Intervenção de Rita Rato na Assembleia de República

"Pobreza e exploração nada têm de moderno, serão talvez mesmo do que mais milenar existe na história da humanidade"

Sr. Presidente,
Sr. Deputados,

Em pleno século XXI, no ano de 2017, as fortunas dos oito homens mais ricos do planeta equivalem ao rendimento das 3,6 mil milhões de pessoas mais pobres do mundo.

Esta gritante aberração nada tem de novo. Na verdade, pobreza e exploração nada têm de moderno, serão talvez mesmo do que mais milenar existe na história da humanidade, e por isso mesmo causa de combate tão urgente e atual.

Os avanços científicos e tecnológicos que a humanidade tem conhecido não têm tido como objetivo primeiro nem tradução direta na melhoria das condições de vida de milhões de seres humanos por todo o mundo.

Por isso, a pergunta que fazemos é a quem tem servido a evolução significativa da ciência e a tecnologia.

Ao serviço de quem têm estado as surpreendentes descobertas científicas e tecnológicas das últimas décadas e séculos? Qual o seu impacto numa mais justa distribuição da riqueza, na redução dos horários de trabalho, na melhoria das condições de vida?

Passados mais de 131 anos do primeiro 1º de Maio, a luta pela fixação das 8 horas de trabalho e pela redução do horário de trabalho é de uma incrível atualidade. Incrivelmente infeliz, na verdade.

Foi esta a reivindicação que esteve na base da criação de uma nova jornada de trabalho, que constituiu o marco histórico de uma sociedade mais justa.

O capital nunca aceitou este avanço civilizacional e criou instrumentos ardilosos para afastar a lei: transformou todo o período normal de trabalho em tempo de trabalho efetivo; eliminou pausas; impôs diversas flexibilizações e aumentou a intensidade e os ritmos de trabalho.

Hoje, o horário de trabalho, a sua fixação e cumprimento, o respeito pelos tempos de descanso, as respetivas condições de pagamento e de compensação e a articulação com a vida familiar, pessoal e profissional assumem uma enorme atualidade.

Sr. Presidente, Sr. Deputados: Na passada segunda-feira, o PCP realizou uma audição parlamentar, amplamente participada, sobre «Horários de trabalho: combate à desregulação, 35 horas, respeitar direitos».

Os relatos dos trabalhadores e das suas organizações representativas provam que estas matérias são um dos alvos de maior ataque por parte do patronato. Aliás, os relatos confirmam de forma evidente a quem serviram as alterações à legislação laboral promovidas pelo Governo PSD/CDS em 2012.

À boleia da dita competitividade, sucessivas alterações à legislação laboral resultaram sempre em degradação dos direitos dos trabalhadores, corporizando novos conceitos, que apenas recuperam velhas ideias de desumanização do trabalho (adaptabilidades, bancos de horas, entre outros).

Hoje, no nosso País, cerca de 75% dos trabalhadores são atingidos pela adaptabilidade de horários, pelo recurso abusivo ao trabalho por turnos e ao trabalho noturno, pela generalização do desrespeito e do prolongamento dos horários, com consequências profundamente negativas.

Os exemplos são gritantes: nas minas da Somincor, em Castro Verde, existem pressões da administração para impor horários concentrados de 12 horas de trabalho no subsolo; na Tyco e na Kemet, em Évora, onde desde há vários anos são praticadas as 12 horas de trabalho diário, a administração da Kemet impõe a marcação de férias em regime concentrado e seis dias de trabalho gratuito, mesmo após condenação do Tribunal da Relação de Évora.

No Grupo REN, onde há falta de trabalhadores para cumprimento cabal dos turnos, é negado o direito ao descanso obrigatório e os horários são organizados quinzenalmente, obrigando os trabalhadores a uma instabilidade permanente.

Na Siderurgia Nacional, no Seixal, a administração impõe 12 horas de trabalho diário, inclusive ao sábado e domingo, com reflexo no aumento dos acidentes de trabalho, desgaste físico e psicológico dos trabalhadores, despedimentos e posterior subcontratação através de empresas de trabalho temporário.

Na área da hotelaria e da restauração, em muitos locais de trabalho não são respeitados os tempos mínimos de descanso, existindo trabalhadores que saem do local de trabalho à 1 hora da manhã e voltam ao trabalho logo na manhã seguinte, passadas 6 e 7 horas.

Na Lisnave Yards, em Setúbal, os trabalhadores são obrigados a prestar 1800 horas de trabalho efetivo, divididas em dois semestres, onde 270 horas, no regime de adaptabilidade, são prestadas de segunda a sábado, mas também nos feriados, o que pode ir até 15 dias de descanso semanal e complementar sem qualquer acréscimo de remuneração.

No âmbito do Serviço Nacional de Saúde a carência de profissionais, em particular de enfermeiros, leva a situações inaceitáveis, onde são devidas milhares de horas de descanso a estes trabalhadores.

Nas empresas de limpeza, a imposição das 35 horas semanais é um expediente para não garantir o pagamento do salário mínimo e dos seus aumentos.

Na verdade, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o aumento do horário de trabalho é diretamente proporcional ao aumento dos lucros dos grupos económicos.

É urgente combater a desregulação dos horários de trabalho.

É urgente garantir o respeito pelos seus limites diários e semanais, garantir dois dias de descanso semanal e a revogação dos bancos de horas, de adaptabilidades, dos horários concentrados e do combate ao prolongamento da jornada diária com o abuso do trabalho extraordinário.

É urgente garantir as 35 horas a todos os trabalhadores, seja na Administração Pública, seja no setor privado, reduzindo os horários de trabalho para as 35 horas semanais sem perda de remuneração nem de outros direitos, no setor privado, como contributo para criar postos de trabalho e combater o desemprego.

É urgente reforçar os direitos trabalhadores por turnos.

É inadiável colocar os avanços científicos e tecnológicos ao serviço do crescimento e desenvolvimento do País, da redução do horário e da penosidade do trabalho.

É urgente colocar a ciência e a tecnologia ao serviço não dos lucros de uma minoria mas das condições de vida da maioria.

É urgente transformar conquistas tecnológicas em conquistas sociais.

O PCP não desiste desse combate e sabe que os trabalhadores e o povo também não.

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