Intervenção de

Polícia Judiciária - Intervenção de António Filipe na AR

Orgânica da Polícia Judiciária

 

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governos,
Sr.as e Srs. Deputados:

Não é preciso gastar muito tempo para enaltecer a importância que tem a Polícia Judiciária para o combate à criminalidade e para o Estado de direito democrático.

Daí que, do nosso ponto de vista, é um dever do poder político, desta Assembleia e do Governo, dotar a Polícia Judiciária com os instrumentos legais mais adequados ao cumprimento da sua missão, e especificamente é dever do Governo garantir à Polícia Judiciária as condições adequadas, em termos dos respectivos meios humanos e materiais, para poder cumprir eficazmente as suas funções e combater a criminalidade altamente organizada, a criminalidade mais complexa e sofisticada, o que é a missão fundamental da Polícia Judiciária.

É também fundamental para o cumprimento dessa missão, a bem do Estado de direito democrático, que a Polícia Judiciária tenha também as garantias de desgovernamentalização, de independência e de isenção no exercício da sua actividade.

Posto estas considerações, há alguns aspectos desta proposta de lei (n.º 143/X) que gostaria de referir, quer para exprimir preocupações, quer para registar alguns aspectos que, do nosso ponto de vista, devem ser registados.

Em primeiro lugar, quero salientar que, porventura por lapso, o Governo omitiu na proposta de lei, no seu artigo 3.º, uma referência à autonomia táctica da Polícia Judiciária. Admitimos que possa ter sido um lapso da proposta de lei, na medida em que a autonomia táctica é fundamental para o bom funcionamento da Polícia Judiciária e para o cumprimento das suas funções. Portanto, confiamos que haja da parte do Governo e da maioria disponibilidade para corrigir, na especialidade, a ausência desta expressão no n.º 2 do artigo 3.º e que juntamente com a autonomia técnica, que está aqui consagrada, esteja também a autonomia táctica, como, do nosso ponto de vista - e creio que isso é consensual -, deverá estar.

Quero salientar ainda, e aqui registar positivamente, que no artigo 5.º se refere explicitamente que «compete à Polícia Judiciária assegurar o funcionamento dos gabinetes da Interpol e Europol para os efeitos da sua própria missão e para partilha de informação, no quadro definido pela Lei de Segurança Interna».

É bom que isto fique claro de uma vez por todas, porque nos recordamos, e não foi há muito tempo, que no âmbito deste Governo foi anunciado que a Polícia Judiciária ia ser privada destes dois gabinetes e que iriam passar para uma estrutura sob a dependência directa do Primeiro-Ministro.

Ainda bem que isso não aconteceu, ainda bem que se mantém na Polícia Judiciária, tendo em conta o papel que a Polícia Judiciária tem a este nível e o estatuto que lhe é reconhecido, do ponto de vista internacional, enquanto interlocutor do Estado português para o combate à criminalidade transnacional e altamente organizada.

Portanto, nesse sentido é bom que fique claro que a Polícia Judiciária não se verá privada dos gabinete da Europol e Interpol em benefício de qualquer outra entidade, designadamente ligada ao poder político.

Quero ainda referir dois aspectos relativos a esta proposta de lei. Gostaria de chamar a atenção para uma incongruência, em termos sistemáticos, que faz com que passemos a ter não uma mas duas leis orgânicas da Polícia Judiciária. Existe uma lei orgânica, que está neste momento em vigor, e o Governo apresenta agora uma proposta de lei para uma orgânica da Polícia Judiciária; simplesmente, da lei orgânica anterior, o Governo mantém em vigor 106 artigos. Portanto, dos 179 artigos do diploma, 106 artigos vão permanecer em vigor, pelo que vamos ter uma espécie de «lei orgânica e «lei orgânica , ficando em vigor, repito, 106 artigos da anterior, e agora soma-se uma nova lei orgânica.

Assim, creio que vai criar-se aqui uma confusão sistemática, que era perfeitamente dispensável, mas é isto que vai efectivamente acontecer, o que não é bom em termos da unidade da ordem jurídica portuguesa.

Agora, passo a referir a nossa maior preocupação a propósito desta proposta de lei, que diz respeito ao respectivo artigo 8.º.

Este artigo refere-se ao sistema de informação criminal e diz que a Polícia Judiciária dispõe de um sistema de informação criminal de âmbito nacional - o que tem toda a lógica - e que o sistema referido articula-se e terá a adequada interoperabilidade pelos mais sistemas de informação criminal legalmente previstos.

Ora, o que acontece é que, há alguns anos atrás, no tempo em que o recém eleito Presidente da Câmara Municipal de Lisboa era Ministro da Justiça, foi criado no papel o chamado Sistema Integrado de Informação Criminal, o SIIC, e era suposto que esse sistema integrado pudesse servir as várias forças policiais, pudesse haver uma troca de informação fluida e ágil entre elas, entre a Polícia Judiciária, a PSP, a GNR e o SEF.

Ora, o que acontece é que esse SIIC ficou no papel, não foi criado e nunca mais se falou dele. Entretanto, o Dr. António Costa deixou de ser Ministro da Justiça, passou para outro cargo ministerial, a pasta da justiça foi ocupada por outro titular, houve outros governos pelo meio e nunca mais se falou do Sistema Integrado de Informação Criminal. Ficámos sem saber se ele foi definitivamente abandonado, mas a avaliar pelo conteúdo deste artigo 8.º parece ter sido.

E o que se diz aqui é que haverá uma articulação e uma adequada interoperabilidade com os demais sistemas de informação criminal, pelo que, segundo julgámos perceber quando do anúncio da reestruturação das forças de segurança, quem assegurará esta interoperabilidade e esta articulação será, porventura, o Secretário-Geral do Sistema Integrado de Segurança Interna.

Ou seja, a troca de informação entre as várias polícias deixa de estar sedeada ao nível das polícias, passa a estar sedeada ao nível do poder político e passa a ser comandada por um titular de um órgão do poder político que reporta directamente ao Primeiro-Ministro.

Sr. Ministro da Justiça, isto cria um grave precedente. O facto de a informação criminal passar a ser controlada, em última análise, por alguém que é de nomeação governamental e que funciona sob a dependência directa do Primeiro-Ministro cria um grave precedente em matéria de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e coloca o poder político em condições de poder ter acesso a toda a informação criminal, o que, efectivamente, é algo com o que o poder político não deve poder interferir, é algo a que não pode ter acesso, sob pena de estarmos a comprometer de uma forma decisiva e muito grave a isenção do funcionamento das autoridades de investigação criminal.

Portanto, este artigo 8.º suscita-nos as maiores preocupações e faz com que, só por si, seja suficiente para que não possamos dar o nosso apoio a esta proposta de lei que o Governo aqui nos apresenta.

 

 

 

 

 

 

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