Intervenção de Paulo Sá, Deputado, Sessão Pública - A alternativa na política fiscal

Por uma política fiscal alternativa, no quadro da Política Patriótica e de Esquerda - a iniciativa do PCP

Por uma política fiscal alternativa, no quadro da Política Patriótica e de Esquerda - a iniciativa do PCP

Camaradas e amigos,

Nas últimas décadas, governos do PS, PSD e CDS, nas suas diversas combinações, foram paulatinamente construindo uma política fiscal injusta e iníqua que onera os trabalhadores, os reformados, as famílias e as micro e pequenas empresas, ao mesmo tempo que favorece de forma escandalosa os grandes grupos económicos e financeiros.

O grande capital beneficia de múltiplos e generosos benefícios e isenções fiscais, assim como de diversos instrumentos de planeamento fiscal agressivo, que lhe permite reduzir substancialmente os montantes de imposto que entrega ao Estado.

Consideremos o ano de 2011, em que a responsabilidade governativa foi partilhada por um governo do PS – no 1.º semestre – e outro da coligação PSD/CDS – no 2.º semestre. Neste ano foram atribuídos em sede de IRC benefícios fiscais no valor de cerca de 1.500 milhões de euros. Destes, 1.045 milhões – ou seja, mais de dois terços – foram atribuídos a sociedades gestoras de participações sociais (SGPS). Nesse ano, a despesa fiscal em sede de IRC foi quase o triplo da despesa fiscal de todos os outros impostos tomados em conjunto (IRS, IVA, Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos, Imposto sobre Veículos, Imposto do Selo, Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas e Imposto sobre o Tabaco). O Governo PSD/CDS tentou ocultar esta realidade – bem reveladora das suas opções de classe – omitindo da Conta Geral do Estado de 2012 os 1.045 milhões de euros de benefícios fiscais atribuídos às SGPS, situação que o Tribunal de Contas denunciou num parecer enviado à Assembleia da República. Nesse ano, aquilo que o Governo escondeu foi mais do que aquilo que revelou!

Mas a ocultação e deturpação dos benefícios fiscais atribuídos ao grande capital vai mais longe. O Tribunal de Contas denunciou uma outra situação de grosseira manipulação dos dados fiscais, levada a cabo pelo Governo. No Relatório do Orçamento de Estado para 2013, o Governo incluiu em sede de IRS e de IVA desagravamentos fiscais que não são, por lei, benefícios fiscais. No caso do IRS, o valor real dos benefícios fiscais foi inflacionado 11 vezes, enquanto os benefícios fiscais em sede de IVA foram inflacionados 29 vezes! Desta forma, no referido relatório, o Governo conseguiu colocar o IVA e o IRS como os impostos que têm mais benefícios fiscais, muito à frente do IRC, quando na realidade era o IRC que estava em primeiro lugar, com mais despesa fiscal do que todos os outros impostos juntos.

O Governo tem tentado passar para a opinião pública a ideia de que os sacrifícios impostos no âmbito dos PECs e do Programa da Troica são para todos, abrangendo também as grandes empresas, nomeadamente no que diz respeito aos benefícios fiscais. Isto não é simplesmente verdade! Uma análise do Tribunal de Contas mostra que, de 2010 para 2012, a despesa fiscal associada aos benefícios fiscais diminuiu para o IRS (-34%) e para o IVA (-22%), enquanto para o IRC aumentou 54%, mesmo sem incluir os tais 1.045 milhões de euros de benefícios fiscais às grandes empresas que o Governo tentou esconder na Conta Geral do Estado. Estes dados desmentem categoricamente o discurso do Governo de que benefícios fiscais para as grandes empresas têm sido reduzidos e que isso é um sinal de que os sacríficos são para todos.

Perante uma tão descarada manipulação e omissão dos dados relativos aos benefícios fiscais, impunha-se uma auditoria para determinar com rigor os benefícios fiscais atribuídos em sede de cada imposto, assim como clarificar os critérios de identificação e classificação da despesa fiscal. Essa auditoria, por iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP, está a ser levada a cabo pelo Tribunal de Contas.

Mas o favorecimento dos grandes grupos económicos e financeiros não passa apenas pela atribuição de benefícios fiscais. Na recente reforma do IRC, levada a cabo pelo Governo PSD/CDS com o apoio do PS, a taxa nominal deste imposto diminuiu de 25% para 23%, com a intenção declarada de continuação de diminuição até 17% nos próximos anos. Além disso, o número de anos em que é possível fazer reporte de prejuízos passou de 5 para 12. Estas alterações, associadas a outras que disponibilizam instrumentos de planeamento fiscal agressivo, permitirá às grandes empresas reduzirem substancialmente, nos próximos anos, o valor dos impostos pagos ao Estado.

Na discussão da reforma do IRC, o Grupo Parlamentar do PCP denunciou a opção do Governo PSD/CDS, e também do PS que se associou a esta reforma, de favorecer as grandes empresas, tendo apresentando um conjunto de propostas alternativas das quais destaco: a manutenção da taxa nominal de IRC em 25% acompanhada por uma descida da taxa aplicada às micro e pequenas empresas para 12,5%, incidindo sobre matéria coletável até 12.500 euros; a redução do período de reporte de prejuízos fiscais de 5 para 3 anos; e a eliminação gradual do pagamento especial por conta até 2017.

A redução do peso do IRC na receita fiscal é uma evidência que ninguém pode negar. De acordo com as estatísticas das receitas fiscais publicadas pelo INE, o IRC representava no ano 2000, no conjunto dos impostos diretos, 36,6%; em 2013, representou apenas 27,2%. Esta tendência de queda irá acentuar-se com a recente reforma do IRC. Até agosto de 2014, de acordo com os dados da execução orçamental, a receita de IRC já tinha caído 4,3% relativamente a igual período do ano anterior. No próximo ano, quando a reforma do IRC começar a fazer sentir plenamente o seu impacto está queda irá, com certeza, ser bem maior.

No reverso da medalha temos o IRS, o imposto sobre os rendimentos dos trabalhadores. Em 2000, este imposto representava 55,5% dos impostos diretos; em 2013, representou 67,3%. Este aumento, a par da diminuição das receitas de IRC, tem levado a uma profunda alteração quantitativa do peso relativo destes dois impostos nas receitas fiscais do Estado. Em 2008, as receitas do IRS eram 1,6 vezes superiores às do IRC. Este ano, de acordo com as previsões do próprio Governo, a receita de IRS será quase o triplo da receita de IRC. Estes números revelam claramente as opções da política fiscal deste governo, mas também dos governos anteriores: aumentar os impostos aos trabalhadores para aliviar os impostos sobre as grandes empresas, transferindo riqueza do trabalho para o capital.

Ao mesmo tempo que favorecia os grandes grupos económicos, o Governo sujeitava os trabalhadores a um verdadeiro saque fiscal em sede de IRS. Em 2013, os escalões de IRS foram reduzidos de 8 para 5, com impacto muito negativo na progressividade do imposto. Esta alteração, a par da redução das deduções à coleta (com despesas de saúde, educação ou de aquisição de casa própria) e da introdução de uma sobretaxa de 3,5% – igual para todos os escalões – levou a um aumento da receita de IRS, nesse ano, de 35,5%. Para 2014 o Governo prevê um novo aumento da receita fiscal em sede de IRS, que ficará 40,2% acima da receita obtida em 2012. Só nestes dois anos, 2013 e 2014, o Estado arrecadará 6.900 milhões de euros a mais do que teria arrecado se o IRS se tivesse mantido aos níveis de 2012. É disto que falamos quando nos referimos ao saque fiscal dirigido contra os rendimentos dos trabalhadores!

Acresce que a este saque fiscal, o atual Governo e os anteriores do PS têm imposto uma política de redução de direitos laborais, de salários e de prestações sociais, assim como uma política de concentração e de encerramento de serviços públicos e de desinvestimento público, acentuando o desequilíbrio na distribuição de riqueza entre o trabalho e o capital.

O Governo anunciou que nos próximos dias irá apresentar uma proposta de reforma do IRS. Será que esta proposta do Governo irá ter como elemento central a eliminação do saque fiscal imposto em 2012? Não cremos! A intenção do Governo será, com certeza, a de manter o saque fiscal dirigido contra os rendimentos dos trabalhadores, tentando tornar definitivo aquilo que anunciou inicialmente como provisório. O Governo tentará ocultar as suas intenções, falará do acessório para não ter que falar do essencial, mudará alguma coisa para que fique tudo basicamente na mesma. Obviamente que o PCP não se opõe a simplificações no IRS, tornando-o mais transparente e percetível por parte dos cidadãos. Mas consideramos que o elemento central, em qualquer reforma do IRS deve ser a eliminação do saque fiscal dirigido contra os rendimentos dos trabalhadores e a introdução de maior justiça e equidade nesse imposto aumentando a sua progressividade. Por isso nos bateremos, não deixando de apresentar propostas alternativas que visem atingir estes objetivos.

Uma das marcas de uma política fiscal injusta é o aumento dos impostos indiretos, como o IVA, que não têm em conta o rendimento nem o património do contribuinte. O aumento sucessivo da taxa de IVA, assim como a diminuição de bens e serviços aos quais se aplica a taxa reduzida e a taxa intermédia, é também um elemento do saque fiscal dirigido contra os trabalhadores. Este ano, de acordo com as previsões do Governo constantes no Relatório do 2.º Orçamento Retificativo, o IVA será o imposto que mais contribuirá para a receita fiscal do Estado, com cerca de 13.900 milhões de euros, quase 1.000 milhões de euros acima da previsão inicial do Orçamento do Estado, representando 38% da receita fiscal total do Estado. Esta é uma situação que deverá ser alterada, garantindo uma maior progressividade nos impostos cobrados aos portugueses.

No seu Relatório sobre Combate à Fraude e Evasão Fiscais e Aduaneiras, apresentado no passado mês de junho, o Governo afirma que intensificou o controlo da administração tributária sobre as transferências bancárias de fundos para paraísos fiscais. Estas não passam de palavras ocas. O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, questionado pelo PCP insistentemente, não quis revelar qual o montante estimado de fundos portugueses escondidos em paraísos fiscais. Sabemos que um Relatório da Comissão Europeia estima que os fundos europeus escondidos em paraísos fiscais serão da ordem dos 16 a 25 biliões (milhões de milhões) de euros. E os fundos portugueses, de quanto são? Que medidas concretas o Governo tomou para combater a fuga e evasão fiscais com recurso a paraísos fiscais? O Governo que, perante uma dívida ao fisco de umas centenas de euros, não hesita em penhorar o salário, o automóvel e a casa do pequeno contribuinte, é o mesmo Governo que desvia o olhar das grandes fugas fiscais, que organiza perdões fiscais para os grandes e poderosos, que permite que os chamados “donos disto tudo” criem fortunas colossais à custa do esbulho da riqueza nacional.

Camaradas e amigos,

A política fiscal levada a cabo nas últimas décadas acentuou a injustiça na distribuição da riqueza nacional. A parcela dessa riqueza atribuída aos salários diminuiu, a que acresce uma redução das reformas e pensões, assim como dos apoios sociais. Também os rendimentos dos pequenos empresários diminuíram em consequência de uma fiscalidade que os discrimina negativamente.

Ao longo dos anos o PCP denunciou as injustiças e iniquidades fiscais impostas por governos do PS, PSD e CDS, tendo combatido todas e cada uma das medidas fiscais que acentuaram o desequilíbrio na distribuição da riqueza, avançando com propostas que garantiam uma tributação mais justa e mais adequada às necessidades de desenvolvimento económico e social do país, e que rompiam com o favorecimento da banca e dos grandes grupos económicos e com a especulação financeira, ao mesmo tempo que aliviavam a carga fiscal sobre os trabalhadores, bem como sobre as micro e pequenas empresas.

O PCP continuará a sua luta por uma política fiscal mais justa, necessariamente inserida na luta pela rutura com a política de direita e a construção de uma política alternativa patriótica e de esquerda que assegure para o nosso país um futuro de desenvolvimento económico e justiça social.

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