Intervenção de Carlos Carvalhas, Secretário-Geral, Convívio / Recepção «Portugal África - Desenvolvimento e Cooperação»

Portugal África - Desenvolvimento e Cooperação

Queria em meu nome e em nome do PCP, agradecer a presença de todos nesta recepção-convívio, nomeadamente a presença de representantes de diversos países africanos e das comunidades de origem africana em Portugal.

Nós que fomos e somos um País com uma grande emigração, estamos em boas condições para compreender os problemas das diversas comunidades estrangeiras que aqui vivem e trabalham.

Os seus problemas são no essencial os problemas que defrontam os portugueses emigrantes nos países da União Europeia e nos diversos cantos do Mundo: o problema da documentação e da legalização, do trabalho com direitos e dignamente remunerado, os problemas da habitação e da integração, do respeito pelas culturas, os problemas da discriminação, do racismo e da xenofobia.

A grande maioria das comunidades de imigrantes encontram-se na Área Metropolitana de Lisboa.

É também aqui que o PCP tem mais posições e responsabilidades autárquicas.

De uma forma geral e no quadro das competências das autarquias procuramos dar resposta aos problemas dos imigrantes, o que não quer dizer que não haja que melhorar a nossa intervenção e que não haja questões a superar. Mas muitos dos problemas ultrapassam os meios, as atribuições e competências do Poder Local.

Neste Encontro-convívio queremos também dizer-vos que podem contar connosco em todas as esferas da vida nacional onde temos influência bem assim como nas diversas instituições internacionais e europeias onde temos representação, nomeadamente no Parlamento Europeu, no Conselho da Europa e na União Inter-Parlamentar.

Permitam-me ainda que sublinhe algumas das nossas iniciativas na Assembleia da República, nomeadamente as alterações introduzidas na nova lei de estrangeiros, como a consideração da união de facto para efeitos de reagrupamento familiar; a proibição da manutenção de cidadãos por mais de 48 horas na zona internacional do aeroporto; a diminuição de 10 para 6 anos do período de residência exigido para obtenção de autorização de residência permanente; a participação do Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração nos casos de recusa de renovação de autorização de residência.

E honramo-nos de ter sido o primeiro partido a apresentar um projecto de lei contra a discriminação racial, que conduziu à aprovação pela primeira vez em Portugal de uma lei que proíbe e sanciona todas as práticas discriminatórias por causa da raça, cor, nacionalidade ou origem étnica. E honramo-nos de ter sido também o partido que mais iniciativas e projectos de lei apresentou na Assembleia da República, como foi o caso entre outros, dos direitos das Associações de Imigrantes, da proposta de um mecanismo permanente para possibilitar a legalização dos imigrantes em situação irregular, ou da revogação de toda a legislação discriminatória sobre o trabalho de estrangeiros.

Por múltiplas razões Portugal está profundamente ligado a África. Felizmente que a Revolução de 25 de Abril ao libertar o país do fascismo também contribuiu para que os povos irmãos de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e S.Tomé e Príncipe se libertassem, criando um novo quadro de relacionamento entre Portugal e África.

É aos africanos que cabe optar pelas suas instituições, os seus princípios e os seus valores, o seu quadro de organização regional.

Cabe-nos respeitá-lo. Sabemos apreciar o valor da liberdade, da soberania e da democracia. E dos povos africanos recebemos também um valioso contributo pela sua libertação do colonialismo. A luta dos povos de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e S. Tomé, foi na verdade uma preciosa ajuda à libertação do povo português.

Entendemos que os valores da liberdade e da democracia são universais, mas não há “modelos” para impor, porque só os próprios povos poderão encontrar o seu próprio caminho, ou se quiserem o seu próprio “modelo”.

Nós, portugueses, cidadãos de um país que vai exercer a Presidência da União Europeia, entendemos que essa Presidência deve ser exercida para beneficiar a cooperação entre a Europa e África. Para tal é de aplaudir a realização de uma Cimeira entre a União Europeia e a OUA, a realizar no Cairo e que tenha como objectivo fomentar um real desenvolvimento e uma verdadeira cooperação e a resolução das dívidas externas, nomeadamente dos países mais carenciados.
Para esse efeito é necessário partir-se do pressuposto que cada organização tem as suas próprias regras, e cada uma das partes deve respeitar esses regras assumindo todos as consequências práticas, ou seja, ninguém pode ditar comportamentos, exclusões ou marginalizações.

Portugal tudo deve fazer para que a Cimeira não seja adiada e se realize dentro desse espírito e que a realizar-se ela não seja a vitória de um partido, de um país ou de uma organização internacional, mas uma vitória dos povos da União Europeia e dos povos da OUA, uma vitória da cooperação entre europeus e africanos.

Portugal está interessado no relacionamento com todos os países do Norte de África, sem exclusões e deve rejeitar manobras que visem dividi-los ou agrupá-los segundo interesses das velhas potências coloniais. Com os nossos vizinhos próximos do Mediterrâneo, o PCP defende uma relação sem preconceitos e em pé de igualdade, na busca dos interesses e vantagens recíprocas.

Aos países de língua oficial portuguesa ligam-nos laços muitos especiais que creio por todos os outros ser compreendido.

E permitam-me que daqui saúde o povo de Timor Lorosae, Xanana Gusmão e o CNRT com votos de sucesso na difícil fase de reconstrução e construção deste novo país.

Também o apoio solidário do PCP e de forças progressistas portuguesas à luta anti-apartheid e ao ANC, e a enorme colónia portuguesa radicada na África do Sul, criou entre Portugal e a África do Sul laços especiais que importa desenvolver no relacionamento com esse grande país.

Com todos os presentes e com todos os povos e países africanos queremos que Portugal e a União Europeia dêem o seu contributo para um relacionamento internacional mais justo, equitativo e não se faça de África um enorme reservatório de matérias primas, de mão-de-obra barata, um Continente perdido.
Vivemos uma época em que se evoca para tudo e para nada a globalização.

A “globalização” tem também as costas largas. Não é raro dizer-se que neste mundo globalizado, temos que ser competitivos o que nessa linguagem quer dizer temos que baixar os custos do trabalho, liquidar direitos, não aumentar salários, desregulamentar e flexibilizar cada vez mais a mão-de-obra... Este é o actual rumo da globalização que difunde a ideologia e os interesses dos países dominantes: os dogmas do neoliberalismo e da economia de casino à escala planetária. É a ideologia da competitividade, das privatizações, da desregulamentação, da liberalização, da produtividade, da flexibilidade, da mobilidade que mais não visa do que desarmar os Estados, os trabalhadores e os sindicatos, para permitir à escala planetária a desmedida acumulação de riqueza e a concentração do “poder político” em meia dúzia de famílias, à custa da mais desenfreada exploração do trabalho e da pilhagem de países e continentes inteiros. É a globalização da pobreza, do desemprego, do trabalho precário e das fantásticas concentrações de riqueza.

Ainda antes de Marx, o Padre Lacordaire escrevia em 1838: «Entre o forte e o fraco, a liberdade oprime e a lei liberta...».

São na verdade os países mais poderosos e os mais ricos os que mais defendem a desregulamentação, a liquidação de defesas dos Estado soberanos, o mercado como supremo regulador e entidade divina, o notário da democracia... Mas como já foi afirmado «quanto mais deixarmos o mercado governar o futuro das nossas sociedades, mais o mundo se tornará o terreno de uma guerra económica sem fronteiras, onde individuos, grupos sociais, cidadãos, países e continentes pouco ou nada competitivos serão postos de lado e abandonados como é já o caso de África».

Ao mundo actual injusto e desumano sobrepomos a luta por uma nova ordem económica mundial e uma política de cooperação e apoio activo e solidário ao desenvolvimento dos povos dos países subdesenvolvidos.

A globalização por que lutamos é a globalização da solidariedade, da cooperação, da defesa do ambiente, do desenvolvimento com dimensão social, da criação de condições de modo a que – e utilizando uma fórmula conhecida – «cada mulher, cada homem, cada criança, goze de todas as condições económicas, sociais, políticas e culturais, que permitam àquele que transporta em si o génio de Rafael ou de Mozart possa desenvolvê-lo plenamente».

São muitas vezes os principais responsáveis pela “ordem capitalista mundial” em que impera a lei do mais forte e o neocolonialismo sob as suas mais diversas formas os que, sem qualquer pudor fomentam a corrupção, guerras e rivalidades e depois pungidamente lamentam que dezenas de milhões de seres humanos na África, na Ásia e na América Latina tenham uma vida de miséria, estejam ameaçados pela fome, pela tragédia da Sida, alimentada pelo círculo vicioso da pobreza e sejam até vítimas de doenças facilmente curáveis...

São os que alimentam e veiculam a imensa ofensiva ideológica em relação ao fomento da resignação e à apologética da preservação do sistema. São os adeptos do «fim da história» que asseguram que a economia neoliberal é a forma inultrapassável de organização da sociedade. São os que difundem a fé no progresso da ciência e da tecnologia como remédio para a felicidade dos homens mesmo quando são evidentes os desastres ecológicos e as actuais regressões sociais. São os que difundem os “clichés”, os preconceitos e as teses racistas, como causas do subdesenvolvimento: “a inferioridade dos negros e dos amarelos”; a “incompatibilidade entre o Islão e a racionalidade”; a maldição demográfica e da fecundidade...; apagando as responsabilidades do colonialismo e do imperialismo, das pilhagens, da degradação dos termos de troca, do fardo da dívida externa.

E são também aqueles os que mais se opõem à taxa Tobin sobre as operações financeiras, a qual, se aplicada e segundo cálculos da ONU, daria para resolver as necessidades mais básicas das populações mais carenciadas do Globo. E são ainda os que queriam que avançasse o “Acordo Multilateral de Investimentos” de modo a que as multinacionais pudessem passar por cima dos Estados e dos Sindicatos, e os que queriam agora novos avanços neoliberais no Comércio Mundial em Seattle. São os que comandam o Banco Mundial, o FMI e a OCDE e que ditam as grandes linhas da submissão e da dependência. E que tem como resultado a obscena concentração de riquezas num pólo e da pobreza no outro, situação que se verifica mesmo no interior dos países mais desenvolvidos. À escala mundial, o controlo e o consumo de 80% dos recursos naturais é detido apenas por 20% da população!

O património dos 15 maiores multimilionários ultrapassa o PIB total do conjunto da África subsariana!

Como já alguém disse a globalização capitalista custa ao Terceiro mundo uma Hiroshima por dia...

É também para continuarmos a conjugar os nossos esforços e a nossa intervenção mesmo que pontual, pelo desenvolvimento, pela cooperação e pela transformação social, que nos encontramos aqui.

O PCP não faltará com a sua solidariedade aos povos africanos e com o activo e determinado contributo para que sejam respeitados e valorizados os direitos das comunidades africanas e dos imigrantes que vivem trabalham em Portugal.

Pela nossa parte tudo faremos também, para que se efective o reforço de cooperação entre Portugal e os países africanos, e entre a União Europeia e África, na base do respeito mútuo, da não ingerência e nas vantagens recíprocas.

Este é um encontro de amigos. E porque estamos num convívio de amigos, e numa quadra especial, permitam-me que vos deseje a todos e muito especialmente aos nossos convidados estrangeiros umas Boas Festas e um Bom Ano 2000, e aos seus povos, progresso, justiça social e Paz.

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