Intervenção de José Jara, Membro da Comissão Nacional do PCP para a área da Saúde, Encontro Nacional do PCP sobre a saúde em Portugal

Política de saúde mental

Política de saúde mental

1- Muitas promessas e muitas falhas

A saúde mental depende de muitos fatores: da saúde materno-infantil, da saúde geral da população em todas as idades, da educação, do nível de vida, dos hábitos e costumes (por exemplo o uso de substâncias que agem no cérebro, incluindo o abuso do álcool), da qualidade de vida, das relações humanas, enfim, de inúmeros parâmetros que não estão diretamente relacionados com a psiquiatria e os serviços de saúde mental. A crise económica criada pela austeridade da troika imposta pela União Europeia teve graves repercussões na saúde mental da população.

Se não se pode reduzir a questão da saúde mental aos problemas da assistência psiquiátrica é também um erro grosseiro desvalorizar o papel da especialidade médica de psiquiatria, da medicina familiar e de outras profissões especializadas de saúde mental, essenciais para a prevenção, diagnóstico, terapêutica e reabilitação dos doentes com afeções mentais. Os recursos humanos especializados são a componente determinante para uma melhoria da eficiência dos serviços de saúde mental.

A chamada nova política de saúde mental em Portugal, tem a sua inauguração em 1998, com a Lei dita de Saúde Mental (para o Internamento Compulsivo) e a tentativa de reorganização dos serviços de saúde Mental que decorre desde então. A produção de sucessivas portarias e despachos desde 2010 não teve concretização no mundo real da assistência aos doentes. O Plano Nacional de Saúde Mental para 2007-2016 contínua por concretizar para o essencial das metas apontadas.

A que se deve o atraso dos Serviços de psiquiatria e saúde mental? Os países que investem em políticas de saúde mental a sério não têm orçamentos tacanhos. Gastam em “saúde mental” uma percentagem do orçamento para a saúde que ronda os 10%. Uma das grandes ilusões alimentadas pelos governos tanto do PSD com o CDS, como do PS foi a de que é possível uma nova política de saúde mental feita de alguns remendos e das chamadas reestruturações. A nossa média para a “saúde mental” andou sempre pelos 3% da fatia de orçamento para a saúde.

Assim, não é de estranhar que uma política que se pretendia de largo alcance peque, desde logo, por uma insuficiência clamorosa: onde estava a fonte de financiamento para a implementação da apregoada nova política de saúde mental? Houve quem acreditasse que a venda do património das instituições psiquiátricas desactivadas serviria de fonte de financiamento para os novos serviços e acções. Os valores obtidos com as “desinstitucionalizações” foram aproveitados para o orçamento geral do Ministério da Saúde ou objeto de especulação imobiliária.

A bandeira da chamada desinstitucionalização foi agitada anos e anos para justificar o encerramento de 2 hospitais psiquiátricos, considerados supérfluos e inadequados para a assistência a doentes graves. Em alternativa foi-se propagandeando a eminência da criação de serviços comunitários de saúde mental, com a colocação do doente na “comunidade”, em função de necessidades e de gravidade das situações. Até hoje, volvidos 20 anos, a escassez das medidas é confrangedora, por atribuição de modestas dotações para contratos-programa, de tipo piloto, com entidades do setor social que, no essencial, representam uma transferência de doentes para outras instituições, não uma verdadeira implementação de unidades novas na comunidade.

Para que o sistema de saúde mental pudesse ter serviços baseados na comunidade teria de se investir muito mais, em meios e recursos humanos, em novas unidades, não apenas por contratações público-privadas como se têm tentado fazer.

Por sua vez, os serviços locais de psiquiatria e saúde mental que resultam da integração dos antigos Centros de Saúde Mental nos hospitais gerais, a partir de 1992, embora tenham registado um avanço significativo em 25 anos, apresentam claras insuficiências nos recursos humanos em muitos distritos do interior. E mesmo nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto há graves assimetrias na distribuição de recursos. Na zona centro do país o único hospital psiquiátrico foi amputado da sua autonomia administrativa e anexado ao Hospital Universitário (CHUC). Uma das práticas que passou a vigorar nos serviços hospitalares de psiquiatria foi a redução da estadia de internamento, por insuficiência de camas e uma preocupação administrativa em diminuir o tempo de internamento.

2- Necessidades concretas

Precisamos de Serviços Comunitários, articulados com Serviços hospitalares (em hospitais gerais e em hospitais psiquiátricos) e com os Cuidados primários. Precisamos de ter serviços de reabilitação para contribuir para a recuperação de pessoas com doenças mentais e para a sua integração social, segundo as capacidades de cada um. Precisamos de residências adaptadas a necessidades diversificadas para pessoas que carecem desses recursos. Muitos das pessoas “sem-abrigo” sofrem de patologia mental, e a miséria em que vivem mantém-se por décadas, com escassos apoios. Os serviços hospitalares de psiquiatria e saúde mental devem cobrir de forma regular o país, sem assimetrias e com dotações proporcionais à população que servem.

Necessitamos de uma dotação financeira para a saúde mental muito acima da que é praticada. Necessitamos de mais recursos humanos, em todas as profissões, médicos, enfermeiros, psicólogos e outros técnicos de saúde mental, valorizando as carreiras e a sua colocação onde mais falta fazem. São necessárias melhorias na prevenção das doenças, na educação para a saúde mental, na prevenção do alcoolismo e das toxicodependências, na luta contra o estigma.

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