúde. Com tudo isto confiscaram mais de 30% dos salários dos trabalhadores da administração pública.

Não satisfeito, o Governo PSD/CDS aposta em novas formas de trabalho escravo ou forçado e chegam ao desplante de querer obrigar os trabalhadores a trabalhar de graça.

É isso que acontece com a praga dos ditos "Contratos Emprego Inserção" que não são nem de emprego nem de inserção, em que o Estado obriga os trabalhadores desempregados a trabalhar de graça uma vez que a retribuição pelo trabalho prestado é o subsídio de desemprego para o qual o próprio trabalhador descontou. Hoje, só no Estado temos mais 30 mil pessoas a trabalhar de graça.

No setor privado e público cresce também uma outra forma de trabalho gratuito. São os ditos estágios que na verdade significam a satisfação de necessidades permanentes com a prestação de trabalho gratuito.

E é também o exemplo da proposta que o Governo está a discutir que visa facilitar o uso do dinheiro dos trabalhadores para pagar parte do salário de um trabalhador que aceite trabalhar por um salário mais baixo do que o seu subsídio de desemprego. No fundo, querem que seja a segurança social a financiar os salários de miséria, a financiar a estratégia de fazer baixar os salários no nosso país.

Uma outra forma de agravar a já injusta distribuição de riqueza passa pelas opções em termos de política fiscal.

Por via dos impostos, sucessivos governos PS, PSD e CDS, sobretudo o actual, concentraram riqueza no grande capital e aumentaram as injustiças.

Bem nos lembramos do CDS, de Paulo Portas bradar aqui no parlamento contra a elevada carga fiscal que pendia sobre os portugueses. Pois o que o Governo fez foi aumentar, de forma brutal e injusta os impostos sobre quem trabalha para diminuir os impostos que os grandes grupos económicos pagam. Enquanto aumentaram o IRS em 35%, o que significou mais 11 mil milhões de euros retirados aos trabalhadores, diminuíram o IRC sobre as grandes empresas de 25 para 23% em 2014 e para 21% em 2015, com a intenção de o reduzir até aos 17%. A isto temos de somar um aumento de 41% do IVA desde 2000 que penaliza sobretudo os trabalhadores e a população com menores rendimentos. Simultaneamente, deram aos grandes grupos económicos milhares de milhões de euros em benefícios fiscais, alguns nem sequer declarados pelo Governo.

Também em termos de política económica este Governo opta por concentrar a riqueza, atacando pequenas e médias empresas e produtores e privilegiando os grupos económicos e financeiros.

Por via das privatizações, sucessivos Governos têm vindo a entregar património que é de todos nós aos grandes grupos económicos, que se apropriam de empresas de onde retiram milhões e milhões de euros de lucros que deviam reverter para o país.

O exemplo da TAP é apenas o último e flagrante exemplo dessas opções que prejudicam o país para servir os grandes interesses económicos.

Além das privatizações, os grandes grupos económicos têm vindo a beneficiar de gigantescos privilégios e mordomias.

Regimes fiscais que permitem a fuga, legal ou ilegal, aos impostos; perdões fiscais; reduções da taxa social única; ppp´s e outros negócios que garantem milhões do orçamento do estado. Para estes não falta dinheiro.

Os lucros dos grandes grupos económicos cá estão para demonstrar como os sacrifícios, ao contrário do que o primeiro-ministro afirma, não são para todos e que ao contrário do mexilhão estes não se lixaram com a crise. Pelo contrário, ganharam e não foi pouco.

O Governo que cortou a quem trabalha foi o mesmo Governo que garantiu:

- 12 mil milhões para recapitalização da banca;
- 23 mil milhões em juros da dívida;
- milhares de milhões em benefícios fiscais, 1.045 milhões dos quais escondidos da Conta Geral do Estado só em 2012;
- cerca de 5 mil milhões em PPP`s

O país que se afunda do ponto de vista social é o mesmo país em que os grandes grupos económicos têm garantidos lucros milionários. Entre 2004 e 2013:

- a Banca acumulou mais de 10 mil milhões de euros
- na Energia e telecomunicações, onde se inclui a Galp e a EDP, mais de 27 mil milhões de euros.
- no Comércio e serviços, onde se inclui a Sonae e a Jerónimo Martins, mais de 4 mil milhões de euros.

Dezoito empresas acumularam em menos de uma década mais de 48 mil milhões de euros e isto é apenas uma parte dos lucros grandes grupos económicos.

Por outro lado, as pequenas e médias empresas, que são a base da nossa economia, são esmagadas pela política do Governo, definham por falta de procura interna e nem o setor primário que é tanto alvo de propaganda por parte do Governo, escapa ao processo de concentração da riqueza, com os produtores a receberem uma pequena fração do preço dos produtos que produzem. Enquanto as grandes superfícies aumentam os seus lucros, os preços pagos aos produtores caiu 80% e os produtores ficam apenas com 10% do valor criado, enquanto o resto se acumula nos lucros dos grupos da distribuição.

Por fim, também na política de prestações sociais o Governo agrava as injustiças na distribuição da riqueza.

O que devia servir para esbater o fosso de rendimentos entre os mais ricos e os mais pobres e ajudar a combater a pobreza, é utilizado como factor de agravamento das injustiças.

Não obstante o Governo cobrar cada vez mais impostos a quem trabalha, quem trabalha beneficia cada vez menos deles. Além de fragilizar, cortar e diminuir serviços públicos fundamentais como saúde, educação e justiça, o Governo cortou significativamente nas prestações sociais.

Depois dos cortes do Governo PS/ Sócrates, este Governo foi mais longe e cortou o abono de família a mais 56 mil crianças. Cortou o complemento solidário para idosos a mais de 63 mil idosos e cortou a mais de 120 mil pessoas o rendimento social de inserção.

Queremos destacar que existindo mais de 1 milhões e 200 mil desempregados, apenas 23% destes trabalhadores recebem subsídio de desemprego.

Numa frase, os pobres têm a condição de recursos para impedir o acesso às prestações sociais de miséria, os ricos têm regimes especiais de regularização tributária para branquear capitais e fugir aos impostos.

Senhora Presidente
Senhores membros do Governo
Senhores Deputados

As consequências destas opções políticas são dramáticas e estão à vista de todos.

Em 1975, fruto da valorização dos salários alcançada com a revolução de Abril, 73% da riqueza nacional destinava-se ao pagamento de salários. Em 2013 os salários representavam apenas 37% da riqueza nacional.

Já os rendimentos de capital sofreram o processo inverso: em 1975 representavam 27% mas em 2013 mais de 62% da riqueza nacional foi destinada a rendimentos de capital.

Hoje, os rendimentos globais dos 10% mais ricos são 10 vezes superiores aos rendimentos dos 10% dos mais pobres. Isto é, um punhado de ricos ganha 10 vezes mais que um milhão de portugueses.

Hoje, 1% da população detém cerca de 25% da riqueza nacional e 5% da população nacional acumula, escandalosamente, 50% da riqueza produzida pelos trabalhadores.

Assim se percebe a dimensão do processo de concentração de riqueza nacional e para onde vai a riqueza produzida pelos trabalhadores.

Ao mesmo tempo, e porque a riqueza produzida não é elástica, de acordo com o INE, o risco de pobreza aumentou significativamente em 2012 atingindo o valor mais elevado desde 2005. Em 2012 atingiu 24,7%, ou seja, cerca de 2 milhões e 600 mil portugueses estavam em risco de pobreza e há cada vez mais trabalhadores que mesmo trabalhando ficam pobres.

Em apenas dois anos o Governo PSD/CDS, ao mesmo tempo que promovia a concentração de riqueza nos já milionários do nosso país, atirou mais de 500 mil pessoas para a pobreza.

Estamos assim face a uma clara opção de classe de sucessivos governos, especialmente deste último, que tiram milhões de euros a quem trabalha ou vive da sua reforma, criando mais dificuldades, miséria e pobreza, para entregar fatias cada vez maiores da riqueza produzida por quem trabalha a meia dúzia de grupos económicos, aos bancos e milionários.

Uma das imagens do definhamento do país e consequência do processo de concentração da riqueza é a emigração que compromete a breve e a médio prazo as condições necessárias para o nosso desenvolvimento, refletindo a desvalorização do trabalho científico, dos profissionais da saúde ou dos docentes e deixando o país mais pobre.

Senhora Presidente
Senhores membros do Governo
Senhores deputados

Um país mais justo precisa de uma mais justa distribuição da riqueza. Para que isso aconteça é preciso, e com urgência, a demissão deste Governo e a consagração de uma política patriótica e de esquerda, que como o PCP propõe, valorize salários e reformas; que promova justiça fiscal; que privilegie a produção nacional e não os grupos económicos e que efetivamente proteja quem menos pode e tem por via das prestações sociais.

O país precisa de uma política de defesa e aumento da produção nacional com a recuperação para o povo Português das empresas estratégicas e do setor financeiro.

O país precisa de valorizar os salários, pensões e as prestações sociais que além de combater a pobreza permitem que a riqueza reverta para quem a produz.

É urgente combater os despesismos e assegurar uma tributação justa do capital para aliviar os trabalhadores, reformados e as pequenas e médias empresas.

É urgente uma política de investimento público que defenda e recupere os serviços públicos cumprindo assim as obrigações constitucionais do Estado.

Portugal precisa de uma política soberana que coloque em primeiro lugar os interesses do nosso país e do nosso povo.

Em síntese, o que o país precisa é a rutura com a política de direita que o PCP propõe para assegurar uma política patriótica e de esquerda que recupere os valores de Abril e o seu projeto de justiça social.

Os trabalhadores e o povo saberão sacudir o medo e, com confiança, libertarem-se das correntes que os aprisionam para construir o futuro do nosso país.

Disse.

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