Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Audição sobre Economia e Desenvolvimento

Portugal não está condenado ao atraso

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Quero antes de mais agradecer a vossa presença nesta “Audição sobre Economia e Desenvolvimento”, que se insere num quadro de consulta alargado sobre o Programa Eleitoral do PCP que estamos a realizar, tendo em vista as eleições legislativas de 6 de Outubro deste ano. Agradecer antecipadamente também todos os contributos que julguem úteis e que connosco queiram partilhar, resultado da vossa reflexão sobre os problemas do País, bem como as melhores soluções para a sua resolução.

Estamos já numa fase adiantada da elaboração do Programa Eleitoral que contamos apresentar no próximo mês de Julho, mas suficientemente a tempo de introduzir os contributos que aqui venham para o enriquecer.

Naturalmente que, na elaboração do nosso Programa Eleitoral, não partimos do zero, temos apresentado e proposto aos portugueses uma política patriótica e de esquerda, que é a nossa própria perspectiva de solução dos problemas do País e que, como toda a obra humana, carece de aperfeiçoamentos e de avaliação e consideração de situações e problemas novos ou agravados, para os quais é necessário encontrar a resposta adequada, sejam os avivados problemas demográficos e sociais, os ampliados défices estruturais, como o produtivo, sejam os novos problemas que colocam a revolução tecnológica e digital ou os crescentes problemas ambientais.

Pensamos que é consensual que o País vive hoje uma conjuntura diferente daquela que se apresentava há 4 anos atrás.

Mas uma conjuntura diferente que não significa um País substancialmente diverso, já que, a nosso ver, ele continua marcado por graves problemas estruturais que se mantêm inalterados e por enormes atrasos no seu desenvolvimento. As consequências negativas de prolongados anos de políticas de direita e de recuperação capitalista de governos da responsabilidade de PS, PSD e CDS continuam hoje muito presentes na vida do País e, certamente, aqui virão no decorrer da nossa Audição.

A reposição, defesa e conquista de direitos e rendimentos, pelos quais nos temos batido com êxito são uma das marcas diferenciadoras na actual situação do País e que se traduziram na dinamização do mercado interno, com impactos positivos no crescimento económico e na criação de emprego. São medidas positivas que não só confirmaram o acerto das análises do PCP em relação ao caminho que se impunha seguir, como mostram que o desenvolvimento do País, como sempre defendemos, é inseparável da elevação das condições de vida dos trabalhadores e do povo.

Dirão que são alterações de alcance ainda limitado, que não resolvem os problemas de fundo, certamente, mas mostraram que há outro caminho e que é possível outro caminho.

Podíamos ter ido mais longe? Temo-lo afirmado e julgamos que justamente, se o governo do PS não tivesse optado pela submissão às imposições do Euro e da União Europeia e pela subordinação aos interesses do capital monopolista, teria sido possível.

Tal como poderiam ter sido dados outros passos em direcção à solução dos problemas mais estruturais se na governação do País não permanecessem as opções essenciais de uma política que há muito revelou a sua falência, onde se inclui uma evidente falta de vontade política para ir encontrando uma solução para libertar o País dos constrangimentos e condicionamentos de uma dívida pública sufocante e inúmeras e inaceitáveis imposições da União Europeia.

Na verdade, não serão os actuais níveis de crescimento económico realizados em sectores sujeitos a grande volatilidade e num contexto externo favorável, que permitirão recuperar os atrasos de muitos anos e, sobretudo, os défices e estrangulamentos estruturais da economia portuguesa.

Tenta-se fundamentar nesse crescimento, moderado diga-se e hoje já em desacelaração, a tese de que é possível resolver os problemas nacionais mantendo intocável o actual quadro de opções políticas e constrangimentos externos.

Mas trata-se de uma falsa tese que omite que os problemas de fundo e estruturais que marcam a realidade portuguesa não foram, nem estão resolvidos e que persistem graves problemas económicos e sociais sem resposta.

As pequenas variações não iludem a natureza estrutural da evolução persistentemente negativa da nossa economia e do nosso PIB desde o princípio do século.

Temos afirmado que um País que não produz não tem futuro! E esta questão estratégica não pode continuar a ser secundarizada se queremos vencer o nosso atraso, a par com uma política de valorização do trabalho e dos trabalhadores.

É em nome da defesa da manutenção de tal tese e da política e constrangimentos que comporta que a dinamização dos sectores produtivos nacionais continua muito aquém das suas necessidades, continua a manter-se um quadro degradado de direitos laborais e de baixos salários e a adiar resposta a problemas prementes, como são os da área da saúde, da educação, da cultura ou da habitação, componentes essenciais de uma política de desenvolvimento.

Tal como é em defesa da manutenção de tal política e de tais constrangimentos que se asfixia o investimento público e se submete um País com fortes assimetrias de desenvolvimento e a ver reduzida a sua participação nos fundos comunitários da coesão e agricultura.

De facto, por muito que se afirme e se queira mostrar que se encontrou a fórmula da solução da quadratura do círculo, ou seja, da compatibilização do cumprimento dos ditames da União Europeia e do Euro com a solução dos problemas nacionais a evolução da situação económica e social nacional está aí a desmenti-lo.

Está a evolução actual, onde pesa já também negativamente uma visível deterioração das balanças externas, nomeadamente de bens e serviços a caminharem para crescentes défices, mas também as opções e orientações que estão a ser tomadas e que projectam desenvolvimentos futuros, onde está patente o arrastamento sem solução de problemas que urgia hoje resolver, seja o Programa de Estabilidade para os próximos anos, que impõe níveis de investimento inaceitáveis, sejam as limitadas opções que se conhecem do Plano Nacional de Investimentos até 2030, quer em volume de investimento, quer na sua natureza.

Se nos acompanharem no fundamental desta análise, certamente concluirão, tal como nós, que não é possível continuar a iludir que a solução dos problemas nacionais não encontra resposta com a actual política e com o actual quadro de constrangimentos.

Para nós, é inquestionável que Portugal precisa de outras soluções. Precisa de encetar um novo rumo com outra política, em ruptura com as questões nucleares da política de direita.

Temos definido os grandes objectivos de uma política alternativa para o desenvolvimento do País. Eles são hoje públicos. Neles se incluem a necessidade de assegurar a defesa dos sectores produtivos e da produção nacional e a afirmação da propriedade social e do papel do Estado na economia. Tal como o assegurar de um Estado ao serviço do povo, que efective os direitos sociais e as outras dimensões que dão expressão ao Desenvolvimento e num quadro de um País coeso e equilibrado, capaz de dar garantias de progresso e condições de vida em todo o território, assente na regionalização e no ordenamento do território e numa política ambiental que salvaguarde a natureza.

Na fase em que estamos na elaboração do nosso Programa Eleitoral, identificámos cinco problemas nucleares para o futuro do País a que o Programa deve responder:

- A sustentabilidade demográfica e o pleno emprego, travando a baixa natalidade e a emigração;

- A redução das desigualdades sociais, com a eliminação da pobreza e correcção das assimetrias regionais;

- O desenvolvimento das forças produtivas e o fortalecimento quantitativo e qualitativo do tecido empresarial, no quadro da Revolução Digital;

- Um Estado para a sociedade portuguesa no século XXI, com serviços públicos à altura das suas missões;

- Um elevado nível de investimento público que assegure a manutenção e desenvolvimento das infraestruturas e equipamentos do Estado e um forte impulso à produção nacional.

Eles estão no centro das questões que aqui nos trazem - a economia e o desenvolvimento.

Era importante ver se eles são consensuais, mas também se as soluções que se avançam nalgumas linhas essenciais que mencionarei e que já estão adiantadas são resposta que se impõe.

Apenas referenciarei algumas que se podem considerar essenciais para o âmbito da nossa Audição.

Nelas se incluem como linhas essenciais de uma política patriótica e de esquerda, desde logo a valorização salarial assumida como emergência nacional, cuja concretização constitui vector estratégico para valorização do trabalho, para uma mais justa distribuição da riqueza, o combate à pobreza, a melhoria das condições de vida e o aumento futuro das pensões de reformas, e um estímulo à actividade económica e à produção nacional.

Só uma elevação progressiva, mas rápida, do nível salarial em Portugal travará o esvaziamento do País em jovens qualificados e uma tripla perda: perda da força de trabalho de que precisa para o seu desenvolvimento económico; perda do investimento feito na sua formação e perda do potencial demográfico desses jovens.

A assumpção desta emergência salarial como objectivo nuclear exige o aumento geral dos salários para todos os trabalhadores, a valorização das profissões e das carreiras, com um aumento significativo do salário médio, o aumento do Salário Mínimo Nacional para os 850 euros e a convergência progressiva com a média salarial da Zona Euro. Um aumento de salários que reforçará a sustentabilidade do Sistema Público de Segurança Social e que tem de ser acompanhado do aumento das reformas e pensões.

Outra linha essencial destina-se a dar prioridade ao investimento público, com o objectivo de dar um forte impulso ao crescimento económico, assegurar um elevado nível de resposta ao desenvolvimento de infraestruturas e equipamentos do Estado e qualificação de todos os serviços públicos essenciais.

O País precisa de uma política orçamental orientada pela prioridade do investimento, o que implica que se mobilize o excedente orçamental não para o sorvedouro da dívida mas para o investimento público.

Uma opção que a par de uma justa política fiscal, da gestão criteriosa e rigorosa das despesas públicas, garanta o apoio à dinamização do investimento público e privado nos sectores produtivos.

Avançar com um programa ambicioso de financiamento dos serviços públicos e das funções sociais do Estado é outra condição para garantir uma efectiva política de desenvolvimento do País. Investir nos serviços públicos invertendo o crónico sub-financiamento dos meios indispensáveis, repondo serviços extintos e elevando as condições de resposta às funções que cumprem é um objectivo inadiável, inscrevendo como prioridade um programa de investimento na Saúde e a implementação de um programa extraordinário de investimento no sector dos transportes públicos que não só responda no imediato aos graves problemas existentes, como assegure no futuro – enquanto opção estratégica – o direito à mobilidade, a defesa do meio ambiente, a redução de importações.

Como uma grande linha essencial do Programa está a imperiosa necessidade de medidas para garantir um salto qualitativo e quantitativo no desenvolvimento das forças produtivas. Que passa, no quadro de uma economia mista, por uma aposta clara que promova a produtividade e a progressão nas cadeias de valor, com mais investimento empresarial em Inovação & Desenvolvimento, dinamize o mercado interno, assegure o apoio necessário às micro, pequenas e médias empresas, combata os abusos dos grupos monopolistas e a predação por parte do sector financeiro, desenvolva o controlo público e a dinamização das empresas estratégicas.

Neste âmbito é decisivo avançar na recuperação pública dos sectores estratégicos de modo a que os investimentos estratégicos não estejam condicionados pelas lógicas estreitas da maximização do lucro e da rápida recuperação do capital aplicado, que dificilmente coincidirão com o interesse nacional.

Recuperar o controlo público dos CTT, da TAP, da ANA, do sector energético e das suas redes, das telecomunicações e da banca. Estes são, entre outros, objectivos incontornáveis para quem queira recuperar os instrumentos de comando da economia portuguesa e desenvolver o País.

Mas sendo certo que não há desenvolvimento sem assegurar um País coeso e equilibrado, em estado adiantado de elaboração está uma linha de trabalho visando esse objectivo.

Um objectivo que, na sua concretização, exige: um leque amplo de políticas integradas, com o papel da intervenção do Estado central, das regiões autónomas; a implementação da regionalização, um Poder Local com capacidade financeira reforçada; políticas económicas que possam romper com a lógica única de mercado na afectação e localização de recursos; uma política agrícola e florestal, privilegiando a exploração familiar e produções que garantam a ocupação humana do território; uma reindustrialização com a valorização da transformação industrial da matéria-prima regional na região e redes de distribuição que preservem e intensifiquem os fluxos regionais.

É nossa profunda convicção que Portugal não está condenado ao atraso. É possível e necessário realizar outra política. Da nossa parte temos propostas e outras aqui virão, evidenciando a existência de uma política alternativa. Propostas estas que teremos em conta, tal como todos os contributos dos convidados presentes, aos quais mais uma vez renovo os nossos agradecimentos.

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